Valor Econômico
E se um dos fantasmas que, na véspera de
Natal, visitaram o velho Ebenezer Scrooge - personagem criado pelo inglês
Charles Dickens - batesse à porta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na
noite deste domingo (24), e o instasse a refletir sobre suas ações ao longo do
ano? O petista demonstraria arrependimento ou regozijo pelos seus atos?
Neste clássico de Dickens, “Uma canção de
Natal” (“A Christmas carol”), de 1843, Scrooge é abordado por três fantasmas
que, um a um, apontam os erros que ele cometeu no passado, questionam sua
conduta no presente, e lhe oferecem a chance de escolher outro caminho, e,
dessa forma, escapar de um futuro amargo.
Num exercício de imaginação, a coluna propõe que o fantasma do passado visite o presidente, e o convide a reler o pronunciamento da vitória, no qual sentenciou - naquele dia 30 de outubro de 2022 - que “não existem dois Brasis”. No mesmo texto, ele exortou a população a superar as divergências políticas e unir-se pelo bem comum.
Provocado pela aparição, Lula reconheceria
que vem sendo cobrado pelos aliados a redobrar os gestos aos eleitores que
votaram no adversário. Ele tem feito acenos, mas vistos como ainda
insuficientes.
No dia 12, por exemplo, em solenidade no
Palácio do Planalto, ele convidou o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos) - um dos principais aliados do ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) - a discursar. Tarcísio agradeceu a aprovação de um financiamento
de R$ 10 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) para obras no Estado, e ainda gracejou: “Estou levando o maior cheque”.
Quem não achou graça foram os bolsonaristas.
Após os atos de 8 de janeiro, Lula avançou na
pacificação dos laços com as Forças Armadas. Numa demonstração de que a relação
estreitou-se, o presidente almoça nesta terça-feira com novos oficiais das três
Forças no clube da Aeronáutica.
Para aliados, entretanto, neste primeiro ano,
os movimentos de Lula para se aproximar dos evangélicos e produtores rurais -
grupos majoritariamente ligados ao bolsonarismo - foram ineficazes. E no caso
do agronegócio, o governo anunciou um Plano Safra 2023/2024 com valor recorde
de R$ 364 bilhões.
Essa insatisfação dos aliados refletiu-se na
rodada de pesquisas divulgadas no começo do mês sobre a popularidade do
presidente.
Os números do Datafolha revelaram uma
conjuntura semelhante à da campanha eleitoral. Lula segue mais bem avaliado
entre nordestinos e quem tem menos escolaridade, e com baixa aprovação no Sul e
entre quem ganha mais de 10 salários mínimos mensais. Entre os evangélicos (28%
da amostra do Datafolha), Lula é reprovado por 38% do segmento.
Diante da estagnação do ambiente político, o
Datafolha sugere que ainda existem os “dois Brasis”, para incômodo de Lula. Ele
expressou seu desconforto com a persistente cizânia em discurso no dia 15: “Tem
pai que não conversa com filho, tem filho que não conversa com mãe, tem irmão
que não conversa com irmão por causa de um facínora que pregou ódio durante
quatro anos nesse país”.
O fantasma do futuro que também visitou o
velho Scrooge alertaria Lula que esse quadro, se não for revertido, ou
atenuado, pode levar a novo revés do PT nas eleições municipais em 2024.
Além disso, Lula faz gol contra ao pregar a
conciliação, mas, simultaneamente, fustigar bolsonaristas e antipetistas ao
comemorar a nomeação de um “comunista” para o Supremo Tribunal Federal (STF),
em alusão a Flávio Dino, ex-filiado ao PCdoB. Lula deu mais munição aos
adversários perto do Natal.
O fantasma do passado ajudaria Lula a se
recordar que, no discurso da vitória, ele prometeu fazer a roda da economia
girar. E ela girou, com a queda da inflação, dos juros, e a projeção de um
Produto Interno Bruto (PIB) de 2,92% para este ano. Até o preço da carne
baixou, para lembrar a promessa de que o povo voltaria a comer picanha.
Lula argumentaria que conseguiu aprovar quase
todo o pacote econômico no Congresso, com destaque para a reforma tributária e
a taxação dos fundos de alta renda. Falta votar, em especial, a medida
provisória das subvenções do ICMS, que eleva a arrecadação em cerca de R$ 35
bilhões.
Mas para isso, o presidente vem pagando
pedágios altos aos líderes do Centrão. Depois de assumir a presidência da Caixa
Econômica Federal, o grupo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deve,
nas próximas semanas, ser contemplado com as vice-presidências do banco.
Em gesto ao presidente da Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (União Brasil), Lula
desembarcou ontem no Amapá, base eleitoral do aliado. Na pauta, uma demanda
antiga do influente senador: medidas para diluir impactos de reajustes de
energia no Estado.
A associação de Lula ao velho Scrooge pode soar injusta, porque o personagem é famoso pela avareza, enquanto o presidente vai na contramão da austeridade fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Se for necessário este país fazer endividamento para crescer, qual o problema?”, pregou Lula, há uma semana. Nessa hora, foi para Haddad que a assombração apareceu.
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