quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O choque necessário - Rolf Kuntz

Safra recorde no Brasil é prenúncio de grandes perdas em estradas esburacadas, longas filas de caminhões na vizinhança dos portos e dezenas de navios parados ao largo, durante dias, por falta de espaço para atracar. O grande espetáculo da ineficiência geral da economia brasileira é composto de muitos quadros. O da logística emperrada é apenas um dos mais coloridos, mais vistosos e mais impressionantes para a maior parte do público. O esforço do governo para atrair capitais privados para construção e reformas de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos será com certeza muito bem recebido pelos cidadãos razoavelmente informados. Formadores de opinião anteciparam-se e aplaudiram a promessa de uma nova política de licitações e de mais esforços para redução do famigerado custo Brasil - sinais de um choque de capitalismo, segundo a revista Veja. Uma avaliação mais otimista poderia mencionar um choque de eficiência, se houvesse um bom motivo para esperar uma reviravolta na política econômica e, de modo geral, na ação do governo.

Pode haver algum anticapitalismo no PT. Mas isso explica apenas em parte a negligência governamental, desde a primeira gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em relação a problemas estruturais da economia. Temas como eficiência, produtividade e parcimônia no uso de recursos públicos nunca foram valorizados na cartilha seguida a partir de 2003. A ampliação dos quadros federais e a generosa concessão de aumentos jamais foram vinculados a metas administrativas.

O empreguismo e a política salarial serviram à consolidação do poder pessoal do presidente Lula e aos interesses de seus companheiros mais próximos. Ao resistir, agora, às cobranças do funcionalismo, a presidente Dilma Rousseff afrontou a cultura de confortável ocupação do poder implantada por seu antecessor. As centrais sindicais, nutridas com imposto e convertidas em apêndices do Executivo, reagiram da forma previsível, apoiando a greve e os desmandos da parcela mais favorecida dos assalariados brasileiros.

Ao atribuir precedência aos problemas dos trabalhadores sem estabilidade - os do setor empresarial -, a presidente ressaltou um dos contrastes entre o pessoal do setor público e os demais empregados. À estabilidade o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acrescentou o privilégio de grandes aumentos - mais que o dobro da inflação - e a fixação de salários maiores que os do setor privado. O inchaço dos quadros complementou o loteamento e o aparelhamento do comando e dos núcleos técnicos da máquina pública. Basta isso, ou pouco mais, para explicar a incapacidade de elaborar e de executar projetos, uma incompetência mal disfarçada pela inclusão dos financiamentos habitacionais nas contas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Nem a imagem da Petrobrás, responsável por cerca de 90% dos investimentos das estatais, ficou intacta, quando a nova presidente da empresa, Graça Foster, expôs a situação da companhia. Descumprimento de metas, maus projetos e subsídio ineficiente ao consumo da gasolina foram alguns dos problemas escancarados. Além de privar a empresa de recursos para seu enorme programa de investimentos, a política de preços afetou a produção de cana e de etanol, como foi reconhecido, explicitamente, no balanço semestral da agroindústria recém-divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ao interferir na administração da Petrobrás, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou uma das maiores companhias de petróleo do mundo em instrumento de suas ambições políticas, confirmando, mais uma vez, seu desprezo pela eficiência - e, nesse caso, também pelos compromissos de uma companhia de capital aberto.

O governo promete, agora, ir além das ações de curto alcance, como os tradicionais remendos tributários, e tomar medidas para elevar o potencial de crescimento. Investimentos em logística e redução dos preços da eletricidade entram nessa categoria. Somados a outras medidas, poderão tornar a produção brasileira mais competitiva. Problemas de competitividade têm relação com infraestrutura, custo de investimentos, tecnologia, tributação e qualidade da mão de obra, para citar só alguns dos fatores principais. Não se reduzem a entraves conjunturais, nem se resolvem com estímulo ao consumo e mero expansionismo fiscal.

Para cumprir essa promessa, a presidente Dilma Rousseff terá de renegar algo mais que o legado de seu antecessor. Ela mesma apoiou a politização e, afinal, a desmoralização das agências reguladoras. Ela manteve, depois de Lula, as pressões para interferir na administração da Vale. Ela mesma embarcou, seguindo o desastroso exemplo argentino, na aventura do protecionismo como remédio para a ineficiência. Se estiver mesmo comprometida com a mudança, terá de avançar muito em seu esforço.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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