sábado, 17 de dezembro de 2011

Pressão política:: Merval Pereira

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, fez bem de usar a prerrogativa do voto de Minerva para desempatar a decisão a favor da posse de Jader Barbalho no Senado, mesmo que a consequência seja ruim para o já baixo nível de qualidade política do Congresso.

Era preciso ser coerente com a decisão já tomada de que a Ficha Limpa não poderia ter sido aplicada na eleição passada, pelo princípio da anterioridade.

Mesmo que discorde dessa interpretação, não acredito que a lei deva valer mais para uns do que para outros.

O único, e grave problema, é que a decisão de Peluso aparentemente foi tomada sob pressão de políticos do PMDB, interessados em compensar, com a entrada de Jader, as perdas de dois senadores, Wilson Santiago e Gilvam Borges, substituídos por um tucano, Cássio Cunha Lima, e outro socialista, João Capiberibe, que ganharam as vagas devido ao mesmo fato de que a Ficha Limpa não valeu para a eleição passada.

Além do mais, havia outro senador petista ficha-suja tentando ficar com a vaga.

Como Jader foi o 2º mais votado no Pará, com mais de 4 milhões de votos, não seria justo que o critério não valesse para ele, mesmo sendo representante típico do atraso político.

O presidente do Supremo, por sinal, foi parte do problema que teve que resolver ao se negar a dar o "voto de qualidade" previsto no Artigo 13 do Regimento Interno na primeira vez em que a Ficha Limpa foi à votação no plenário do STF.

Como Peluso votara contra a entrada imediata em vigor da lei, seu desempate seria a favor do recurso ou de Joaquim Roriz ou de Jader, o que certamente provocaria reações da opinião pública, como provoca agora.

Peluso usou argumentação aparentemente democrática para não assumir a decisão final contra a Ficha Limpa, alegando não ter vocação para déspota.

Ora, se existe no regimento interno do Supremo essa definição para o desempate, usar o voto qualificado não torna ninguém déspota. É estranho também que caiba a cada presidente do STF decidir se usa ou não o critério de desempate; seria melhor que este fosse retirado do regimento interno ou que fosse tornado compulsório.

A pressão política sobre um tribunal superior já ficara explícita em junho de 2006, quando nada menos que seis juízes simplesmente admitiram publicamente que votaram sem saber o que votavam e sem medir as consequências do voto.

Contra o voto do relator, ministro Cesar Asfor Rocha, o plenário do TSE aderiu à proposta do ministro Marco Aurélio Mello de ampliar as restrições às alianças estaduais, numa leitura radicalizada da legislação sobre a verticalização eleitoral, que o Congresso estava flexibilizando.

Marco Aurélio Mello, vitorioso por 24 horas, anunciou que colocava ordem na bagunça partidária das coligações para as próximas eleições, e ainda encontrou tempo para fazer gracinhas metafóricas, chamando de "concubinato" as alianças fora das coligações nacionais.

Bastou que três pesos pesados da política nacional - os senadores José Sarney, Renan Calheiros e Antonio Carlos Magalhães - fossem pressionar o presidente do TSE para que subitamente suas excelências se dessem conta de que haviam votado de maneira errada na noite anterior, e convenceram-se de que tudo deveria voltar à estaca zero, prevalecendo a interpretação mais liberalizante sobre a verticalização.

Desta vez, foi a cúpula do PMDB que foi fazer uma "visita de cortesia" ao ministro Cezar Peluso no Supremo, e saiu de lá com instruções sobre a melhor maneira de conduzir a questão em termos técnicos.

E a "consultoria" informal mostrou-se bastante eficaz, e Peluso, afinal, convenceu-se de que dar o voto de Minerva não o transformava em "déspota".

Estive com o escritor Christopher Hitchens apenas uma vez, na Flip de 2006, quando fui o mediador de um debate entre ele e Fernando Gabeira.

Ele começou a mostrar a personalidade rebelde e polêmica nos bastidores, quando tentou combinar que o debate fosse em inglês, já que eu e Gabeira falávamos a sua língua.

Ponderei que não seria justo com a maioria do público, e também argumentei com Gabeira que seria desigual debater com um polemista como aquele no seu idioma.

E realmente foi bom, porque Hitchens estava com a corda toda naquela tarde, chamou Gabeira de terrorista sem o menor pudor, e ofereceu-se ironicamente para resolver a proibição de Gabeira entrar nos Estados Unidos por ter participado do sequestro do embaixador dos Estados Unidos em 1970.

Hitchens estava muito próximo do governo republicano, defendendo a invasão do Iraque, e disse ironicamente que conhecia "algumas pessoas" que poderiam ajudar o brasileiro.

Na hora das perguntas do público, ele se recusou a responder à maioria, classificando-as de "ingênuas".

Para desqualificar o debatedor, Hitchens me perguntou a certa altura se eu não colocaria em discussão questões "para elevar o nível debate", como por exemplo jornalismo como forma de arte.

Encerrei o assunto usando prerrogativas de mediador com um curto "no", para não ter que discutir com Hitchens.

À noite, encontrei-o nas ruas de Paraty, pelo jeito trôpego bebendo uma das muitas caipirinhas daquele dia. Agradeceu-me por não ter aceitado mudar o rumo do debate, aparentemente arrependido das "más-criações" da tarde, e quando perguntei se estava gostando de Paraty, me respondeu a sua maneira debochada:

"Como poderia não gostar de passear por autêntica favela, bebendo a bebida típica do lugar e ouvindo música nativa?"

Estava claro que não era nada daquilo que pensava, estava apenas exercitando provocações, e por isso achei graça. Meses depois, na Condé Nast Traveller, uma das mais importantes revistas de viagem do mundo, ele escreveu um artigo sobre Paraty, onde a classificava como "uma adorável cidade antiga bem no meio do litoral espetacular que se estende do Rio de Janeiro a São Paulo".

"(...) É um lugar de verdade, cujos habitantes pescam peixes, realizam coisas, tocam negócios e fazem música. O ambiente é democrático beirando o igualitarismo, com um arco-íris de cores humanas e uma grande variedade de música e comida.

À noite eu me juntei ao povo que dançava do lado de fora da igreja onde os escravos costumavam rezar e ouvi ritmos que aparentemente iam bem com o rum local. (referência à cachaça ou à caipirinha).

No meio da noite, a maré veio e gentilmente lavou as ruas de paralelepípedos antes de se retrair".

FONTE: O GLOBO

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