terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Roberto Lameirinhas - Direita e esquerda cantam vitória após referendo no Chile

Valor Econômico

Governo esquerdista diz que projeto rejeitado era pior que Carta atual; direitistas veem fim de busca por novo texto

Tanto a direita quanto a esquerda chilena se declararam ontem vitoriosas com a derrota do projeto constitucional no referendo de domingo. Os conservadores, porque julgam ter sepultado as aspirações dos movimentos sociais que vinham exigindo, desde 2019, uma Constituição que substituísse a atual, promulgada pelo ditador Augusto Pinochet. Já os esquerdistas celebraram a rejeição de um segundo processo constituinte, cujo controle acabou sendo tomado pela direita e extrema direita.

O presidente chileno, o marxista Gabriel Boric, disse logo após a rejeição do projeto - por 55% dos votos contra e 45% a favor - que seu governo não tentará abrir um terceiro processo para mudar a constituição, alegando que há outras prioridades. Ele admitiu que não foi capaz de “canalizar as esperanças de ter uma nova constituição escrita para todos”. Pelo contrário, disse ele, depois de dois referendos, “o país ficou polarizado, ficou dividido”.

Por seu lado, o ultradireitista José Antonio Kast, do Partido Republicano, disse ontem que seu partido saiu “fortalecido” do referendo. “Para nós, começa uma nova etapa no Chile, que é o desafio de reconstruir os espaços eleitorais para 2025”, afirmou a partidários.

O primeiro projeto constitucional foi rejeitado em setembro de 2022 por ser considerado “muito progressista” - após ser elaborado por uma Assembleia eleita exclusivamente para a tarefa pouco depois da "explosão social", como ficou conhecida a série de violentos protestos de 2019. Já o texto rejeitado agora tinha sido redigido por uma comissão de maioria conservadora.

“A eleição da comissão constitucional de maio, vencida amplamente pela direita e extrema direita, inverteu a expectativa inicial de setores de esquerda, de que a mudança da Constituição seria um avanço”, disse o diretor do observatório eleitoral Voto Libre, Ezequiel Díaz. “Na fase de redação do projeto rejeitado no domingo já havia sinais claros de que ele limitaria mais direitos do que a Constituição vigente, que desde os anos 80 sofreu mais de 70 emendas”, afirmou.

Na avaliação de alguns especialistas, o projeto abria brechas jurídicas para, por exemplo, proibir o aborto mesmo em casos de estupro - a interrupção da gravidez sob essa circunstância só passou a ser passou a ser permitida no Chile em 2017.

O texto também reforçava os direitos à propriedade privada, criava condições mais rigorosas sobre imigração e estava pouco alinhado com a defesa do meio ambiente e com a garantia de direitos trabalhistas.

O presidente do Partido Comunista, Lautaro Carmona, reiterou que o partido no poder não iniciará um terceiro processo constituinte. “Isso exige uma reforma constitucional e nossos votos não existirão”, disse ele ao jornal chileno “La Tercera”. Ao mesmo tempo, Carmona disse que o resultado do plebiscito não deve ser entendido como uma legitimação da Constituição de 1980. “Que ninguém tente confundir as coisas, a votação foi contra o projeto, não a favor da Constituição de Pinochet”, afirmou o líder político.

“Todo este processo tem sido um desperdício de dinheiro do governo... é uma piada”, disse à Associated Press a funcionária pública Johanna Anríquez - que votou contra o projeto de Constituição, chamando-a de “muito extremista”.

“Vamos manter o que temos e, por favor, continuemos com o trabalho de garantir a segurança pública e outras coisas importantes”, disse Anríquez. 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Quando a esquerda e a direita se unem é porque o trem tá feio mesmo,rs.