O Estado de S. Paulo
Nas democracias, os derrotados aguardam o
próximo pleito. Que siga sendo assim
Um dos projetos mais interessantes dos
quais participei neste ano foi o “votômetro” –
iniciativa que juntou a Universidade de Lisboa, o jornal português O Observador e a FGV do
Rio. Debates como o de anteontem podem sugerir que a
política se resume a troca de ofensas, o que não é verdade. A pergunta que
interessa é: o que cada candidato representa no debate público brasileiro? O
votômetro, um teste de afinidade entre eleitores e presidenciáveis, se propõe a
respondê-la.
O votômetro segue metodologia desenvolvida
na Europa, adaptada ao Brasil. “Em busca de exatidão, cotejamos os programas
registrados no TSE com declarações de campanha e a prática dos
candidatos”, diz o cientista político Jorge Fernandes, coordenador da
empreitada. Ele explica a metodologia no minipodcast da semana.
Examinaram-se as propostas dos quatro líderes nas pesquisas: Luiz Inácio Lula da Silva, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Simone Tebet. O diagrama resultante, com dois eixos – um leva de “mais Estado” a “menos Estado”, o outro de “liberal cosmopolita” a “conservador nacionalista” –, define três posições bem claras.
Um campo “vermelho”, a centro-esquerda,
defende, em linhas gerais, o crescimento econômico impulsionado pelo Estado. O
campo “azul”, a centro-direita, acredita no protagonismo da iniciativa privada.
No “votômetro”, Lula e Ciro – que têm propostas bastante parecidas – são os
candidatos “vermelhos”, enquanto Tebet personifica o campo “azul”.
“Vermelhos” e “azuis” – herdeiros da antiga polarização PT-PSDB – concordam em vários pontos. Entre eles, a viabilização do estado de bem-estar social que os brasileiros escolheram na Constituição de 1988, e a defesa do meio ambiente por parcerias entre Estado e ONGs.
O terceiro campo, o bolsonarismo, contraria
os consensos da era PT-PSDB. Os seguidores do presidente trouxeram à tona os
temas da liberação das armas e do papel do Exército na
política. Os brasileiros restringiram a participação dos militares nos anos
1980 e baniram as armas num plebiscito em 2003. O bolsonarismo também se opõe à
atuação de ONGs na preservação do ambiente, prática vigente desde a Rio-92.
O tema da corrupção ficou fora do votômetro – não
há debate propositivo sobre o assunto no Brasil, apenas xingamentos. A
ferramenta, anexada à versão digital da coluna para quem quiser fazer o teste,
recupera a dimensão da política como luta de ideias. Umas ganham, outras perdem
– e, nas democracias, derrotados cumprimentam vencedores e aguardam democraticamente
o próximo pleito. Que siga sendo assim no Brasil.
*Escritor, professor da Faap e doutorando em Ciência Política na Universidade de Lisboa
2 comentários:
Espero.
A corrupção perdeu a importância porque todos praticam,é assim que o povo vê.
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