sexta-feira, 13 de junho de 2025

Sindicato dos ricos e o ajuste - Bernardo Mello Franco

O Globo

Hugo Motta exige cortes do governo, mas blinda emendas e aumenta gastos na Câmara

Na terça-feira, Hugo Motta disse a uma plateia de empresários que o governo precisa fazer o “dever de casa” e cortar gastos para equilibrar as contas públicas. No mesmo dia, o deputado apresentou projeto de lei que autoriza parlamentares a acumularem salário e aposentadoria especial.

Desde 1997, políticos que exercem mandato não podem somar os contracheques. Quem prefere a aposentadoria deve renunciar à remuneração do cargo. Depois de 28 anos, o presidente da Câmara resolveu se insurgir contra a “exceção arbitrária”. Sua proposta, apresentada como ideia da Mesa Diretora, define a regra atual como uma “discriminação indevida” e um obstáculo “ao pleno exercício da cidadania”.

Pode soar como justiça, mas é só defesa de privilégios. Hoje os deputados embolsam R$ 46,3 mil por mês, além da cota parlamentar de até R$ 51,4 mil. Quem não ocupa imóvel funcional ainda tem direito a R$ 4,2 mil de auxílio-moradia.

No mês passado, Motta já havia oferecido outro mimo aos colegas. Com seu apoio, a Câmara aprovou o aumento do número de deputados de 513 para 531. Se o Senado ratificar a proposta, as 18 novas vagas custarão cerca de R$ 64 milhões por ano aos cofres públicos.

As benesses aos parlamentares não vão quebrar o país, mas ilustram a hipocrisia do debate em curso. A cúpula do Congresso exige mais cortes do governo, mas não perde uma chance de aumentar despesas em causa própria. Ninguém aceita discutir a redução das emendas parlamentares, que já consomem R$ 50 bilhões por ano.

Além de sequestrar parte expressiva do Orçamento, os parlamentares impedem a retirada de subsídios indevidos. No ano passado, o Congresso barrou o fim do Perse, programa criado para socorrer o setor de eventos durante a pandemia. Nesta semana, lobistas das bets e das fintechs incentivaram a rebelião contra o novo pacote da Fazenda. Os dois setores estimulam o discurso fiscalista para pagar poucos impostos.

Em entrevista recente à BBC Brasil, o sociólogo Marcelo Medeiros, especialista em desigualdade, lamentou que muitos parlamentares prefiram empurrar o ajuste para os mais pobres, encampando ideias como limitar o reajuste do salário mínimo e acabar com os gastos obrigatórios em saúde e educação. “Ao fazer isso, o Congresso atua como sindicato dos ricos”, resumiu.

 

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