- O Estado de S. Paulo
A política pode ter várias definições. Uma delas é a que a descreve como o exercício do poder para a resolução de conflitos no interesse de uma coletividade. Sem um fim, a política como conceito não se justifica. Como processo, serve para tudo, até para derrubar o poder constituído. Não é o caso abordado neste texto.
Voltando um passo atrás, o que se espera da política é que ela seja não somente a expressão de um ordenamento constitucional posto em vigor pela vontade da maioria do povo, mas também o instrumento para a resolução de crises, dos impasses que afligem uma dada sociedade. No caso, a nossa, a brasileira.
O Brasil, por sua pouca relevância geopolítica, foi poupado dos grandes conflitos mundiais. Em contrapartida, não deixamos de criar problemas para nós mesmos. A crise que nos assola não tem raízes externas, é um produto majoritariamente nacional. O conteúdo local de nossa crise ultrapassa os 90% do total. Nossas decisões nos levaram à presente situação, e isso está claro para todos. Mas poucos em Brasília querem aceitar tal realidade.
O tamanho da crise não deve ser medido pela intensidade das manchetes, e sim pela frieza dos números. Apresentamos hoje o maior desemprego em anos e também a maior população desocupada. Fechamos postos de trabalho em número igual ao que precisaríamos gerar. Ou seja: 1,5 milhão de trabalhadores perderam emprego e outro tanto não conseguiu se encaixar no mercado. Mais ou menos, isso quer dizer que começamos o ano com 3 milhões de desempregados a mais do que em 2014.
A inflação de 2015, medida pelo governo, ficou em 10,67%, a maior desde 2002. O prognóstico para 2016 é igualmente tenebroso, ainda que possa ficar abaixo dos índices de 2015. Em meados de janeiro o dólar batia inacreditáveis R$ 4,17, num país que tem mais de US$ 370 bilhões em reservas. O que significa que nossas reservas são insuficientes para dar tranquilidade ao mercado, aos investidores e à economia em geral.
Temos, obviamente, um grave déficit de credibilidade, o que é muito mais importante do que o déficit fiscal das contas públicas. Afinal, países como EUA, Japão e Itália, por exemplo, têm um déficit fiscal muito pior que o nosso. Mas contam com a confiança dos mercados e dos investidores. É aí que reside o nosso problema: credibilidade. O que fazer?
A solução está na política. A política salva e destrói os países. Impulsiona os destinos de uma nação para a glória ou para o buraco. Apenas, e tão somente, pela política conseguiremos desenhar saídas para a nossa crise. E em sendo assim, que fazer? O diagnóstico é simples, difícil é implementá-lo. É como o obeso que trava uma luta contra a balança: não lhe falta convicção, e sim energia para adotar medidas que contrariem o que sempre lhe foi caro na vida. É o nosso caso.
Examinando os blocos de poder no País, temos graves problemas. A sociedade civil está apática. Desaprova a situação política, mas não se envolve. Os políticos comprometidos na investigação da Operação Lava Jato jogam para salvar a própria pele. Nada mais. O governo opta por buscar resguardar seus interesses imediatos. O empresariado tampouco apresenta agendas nem se mobiliza. São respostas insuficientes para o momento. Na situação em que estamos, nem o governo do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff começou nem a crise foi seriamente atacada. Na prática, a crise paralisa todos. Os rumos são dados pela crise, porém não num sentido que vise à saída.
E qual a saída? A política. A política deve presidir o momento. Não a política rasteira dos interesses pequenos, mas a política dos interesses nacionais, sempre esquecidos. A política, e somente ela, é capaz de reduzir o déficit de credibilidade que nos maltrata. Apenas com a sua recomposição sairemos desta crise. Depende de nós. Apenas de nós.
Como restabelecer a credibilidade perdida? Estabelecendo o diagnóstico do problema e das medidas a serem implementadas. Uma agenda mínima de salvação nacional deve ser posta acima dos interesses partidários e particulares. A presidente da República deve pedir apoio à oposição e construir a maioria para a nova plataforma. Deve, também, sacrificar os interesses de seu grupo político para salvar o País. É o que lhe resta.
Independentemente do debate sobre o impeachment, que vai e vem, governo e oposição devem acordar em torno de uma pauta que aponte em direção ao futuro. E o futuro exige maior credibilidade fiscal, controle da inflação, melhor ambiente para negócios, mais emprego e melhores serviços públicos. Qualquer governo que não se comprometa com essa agenda não serve para o País.
Uma saída eminentemente política pressupõe diálogo. Nunca este governo buscou o diálogo. Nem sequer dentro da própria base política. Agora, com Jaques Wagner à frente da Casa Civil, melhora o perfil e tenta-se um caminho. Mas o governo deve ousar mais. Reconhecer os fracassos e ter a humildade de ir atrás da reconstrução por meio de amplo diálogo. Soluções autônomas não funcionaram. O Brasil de hoje vive a ampla pluralidade no exercício do poder. O Executivo já não manda sozinho.
O caminho é a boa política, que, em épocas de crise, deve ser, obviamente, plural.
Winston Churchill, quando chamado a liderar o Reino Unido contra os nazistas, em 1940, impôs a existência de uma coalizão multipartidária de apoio. Foi assim que o maior estadista do século passado liderou o mundo livre na 2.ª Guerra Mundial, juntamente com o americano Franklin Roosevelt. Considerando o tamanho de nossos problemas econômicos e sociais, o déficit de credibilidade fiscal e econômica e, ainda um quadro social agravado por epidemias de dengue e zika, enfrentamos um dos momentos mais graves em nossa História. Somente com grandeza e desprendimento poderemos superá-la.
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* Murillo de Aragão é advogado e jornalista, mestre em ciência política e doutor em sociologia pela UNB
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