- Folha de S. Paulo
Presidente parece se divertir com a indignação dos descontentes
O governo Bolsonaro coloca um grande desafio. Como responder a sua prolífica produção de declarações e ações ultrajantes?
Apenas na última semana, o presidente anunciou que vai indicar o próprio filho para o cargo mais estratégico da diplomacia brasileira, ameaçou censurar ou fechar a Agência Nacional de Cinema e caluniou da forma mais aviltante uma respeitada jornalista brasileira.
Em um governo regular, a reação indignada da opinião pública, de organizações de direitos humanos e de atores do mundo da política forçaria o presidente a pedir desculpas.
Mas Bolsonaro não reage assim. Ele parece divertir-se com a indignação que causa —e uma parte do seu público também.
Foi o que se viu, por exemplo, na “brincadeira” que fez ao chegar ao Palácio do Alvorada, no último sábado, se dirigindo às pessoas que estavam ali: “Vamos fechar a Ancine ou não vamos?”. Ao que responderam em coro: “Vamos!”
O bolsonarismo se mantém com uma estratégia de divisão e mobilização permanente. Ele explora e mantém viva a divisão da sociedade civil, assustando os seus apoiadores com supostos perigos dos quais os adversários seriam portadores.
Cada vez que Bolsonaro faz uma provocação, a reação de revolta é recebida pelos seus seguidores com uma espécie de júbilo de triunfo. Se os bandidos, os corruptos, os vagabundos ou os comunistas desgostaram, deve ser porque o governo está no rumo certo.
Por isso, a indignação e o protesto dos descontentes de sempre têm pouco efeito prático sobre o governo e sobre a base mais fiel de Bolsonaro.
Isso não significa que devemos assistir resignados a esse espetáculo temerário.
Em primeiro lugar, é preciso resistir institucionalmente. Nós podemos sair desses quatro ou oito perigosos anos como uma Hungria ou como uma Turquia —isto é, como um país no qual o poder político atropelou e destroçou as instituições liberais— ou nós podemos sair com instituições mais ou menos incólumes como parece acontecer nos Estados Unidos ou na Itália. Para isso é preciso proteger e respaldar instituições como a imprensa, o Supremo e o Congresso Nacional —mesmo eles tendo os problemas que têm.
Além disso, é preciso pacientemente mostrar para a parcela que está fora da polarização e para os apoiadores moderados do presidente que esse governo não tem compromisso com o combate à corrupção, como originalmente postulava nem tem como resgatar uma ordem moral tradicional há muito tempo ultrapassada.
Esse difícil e delicado diálogo não pode ser feito quando se chama o interlocutor de fascista.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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