Folha de S. Paulo
Única área em que governo Lula de fato se
distanciou do centro de 1994-2014 foi em parte da política externa
Boa parte da discussão política nos últimos
meses tem sido sobre quem, entre os políticos de direita, é "de
centro". Em parte, trata-se de saber quem herdará o legado político
de Jair
Bolsonaro. Mas é mais do que isso: trata-se de discutir onde deve
ficar "o centro" no debate político brasileiro.
Isso é importante porque, quando marcamos o lugar do centro, fica estabelecido que há uma distância X a partir dali, nas duas direções do espectro político, a partir da qual está a falta de bom senso, o radicalismo e, conforme se ande ainda mais para longe, o extremismo.
Pela definição de "centro" que
valeu no Brasil no auge de nossa experiência democrática, entre 1994 e 2014, o
centro brasileiro hoje em dia tem um claro ocupante: o governo Lula.
Haddad implementa uma política econômica que
caberia perfeitamente no período 1994-2014 (aliás, em 1994-2008). O vice de
Lula, que também é seu ministro da Indústria, é Geraldo
Alckmin. Qual "centrista" discutido atualmente na direita
escolheria como vice alguém que fosse, para a esquerda, o que Alckmin foi para
a centro-direita entre 1994-2014? Simone Tebet,
a candidata da terceira via em 2022, está no governo Lula. O ministro das Minas
e Energia, que acaba de derrubar o presidente da Petrobras, é indicado
por Gilberto
Kassab, homem forte do governo Tarcísio. No que se refere à política
de memória sobre o golpe de 64, Lula 3 é mais conservador que FHC. A ideia mais
importante produzida pelo centro nos últimos anos, a reforma tributária, foi
implementada por Lula, com enorme custo político.
A única área em que o governo de fato se
distanciou do centro de 1994-2014 foi em algumas áreas de política externa. Mas
mesmo nisso houve muito mais mudança retórica (OK, muito ruim) do que
realinhamento da tradição diplomática brasileira.
Aqui alguém pode dizer: bom, mas o Lula quer
fazer estaleiro, Abreu de Lima, essas coisas desenvolvimentistas. Bom, se para
você isso desqualifica um centrista, então você está propondo que o centro é o
liberalismo econômico puro.
Você tem o direito de defender isso, e,
aliás, há bons motivos para cobrar o governo sobre projetos desenvolvimentistas
com histórico ruim. Mas você está marcando o centro muito à direita do que ele
está nas democracias maduras, e muito longe do eleitorado brasileiro, que não
tem essa simpatia toda por liberalismo econômico. Nem na direita.
Vale dizer, aliás, que nem todos os grandes
projetos estatistas do PT deram errado. Na
briga recente da Petrobras, os acionistas queriam que a empresa se concentrasse
no seu "core business", extrair petróleo. Bom, mais de três quartos
desse "core business" atualmente vêm do pré-sal, cuja exploração é
resultado de um imenso investimento estatal de governos petistas.
E sim, Haddad está tentando cobrar imposto de
rico. Mas se isso for radicalismo, quase todo mundo nas democracias
desenvolvidas é radical.
Se o centro não tiver esquerdismo nenhum, de
duas uma: ou você incorreu em uma impossibilidade geométrica, ou tirou do
cálculo metade da democracia brasileira. É razoável?
Se você quer provar que seu direitista
preferido é de centro, tente escrever sobre ele algo como o quarto parágrafo
desta coluna, mas com o sinal invertido. Se não for possível, lamento, amigão:
o radical é você.
Um comentário:
Muito bom!
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