O Globo
Conteúdos nas plataformas digitais ameaçam,
sobretudo, a saúde mental e a vida de crianças e adolescentes
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta semana, para responsabilizar plataformas digitais por conteúdos que ameaçam, sobretudo, a saúde mental e a vida de crianças e adolescentes brasileiros. O Judiciário tardou quanto foi possível a decisão de que o Congresso Nacional se omitiu intencionalmente por, pelo menos, um par de anos. Flávio Dino, hoje no STF, era ministro da Justiça no ano (2023) em que o número de ataques a escolas bateu recorde no país: em 15 episódios de violência extrema, nove pessoas morreram e 29 ficaram feridas. Na quarta-feira, ao votar pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, ele lembrou que das redes sociais brotaram aqueles crimes.
Foi também anteontem que o Fórum Brasileiro
de Segurança Pública apresentou em 49 páginas o diagnóstico sobre violência nas
escolas a partir do mundo digital. A organização está habituada a mergulhar em
estatísticas que envergonham o país: dos homicídios às dezenas de milhares todo
ano à epidemia de feminicídios; dos registros crescentes de crimes sexuais e
violência doméstica à multiplicação de mortes no trânsito e execuções cometidas
por agentes da lei. Ainda assim, causou espanto a constatação de que, a partir
de 2019, houve 29 ataques a escolas, sendo 2023 o ano mais letal — de 2001 a
2018, foram dez, nunca mais de dois por ano. Em quatro anos, os posts com
ameaças a alunos, professores, diretores e escolas quase quintuplicaram. Até 21
de maio de 2025, o total de conteúdos de ódio passava de 88 mil — em todo o ano
de 2023, foram 105.192.
Os pesquisadores listaram meia dezena de
motivos que explicam a violência galopante em unidades de ensino. O aumento do
extremismo disseminado por meios digitais é o primeiro deles. O estudo do FBSP
e da Timelens também cita falta de controle e criminalização de discursos e
práticas de ódio; promoção da cultura armamentista e glorificação da violência;
prevalência de bullying, preconceitos e discriminações no ambiente escolar;
falta de formação profissional para lidar com mediação de conflitos e convivência
escolar.
O fenômeno não é exclusivo do Brasil. Do
Reino Unido, ganhou o mundo a série “Adolescência”, sobre o assassinato de uma
jovem estudante por um colega radicalizado em ambientes de masculinidade tóxica
na internet. Em quatro episódios, a obra mergulha na perplexidade da polícia,
do sistema penal, da comunidade escolar e da família diante do crime. O
presidente francês, Emmanuel
Macron, prometeu proibir redes sociais para menores de 15 anos, em poucos
meses, se a União Europeia (UE) não fizer o mesmo na região. O estopim foi a
morte a facadas de uma assistente pedagógica por um adolescente de 14 anos em
Nogent, leste da França.
Na UE, há pressão crescente por regras mais rígidas para menores, em resposta à
desinformação, ao assédio e à pornografia que se espalham pelas plataformas.
O estudo brasileiro mostra que meninos e
meninas são vítimas do cyberbullying em igual intensidade. Nos últimos 12
meses, 12% deles e delas sofreram alguma ofensa. Mas são eles que mais ofendem:
17%, ante 12% das moças. Sem espaço para chorar ou conversar, tornam-se
vulneráveis a criadores de conteúdo e comunidades que, sob o manto do
acolhimento, os recrutam e radicalizam dentro de casa, do quarto. Um terço dos
menores de 9 a 17 anos são autorizados a acessar a internet sozinhos em
ambiente privado; oito em dez têm aparelhos próprios.
Letramento digital de pais e educadores é um
caminho. Neste ano, entrou em vigor a lei que proíbe uso do celular em
atividades não pedagógicas nas escolas. Executivo e Legislativo convergiram e
produziram um texto que, aplicado, tem apresentado resultados promissores em
aprendizagem, socialização e saúde mental. O governo lançou em fevereiro
passado um guia para uso saudável de telas por crianças e adolescentes, espécie
de bússola para os adultos: até 2 anos de idade, zero de telas; de 2 a 5, não
mais de uma hora por dia; de 6 a 10, até duas horas; entre 11 e 17 anos, três
horas diárias com acompanhamento familiar e uso consciente de redes sociais.
Aqui o link. Nesta
semana, o Ministério da Justiça revisou a classificação indicativa do Instagram
no país. A rede, agora, é não recomendada para menores de 16 anos. É alerta,
não proibição ou censura.
A preocupação é global e tem muita gente — no
Brasil e fora — pensando em formas de proteger, principalmente, crianças e
adolescentes de conteúdos criminosos. Está na Casa Civil o Projeto de Lei
elaborado pelo MJ para adequar as plataformas digitais às determinações do
Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor, no
caso dos golpes financeiros e contra a saúde. O STF construirá consenso para
impor às plataformas digitais a retirada de conteúdos ofensivos sem necessidade
de ordem judicial. Dino mencionou casos de crimes contra crianças e
adolescentes, instigação ao suicídio, terrorismo e contra o Estado Democrático
de Direito, além de perfis anônimos, robôs e postagens pagas. A judicialização
ajuda, mas a lei é necessária e urgente. O Congresso tem de sair do muro.
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