sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Crédito tem no ano o pior desempenho desde o Real – Editorial / Valor Econômico

A concessão de crédito pelo sistema bancário deu um profundo mergulho em julho, indicando que, se depender dos empréstimos, a recuperação econômica ainda não está a vista e pode ser demorada. E, ainda que a taxa Selic se mantenha estável há um ano, os juros do crédito subiram 0,5 ponto percentual no mês e nada menos de 8,5 pontos percentuais em doze meses. A desaceleração fará o Banco Central rever sua estimativa da evolução do saldo de crédito para o ano. A expectativa era de um avanço de 7%, mas o estoque evoluiu apenas 1% até julho e continua encolhendo. Em termos reais, a queda do estoque poderá chegar perto de dois dígitos em 2016.

Há alguns fatores positivos em meio à performance horrorosa do crédito. A inadimplência das pessoas físicas ficou praticamente estável, com pequeno recuo no mês, no trimestre e no ano. E tanto o nível de endividamento como o comprometimento da renda dos consumidores com dívidas mantiveram-se em trajetória descendente. Algo semelhante ocorre com as empresas, com a diferença que os bancos estão renegociando dívidas de pessoas jurídicas em apertos. O total desses débitos é de R$ 97 bilhões e avançou 20% em doze meses. Sem esta ação razoável, os números da inadimplência das pessoas jurídicas seria bem maior.


Tanto os números do crédito quanto os da inflação, os únicos fechados para o início do segundo semestre até agora, ainda não compõem um quadro tranquilizador. O IPCA-15 mostrou a resistência para baixo da inflação, com difusão maior, mostrando o prolongamento das condições que provocaram o IPCA ruim de julho. Se a inflação não cair com mais força no curto prazo, o Banco Central não terá como cortar a pesada taxa de juros, ou, se diminuir, o fará em pequenas doses e a uma velocidade menor. E sem alguma reação do crédito, o combustível da economia, a retomada da economia será retardada.

A freada nos empréstimos se aprofundou em julho, quando as expectativas mais positivas para a economia poderiam sugerir que fosse bem mais branda. A concessão diminuiu 11,1% de junho para julho, e para as empresas, 17,9%. Em doze meses encerrados em julho, os empréstimos às pessoas jurídicas recuaram em dois dígitos (10,8%), enquanto o cenário foi só um pouco menos ruim para as pessoas físicas. Os empréstimos ficaram 5,6% menores no mês e 4,4% no ano. A tendência ainda é declinante.

Os grandes números não dão uma visão adequada da rarefação do crédito. O desconto de duplicatas - um dos recursos mais usados pelas empresas para tocar seus negócios - com recursos livres desacelerou 18,5% no mês e o volume de novos empréstimos passou a ser negativo em 12 meses. O acesso ao capital de giro de curto prazo (menor que 365 dias) foi pior, encolhendo 31,4% no mês e 22,7% de janeiro a julho. As quedas são também muito significativas para o capital de giro superior a 365 dias, com -18,6% em julho e -33,6% no ano.

Para a indústria (extrativa e de transformação) e a construção, houve diminuição de 5,2% nas concessões sem direcionamento obrigatório no ano até julho. Os bancos foram mais austeros com o setor de serviços, onde se destacam as quedas de empréstimos para o comércio (-8,9%) e para o transporte (-8,2%).

No caso das pessoas físicas, o crédito pessoal caiu 12,7% no mês passado, um tombo agora acompanhado pelo crédito consignado, que encolheu 5,6% no mês e -13,2% no ano. Esse comportamento ratifica a perspectiva de forte queda no consumo das famílias em 2016, estimada pelo BC em -4%. O número só não é pior porque os salários, apesar de dois anos de recessão, não estão caindo tanto quanto o péssimo desempenho da economia faria supor. Se este é um fator estabilizador, que pode dar algum impulso à retomada, tende a complicar um pouco o combate inflacionário, talvez exigindo rigidez por mais tempo da política monetária.

A performance do crédito reflete não só a cautela dos bancos e juros muito altos, mas também a precariedade da demanda, motivada pelo alto endividamento de famílias e empresas, e pelo ritmo reduzido dos negócios. É o pior resultado no ano.

As previsões para 2017 têm melhorado, mas a recuperação efetiva da só deve ocorrer no último trimestre do ano, se nada de ruim acontecer até lá. Pelo que se observa até agora a economia deve sair lentamente da recessão e voltar a crescer em ritmo modesto.

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