sábado, 8 de fevereiro de 2020

Míriam Leitão - As palavras e a falta delas

- O Globo

Este é um governo que tropeça nas próprias palavras, deixa de falar o que é essencial e confunde os adversários

O ministro Paulo Guedes passou a semana em silêncio diante do presidente Bolsonaro exibindo a sua irresponsabilidade fiscal. Bolsonaro prometeu abrir mão de R$ 27 bilhões de impostos em favor dos donos de veículos caso os estados façam o mesmo. Guedes não contraria o chefe nem quando ele ataca frontalmente seu projeto de equilíbrio fiscal e de fim de subsídios. Na manhã de ontem foi de uma extrema loquacidade sobre quase tudo. No caso da reforma administrativa, ele chamou os servidores de “parasitas”. De tarde, em nota, disse que sua fala fora tirada do contexto.

A reforma administrativa é parte do esforço de ajustar as contas do país, mas ainda não se conhece o projeto do governo federal, apesar da insistência com que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a defende. No Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite acaba de aprovar, sem alarde e sem ofensas, a reforma gaúcha. Ela muda o plano do magistério que estava em vigor há 45 anos. E fez isso, porque, como explicou ontem em entrevista à CBN, só após ajustar as contas é possível reduzir impostos.

Bolsonaro falou abertamente que pode abrir mão de todos os impostos sobre combustíveis. Não chamou qualquer governador para conversar sobre o assunto, mas fez desafio público de que eles zerassem o ICMS. Se os governadores fizessem isso estariam incorrendo em crime pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O ministro Paulo Guedes permaneceu em silêncio diante dessa proposta que do ponto de vista fiscal seria acender fósforo em tanque de gasolina.

A reforma administrativa é necessária e terá que resolver problemas reais. Os últimos concursos ofereceram aos servidores uma progressão rápida demais nas carreiras e com poucos anos o servidor chegava ao topo. É preciso ter carreiras que não causem desequilíbrios e distorções. É preciso ter promoções que não sejam automáticas. O que se ouve dentro do governo é que é improvável que se consiga mudar o presente, por isso as mudanças serão apenas em relação aos futuros servidores. É bom lembrar que o governo atual manteve, até para os que vierem no futuro a entrar nas Forças Armadas, benefícios que os funcionários civis já perderam, como a paridade e a integralidade.

Evidentemente não é possível começar a reorganizar a máquina pública chamando indistintamente os servidores de parasitas de um hospedeiro à morte. São inúmeros, incontáveis mesmo, os que têm a vocação para o serviço público, e que têm protegido os interesses coletivos em épocas de ataques sistemáticos a diversas áreas do Estado. É preciso saber a diferença entre combater privilégios e ofender todo o corpo de servidores. Na campanha, Guedes falou tanto em acabar com os subsídios. Aparentemente, perdeu o ímpeto. Estão lá R$ 300 bilhões de gastos intocados, e se fosse concedida a isenção aos combustíveis que Bolsonaro propõe o valor aumentaria.

— A imprensa está perdendo tempo, mas eu não posso falar mal da mídia, porque ela apoia tudo na pauta econômica. É na pauta política que o pau está comendo ainda — disse Paulo Guedes para essa plateia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que aplaudiu quando ele disse que a imprensa “gira sem foco” porque perde tempo dando destaque “quando se xinga mulher feia”.

O ministro Paulo Guedes falou como sempre daquela forma solta. Depois reclamou quando viu a notícia publicada. Já aconteceu inúmeras vezes. Ontem foi apenas mais uma vez. Na parte da tarde, ele, em nota, disse que a frase sobre os servidores fora tirada de contexto e culpou a imprensa. Este é um governo que passa o tempo todo tropeçando nas próprias palavras.

Guedes se atrapalha quando fala sem pensar previamente que recado quer entregar, que é a regra número um na comunicação. Ele, por exemplo, se equivoca todas as vezes que trata da questão ambiental. Ontem disse que a França criticou as queimadas na Amazônia porque tem medo das exportações agrícolas brasileiras. A fantasia só não é maior do que o que está no relatório dos militares brasileiros divulgado ontem pela “Folha de S. Paulo”, sobre os riscos das próximas duas décadas. Em todos os cenários a França é uma ameaça ao Brasil e pode invadir a Amazônia. Os que têm tal delírio persecutório devem desconhecer que houve a batalha de Waterloo e que o país europeu não é mais uma potência napoleônica.

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