sábado, 1 de outubro de 2022

Carlos Alberto Sardenberg - Escutem o coração e a razão

O Globo

É bom que haja vários candidatos no primeiro turno. São várias oportunidades para o eleitor encontrar seu lugar

No tempo da ditadura, a gente podia votar para deputado e senador. Eleições controladas, claro, a começar pela escolha limitada aos dois partidos autorizados pelo regime: a Arena, governo, e o MDB, oposição consentida. A cada eleição, as esquerdas encaravam dilemas: votar no MDB, anular ou boicotar o pleito?

Argumentos pró e contra: votar no MDB sedimentava o caminho da oposição, mas também legitimava o sistema.

Anular parecia bom, mas nem tanto, porque o regime certamente impediria a divulgação do número e do teor desses votos.

Pregar o boicote total — não compactuar com a farsa eleitoral — também parecia bom, mas arriscava ser um enorme fracasso, mesmo porque era difícil fazer essa propaganda.

Finalmente, havia a regra não escrita de que o MDB jamais poderia fazer a maioria, pois, se fizesse, haveria cassações de mandatos em número suficiente para devolvê-lo à minoria.

Nas primeiras eleições, prevaleceu entre as esquerdas a tese do voto nulo, com a palavra de ordem “abaixo a ditadura” escrita na cédula. Sim, a cédula era de papel, e a gente tinha de escrever nome ou número do candidato. Ou o protesto.

Nos debates nos grupos de esquerda, um colega sempre se colocava a favor do voto no MDB. Derrotado, dizia que seguiria a orientação central, mas manifestaria seu desacordo. Assim, escrevia na cédula: “abaixo a ditadura, mas sou contra o voto nulo”.

Conto essa história para dizer que toda eleição propõe — ou deveria propor — diversas possibilidades, especialmente quando o sistema é de dois turnos.

Aqui vale considerar o espírito francês: no primeiro turno, vota-se com o coração; no segundo, com a razão.

Votar com o coração ou com a alma abre um amplo leque. Pode-se votar no candidato que fala mais a suas ideias, mas também a seus sentimentos, a sua história, a suas expectativas. Por isso é bom que haja vários candidatos no primeiro turno. São várias oportunidades para o eleitor encontrar seu lugar.

Daí, e já tratando desta eleição, é fascista quem diz:

— Ou você vota no Lula ou é fascista.

E tem cabeça de ditador quem diz:

— Quem não vota no Bolsonaro é contra a liberdade.

Não é preciso pensar mais que alguns minutos para entender que eleitores de Ciro, Simone e D’Ávila obviamente não são nem fascistas nem inimigos da liberdade.

Assim como quem escolhia votar no MDB não fazia isso para endossar o regime, mas para apoiar os políticos que se arriscavam a ficar na oposição. Ainda assim, o voto nulo ou o boicote também eram opções legítimas, se o eleitor quisesse mostrar total desacordo com o sistema e/ou com os candidatos.

Assim hoje, muito mais hoje. Quando se diz que o eleitor é livre, isso quer dizer que ele tem todas as opções à sua disposição, podendo escolher conforme o coração ou a razão.

Isso resolve o primeiro turno.

E no segundo? Claro que surge uma nova alternativa: votar no menos ruim. Mas todas as outras opções continuam válidas, mesmo quando o eleitor decide escolher pela razão. Ele pode racionalmente entender que os dois candidatos não chegam nem perto de suas ideias e sentimentos ou, pior, que se opõem frontalmente a sua visão política e histórica. Nesse caso, anular o voto ou abster-se são opções legítimas, puro exercício da liberdade num regime democrático.

Os maiores danos à liberdade individual e ao direito democrático coletivo são causados por aqueles que colocam a faca no pescoço do outro e exigem tal ou qual voto, tal ou qual comportamento. O que é a ditadura se não isso, impor decisões ao outro?

Perguntaram a Tiago Leifert:

— Se colocarem o revólver na sua testa e disserem “escolha um candidato”, quem você escolheria?

Ele disse:

—Pode atirar.

Resposta de quem preza a liberdade. A pergunta é de ditador.

O debate da Globo confirmou: há muitas opções para o voto deste domingo, muito além da polarização, muito além das teses do candidato único. O coração e a razão têm muito o que dizer. Escutem.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

"É bom que haja vários candidatos no primeiro turno. São várias oportunidades para o eleitor encontrar seu lugar"
É bom q haja vários BONS candidatos.
Mas broxonazi e padre laranja são péssimos.

LULA PRESIDENTE AMANHÃ!