Thais Bilenky – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Ex-ministro de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Mangabeira Unger, 69, elogia a ascensão política dos evangélicos e diverge da interpretação de que a eleição municipal representou o avanço da direita e do conservadorismo pelo país.
Definindo-se como "pensador de esquerda", o ex-peemedebista, hoje filiado ao PDT, colabora com a possível candidatura de Ciro Gomes à Presidência em 2018. Em entrevista à Folha, disse que o governo de Michel Temer mostra "falência intelectual".
• Folha - Quais as consequências da ascensão política dos evangélicos?
Mangabeira Unger - O desmerecimento preconceituoso dos evangélicos é um dos maiores escândalos de nossa vida nacional. Eles encarnam a nova consciência que se afirma no país: cultura de autoajuda e de iniciativa.
Difunde-se essa consciência a partir de pequena burguesia empreendedora, evangélica e católica, e alcança número crescente de trabalhadores mais pobres.
• A teologia da prosperidade pode ser produtiva economicamente?
O cerne da teologia neopentecostal não é o culto da prosperidade conquistada pelo esforço individual; é a reverência pelo empoderamento dos crentes. Há muito a criticar, a começar pela tentação de isolar-se em comunidades pautadas por padrões superiores de conduta em vez de lutar para reconstruir as instituições econômicas e políticas. Se estiver, porém, calcada no desrespeito e no desconhecimento, a crítica não presta.
• Então, é positiva a ascensão dos evangélicos para o país?
Como pode não ser boa se são mais de 40 milhões de brasileiros? Como se pode imaginar vida política no país sem a sua participação? É uma distorção da ideia republicana imaginar que as pessoas não possam legitimamente inspirar as suas convicções políticas em convicções religiosas.
• Há setores na esquerda que acham incompatível ter simpatia pelo segmento evangélico e empreendedor.
A ideia central da esquerda –do único tipo de esquerda que vale a pena preservar– é a concepção do engrandecimento dos homens e das mulheres comuns. A diminuição das desigualdades é acessória a esse objetivo. Não repitamos no Brasil a trajetória calamitosa da esquerda europeia, que demonizou a pequena burguesia, ajudando a convertê-la em sustentáculo dos movimentos de direita e distanciando-se das aspirações reais dos trabalhadores.
• As eleições municipais representam vitória para a direita?
A interpretação de que a eleição foi avanço da direita e do populismo sem definição programática é distorcida.
Vários dos políticos eleitos são classificados como de direita porque são próximos a essa pequena burguesia empreendedora a que me referi. A esquerda gosta de vê-los como conservadores e seus representantes, portanto, como políticos de direita, mas eles não se veem assim.
• O que mostram os resultados?
O eleitor tratou de sobreviver: defender-se e resguardar sua comunidade. Desprezou rótulos ideológicos convencionais. Escolheu sem levar a sério o discurso que os partidos preferem porque imaginam, falsamente, que o povo quer açúcar.
• Confia na saída da crise pelo programa do governo Temer?
O governo que acaba de ascender na onda do desastre apresentou como fórmula o corte das despesas públicas, condição necessária, porém radicalmente insuficiente.
Ao cingir-se a essa fórmula, as forças que tomaram o poder decretaram falência intelectual: não têm a menor ideia do que fazer, a não ser trancar o cofre e deixar chaves nas mãos dos credores da dívida pública, na esperança vã de que tanta obediência produza muito investimento.
O resultado desabará sobre a cabeça da maioria trabalhadora.
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