Folha de S. Paulo
Ninguém quer pagar a conta inevitável de
contenção de gastos e do aumento de impostos
A "sociedade não aguenta pagar mais
imposto", se ouve e se lê por aí. A frase faz lembrar daquelas pessoas que
dirigem seus veículos particulares e se queixam do "trânsito horrível,
cheio de carro". Ou de turistas que reclamam dos seus destinos de viagem
"lotados, cheios de turistas". Não se acham parte do problema ou da
solução. Um dia, isso se chamou "ideologia" e conversa fiada da luta
de classes.
É mais difícil ouvir que "a sociedade" não quer mais receber aposentadorias públicas, benefícios sociais, Justiça, universidade, SUS, polícia, vacinas, vigilância sanitária, estatísticas, política monetária e defesa contra cartéis, para citar apenas exemplos diretos de serviços e benefícios bancados por impostos, ou favores estatais para empresas.
A leitora, perspicaz, dirá que são muito
diferentes os grupos que pagam impostos e os que recebem serviços e pagamentos
estatais. A "sociedade" una inexiste. É
dividida, há disputa por recursos estatais e por isenções tributárias.
Vamos esquecer, por um momento, que muitos ou todos se beneficiam de efeitos
indiretos, difusos, da ação pública (como contenção de epidemias ou, sendo
cínico, de multidões famintas revolucionárias).
Essa sociedade que diz não "aguentar
mais impostos" em geral é associação de cidadãos que pagam pouco imposto e
não querem financiar um tico da redução da desigualdade. É verdade que não será
possível fazer com que o país seja mais rico E menos desigual por meio apenas
de redistribuição. Mas a conversa fiada aqui é outra.
O dinheiro dos impostos não vai para os
bolsos de uma ocupação estrangeira ou marciana. Dizer que o "governo
tem de cortar na carne" é besteira. O dinheiro volta para a
"sociedade".
Da despesa federal, 74% vão para Previdência
do INSS,
benefícios sociais, saúde e educação; outros 17% vão para salários e
previdência de servidores. Quase metade da carga tributária fica com estados e
municípios (quando consideradas transferências obrigatórias).
Quase um quarto do país vive no mundo
privado, por assim dizer, no que diz respeito a saúde e educação, por exemplo,
mas não só. Parte paga com sacrifício essa conta e desconfia do Estado ou o
detestam.
O quarto mais pobre não recebe benefícios ou
recebe pouco ou é atendido de modo precário (escola e segurança, por exemplo).
O 1% mais rico quase não paga imposto sobre renda ou patrimônio; o 0,1%, ainda
menos. Mesmo que paguem o extra de IR que Fernando
Haddad quer, justamente, daria R$ 35 bilhões anuais. Para dar conta do
buraco fiscal, são necessários R$ 250 bilhões anuais (a despesa anual anda pela
casa de R$ 2,4 trilhões).
Conter desperdícios, serviços caros como a
Justiça ou supersalários (menos de R$ 1 bilhão, no governo federal), ajuda, mas
muito pouco. Reforma administrativa é necessária, mas não dá dinheiro. Vai ser
preciso conter o aumento do gasto social (NÃO É CORTAR) e reorganizar a despesa
TODA, para fins mais justos e eficientes.
Vai ser preciso mais imposto sobre ricos, em
vez de cobrir o buraco inteiro pedindo a eles mais dinheiro emprestado a 15% ao
ano. Os estados gastam mal e muito, do que pouco se fala (mas lançam muito
candidatos de direita a presidente).
O país corre o risco de acidente sério, do
tipo Dilma 2 ou pior, ou à submediocridade pobre permanente. Ninguém quer pagar
a conta, Congresso e governo não querem se queimar com cortes, a elite conspira
contra o ajuste. Não vai prestar.
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