Valor Econômico
Em Minas, Lula falou em “clima ruim” na
Câmara, e não errou
No dia em que mais dois institutos
insuspeitos (Datafolha e Ipsos-Ipec) mostraram que a avaliação negativa do
governo continua superando a positiva, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
partiu para o ataque. Em um evento em Minas Gerais, Lula subiu o tom dos
discursos, disparou contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, com quem ainda
polariza, e saiu em defesa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que foi
alvo de bolsonaristas em audiência na Câmara dos Deputados.
Há tempos, aliados do presidente atribuem a
queda de popularidade, entre outros motivos, à resistência de Lula ao
confronto, porque ele prefere manter o perfil conciliador. A crítica comum a
aliados, principalmente do PT, é de que o presidente erra ao não fazer a
disputa política, enquanto dedica muito tempo à política internacional. As
declarações do presidente nessa quinta-feira sugerem uma guinada para o embate.
“Você vê que ele é um covardão, viu o depoimento dele, estava com os lábios secos, estava quase se borrando”, disse o presidente sobre o comportamento do antecessor no interrogatório sobre a trama golpista em que foi ouvido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na terça-feira (10). Na denúncia, ele desponta como um dos supostos líderes da intentada. “É muito fácil ser corajoso dentro de casa, no celular, falando mal dos outros”, desafiou Lula, durante anúncio de investimentos pelo acordo de recuperação da Bacia do Rio Doce, em Mariana.
Em outro momento, sem mencionar expressamente
Fernando Haddad, Lula saiu em defesa do auxiliar, ao criticar os deputados que
estão na linha de frente do bolsonarismo, projetaram-se como “influencers” nas
redes sociais, e partiram pra cima do ministro na Câmara. “Mesmo na Câmara o
clima é muito ruim”, disse Lula. “Tem deputado que não quer falar, só quer
pegar celular, olhar na cara dele, falar uma bobagem e passar pra frente”,
criticou.
Na véspera, Haddad foi alvo dos deputados
Carlos Jordy (PL-RJ) e Nikolas Ferreira (PL-MG), em audiência na Câmara. Ao
reclamar que os parlamentares fazem as perguntas em tom crítico, e não ficam
para as respostas, o ministro perdeu as estribeiras: “Esse tipo de atitude de
alguém que quer aparecer na rede falando sério e corre sempre que o embate vai
acontecer, eu estou perdendo um minuto para esse desabafo, porque é um pouco de
molecagem”. Minutos depois, Jordy voltou à comissão e devolveu: “Moleque é você”.
Num cenário de expansão da direita em Minas,
Lula voltou a citar o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) como
futuro governador. Ele depende do aliado para garantir um palanque sólido no
Estado em 2026. “Nenhum desses picaretas, que acham que são bons porque vivem
na frente do celular falando mal dos outros, têm a menor chance de competir
contra o Pacheco.”
Nervos de aço
Fernando Haddad errou o tom ao anunciar que
comparecia à Câmara em missão de paz, quando, na realidade, os parlamentares
estavam pintados para a guerra. Tudo porque no meio do caminho entre a reunião
de domingo (8) na residência oficial da Câmara, e a rebelião contra o pacote
fiscal de Haddad havia, na terça-feira, uma decisão do ministro do Supremo
Flávio Dino levantando novos questionamentos sobre as emendas parlamentares.
Foi um rebuliço. De pronto, o presidente da
Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), convocou uma reunião, fora da agenda, com
um grupo de líderes para discutir o despacho. O clima nas bancadas era de
apreensão ante o risco de novos bloqueios, o que tornaria insustentável a
relação entre Congresso e Executivo.
A mudança de humor era clara como água. No
domingo, ouviu-se de Motta, no fim da reunião, que as compensações previstas na
medida provisória (MP) - que ainda seria publicada na noite de quarta-feira
(11) - eram “menos danosas que o aumento do IOF”. Quatro dias depois, Motta
anunciou que pautaria o regime de urgência do projeto (PDL) para revogar o
decreto do IOF.
O novo despacho de Dino deu prazo de 10 dias
para que o governo, o Congresso e os partidos explicassem as “emendas de
comissão paralelas” e se estava em curso um “novo orçamento secreto” no
Ministério da Saúde. O objeto do despacho eram R$ 8,5 bilhões em emendas.
Pela metade desse valor, os parlamentares
quase não votaram a lei orçamentária de 2025. Lembre-se que no dia 23 de
dezembro, Flávio Dino suspendeu o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas, e
ainda determinou que a Polícia Federal investigasse a execução desses recursos.
Diante da reação do Congresso, seis dias depois, o ministro flexibilizou a
decisão, autorizando o pagamento dos recursos que já estavam empenhados antes
do despacho.
A nova decisão de Dino jogou gasolina na
fogueira. O ambiente já estava tensionado porque nenhuma emenda relativa a 2025
foi paga, e chegamos à metade do ano. O Orçamento estabelece R$ 50,5 bilhões em
emendas. Esse valor sobe para mais de R$ 61 bilhões, mediante acordo articulado
pela ministra Gleisi Hoffmann para compensar repasses não pagos no ano passado
de R$ 11,2 bilhões.
Em Minas, Lula falou em “clima ruim” na
Câmara, e não errou. Na terça-feira, a coluna ouviu de um dos líderes mais
influentes do Centrão que “não tem clima para votar nada”. Este líder reclamava
do não pagamento das emendas e da insistência do governo em buscar mais
receitas pelo aumento de impostos.
O Palácio do Planalto avalia, contudo, que o
ambiente pode desanuviar com a abertura das torneiras, o que deve viabilizar a
retomada do diálogo sobre o decreto recalibrado do IOF e a medida provisória
que prevê novas receitas. Na quarta-feira (11), a ministra Gleisi Hoffmann
disse que o governo começaria a pagar as emendas até o fim desta semana, e
atribuiu a demora ao atraso na votação do orçamento, que só foi aprovado em
meados de março - justamente pela irritação dos parlamentares com o bloqueio
das emendas, em dezembro, por Dino. Ela também afirmou que a Advocacia-Geral da
União (AGU) responderia o novo despacho do ministro do STF. Assim, a semana no
Congresso termina embalada pelos versos de Zeca Baleiro: “Ando tão à flor da
pele que a minha pele tem o fogo do juízo final”.
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