O Globo
Hugo Motta exige cortes do governo, mas blinda emendas e aumenta gastos na Câmara
Na terça-feira, Hugo Motta disse a uma
plateia de empresários que o governo precisa fazer o “dever de casa” e cortar
gastos para equilibrar as contas públicas. No mesmo dia, o deputado apresentou
projeto de lei que autoriza parlamentares a acumularem salário e aposentadoria
especial.
Desde 1997, políticos que exercem mandato não podem somar os contracheques. Quem prefere a aposentadoria deve renunciar à remuneração do cargo. Depois de 28 anos, o presidente da Câmara resolveu se insurgir contra a “exceção arbitrária”. Sua proposta, apresentada como ideia da Mesa Diretora, define a regra atual como uma “discriminação indevida” e um obstáculo “ao pleno exercício da cidadania”.
Pode soar como justiça, mas é só defesa de
privilégios. Hoje os deputados embolsam R$ 46,3 mil por mês, além da cota
parlamentar de até R$ 51,4 mil. Quem não ocupa imóvel funcional ainda tem
direito a R$ 4,2 mil de auxílio-moradia.
No mês passado, Motta já havia oferecido
outro mimo aos colegas. Com seu apoio, a Câmara aprovou o aumento do número de
deputados de 513 para 531. Se o Senado ratificar a proposta, as 18 novas vagas
custarão cerca de R$ 64 milhões por ano aos cofres públicos.
As benesses aos parlamentares não vão quebrar
o país, mas ilustram a hipocrisia do debate em curso. A cúpula do Congresso
exige mais cortes do governo, mas não perde uma chance de aumentar despesas em
causa própria. Ninguém aceita discutir a redução das emendas parlamentares, que
já consomem R$ 50 bilhões por ano.
Além de sequestrar parte expressiva do
Orçamento, os parlamentares impedem a retirada de subsídios indevidos. No ano
passado, o Congresso barrou o fim do Perse, programa criado para socorrer o
setor de eventos durante a pandemia. Nesta semana, lobistas das bets e das
fintechs incentivaram a rebelião contra o novo pacote da Fazenda. Os dois
setores estimulam o discurso fiscalista para pagar poucos impostos.
Em entrevista recente à BBC Brasil, o
sociólogo Marcelo Medeiros, especialista em desigualdade, lamentou que muitos
parlamentares prefiram empurrar o ajuste para os mais pobres, encampando ideias
como limitar o reajuste do salário mínimo e acabar com os gastos obrigatórios
em saúde e educação. “Ao fazer isso, o Congresso atua como sindicato dos
ricos”, resumiu.
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