A declaração meio extemporânea do presidente do PMDB, senador Waldir Raupp, de que o partido está preparando candidatos para disputar a sucessão da presidente Dilma Rousseff pode ser mais do que simplesmente uma ameaça para negociar cargos no governo.
Também é parte dessa estratégia, mas reflete uma preocupação maior, que não é só do PMDB, mas de todos os partidos aliados do governo que têm projetos políticos de mais longo prazo, como o PSB e até mesmo o futuro PSD, mal nascido e já inquieto com a disputa do poder político paulista.
A força política exagerada do governo, cooptando parte da oposição para o futuro partido do prefeito Gilberto Kassab e transformando a bancada oposicionista no Congresso na menor representação numérica de tempos recentes, certamente está provocando pensamentos estratégicos de longo prazo nas forças partidárias hoje na base aliada, que têm que buscar um futuro sem o PT.
A facilidade com que o PT está controlando o apetite do PMDB por cargos, e a voracidade que, sob nova direção, está anunciando em praça pública, mostram que será difícil a convivência nos próximos anos de governo, ainda mais se as turbulências econômicas que se anunciam começarem a colocar em risco a popularidade governista.
O movimento de formação do futuro PSD mostra como é difícil ao político brasileiro viver fora do círculo de poder central sem que haja uma expectativa de poder real pela frente.
O PT conseguiu ficar na oposição nos dois governos de Fernando Henrique, tendo se recusado a aderir à transição chefiada por Itamar Franco, justamente por que tinha uma expectativa de poder alimentada pela ida de Lula ao segundo turno da eleição presidencial de 1989 contra Collor.
A derrocada do governo, comandada pela bancada petista no Congresso e pelos movimentos sociais nas ruas, deu a sensação ao PT de que chegara a sua hora.
A alternativa partidária derrotada nas urnas mostrava-se novamente à disposição dos eleitores em 1994, e poderia até mesmo ter sucesso se os planos não fossem atropelados pelo Plano Real.
Da mesma maneira, depois de perder duas vezes para o PT de Lula, o PSDB parecia ser a bola da vez em 2002, com dois candidatos aparentemente imbatíveis contra a falta de opção petista do outro lado.
Como não supunham que a popularidade de Lula, e mais seu menosprezo pelos limites legais, pudesse eleger a candidata tirada do fundo da cartola, os tucanos resistiram a todas as disputas internas, e chegaram à eleição com reais chances de vitória.
Hoje, a perspectiva é outra. A falta de expectativa de poder implodiu por dentro a oposição e resultou no PSD, um abrigo para todos que não querem ficar longe do poder que anuncia ter planos de permanecer muitos anos no controle da situação.
Raupp anunciou que o PMDB agora tem dois nomes sendo preparados para disputar a presidência: o vice-presidente Michel Temer e o governador do Rio Sérgio Cabral. A verdade é que o PMDB tem o mesmo dilema do antigo PFL.
O fato de os dois partidos terem se recusado a disputar as últimas eleições presidenciais explicaria por que não têm uma imagem política nacional, embora tenham dominado a política regional até pouco tem atrás, sendo que o PMDB mantém sua estrutura enraizada por todo o país.
O último candidato próprio do PFL foi Aureliano Chaves, em 1989. E o PMDB "cristianizou" primeiro Ulysses Guimarães, depois Orestes Quércia, e nenhum deles passou dos 10% dos votos.
O PMDB elegeu sucessivamente as maiores bancadas da Câmara e do Senado e tem o maior número de prefeitos. O PFL sofreu um baque nas urnas, tentou se reorganizar trocando de nome para Partido Democrata e radicalizando na oposição ao governo Lula e no programa liberal.
Não deu certo, e o DEM hoje se debate para manter o que resta da antiga estrutura de poder, mas sofreu mais do que esperava com a criação do PSD.
Deixando que questões locais se sobrepusessem às nacionais, os dois partidos demonstravam uma vocação política restrita, assumindo o papel de coadjuvantes.
PT e PSDB, por terem "vocação presidencial" desenvolvida em quatro disputas presidenciais, polarizam as disputas e têm uma rede de relacionamentos e interesses que proporcionou terreno fértil para que formulassem propostas para o país.
Essa polarização tem menos a ver com o que acontece nas eleições municipais, e mais com um padrão de comportamento que os partidos brasileiros desenvolveram nas eleições presidenciais.
À medida que a expectativa de poder vai se esvaindo, o DEM e mesmo o PSDB vão se perdendo em brigas internas que acabam limitando suas ambições a questões regionais, o que afasta ainda mais seus integrantes do poder central.
Essa necessidade de ter um futuro político pela frente tanto é responsável pela montagem do PSD quanto pelo incômodo de PMDB e PSB diante da possibilidade de perpetuação do PT no poder.
O PSD estaria, no sentido de relacionamento com o governo central, tentando mimetizar o sistema que produziu a força eleitoral do PMDB: uma ideologia flexível que permite ser aliado de qualquer governo, e um ajuntamento de líderes regionais que formam um partido forte, mas inorgânico.
Será na teoria um aliado político importante, mas forte o suficiente para tentar vôos solos assim que se considerar em condições. Como o PMDB ameaça fazer na sucessão de Dilma. E como o PSB se prepara para fazer também, em 2014 ou quatro anos depois.
FONTE: O GLOBO
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