Seria engraçada se não fosse deplorável a troca de acusações entre as candidatas Dilma Rousseff e Marina Silva sobre quem é mais submissa aos banqueiros. Começou, como sabem todos quantos tiveram a desventura de ouvi-las, com um ataque rombudo da presidente à promessa da adversária de que, eleita, encaminhará projeto de lei para tornar o Banco Central (BC) autônomo em relação aos governos de turno e ao Congresso Nacional. Em um vídeo de propaganda, na segunda-feira à noite, Dilma se pôs a "explicar" ao público o que significaria, no seu entender, o que "parece algo distante da vida da gente, né?". Seria nada menos do que "entregar aos banqueiros" um poder imenso "sobre a sua vida e a de sua família". Seu fiel escudeiro, Marco Aurélio Garcia, completou a estultícia: "Se houver essa independência, que será a dependência dos bancos privados, teremos a impossibilidade de formular políticas macroeconômicas e de desenvolvimento".
Marina replicou por baixo; fulanizou a discussão, disparando que "nunca os banqueiros ganharam tanto" como no atual governo, graças à "bolsa empresário", à "bolsa banqueiro", à "bolsa juros altos". Trata-se de uma rajada de despropósitos, a começar do primeiro, que deve ter caído no meio empresarial, que carrega um caminhão de justas queixas da assim chamada política econômica, como uma massagem de sal nas suas feridas. De mais a mais, funcionando como funciona o BC, a inflação supera a meta e a economia cambaleia entre a recessão e um pífio crescimento de menos de 1%.
A personalização da pendenga era tudo o que Dilma queria, desde que tomou a decisão (ou tomaram por ela) de partir para cima da rival, trocando as luvas pelo soco inglês. A campanha da presidente parece ter concluído que as suas chances de dar a volta por cima no segundo turno, desmentindo as pesquisas que apontam a vitória da pregadora da "nova política", variam na razão direta da competência de Dilma em oxidar a aura graças à qual a ex-petista, concorrendo pelo Partido Verde, colheu desconcertantes 19,6 milhões de votos na disputa de 2010. A presidente há de ter intuído que, se é para falar em banqueiros - atrás apenas dos políticos entre os campeões do desafeto nacional, especialmente na população mais pobre -, o negócio é vincular a desafiante aos vice-líderes desse inglório duelo. E mandou ver.
"Não adianta querer falar que eu fiz 'bolsa banqueiro'", retrucou. "Eu não tenho banqueiro me apoiando. Eu não tenho banqueiro me sustentando." É preciso ser muito desinformado para ignorar a pontiaguda alusão à educadora Maria Alice Setubal, a Neca, cujo irmão Roberto preside o Itaú Unibanco, o que a torna herdeira da instituição. Amiga de longa data de Marina, ela coordena o seu programa de governo e faz a ponte entre a candidata e o empresariado (que a olhava de soslaio quando era vice na chapa de Eduardo Campos). Segundo a Folha de S.Paulo, no ano passado Neca doou perto de R$ 1 milhão para um instituto criado por Marina para desenvolver projetos sobre sustentabilidade. O valor equivale a 83% do total arrecadado no período.
A troca de desaforos terminou - ou ficou interrompida - com Marina perdendo o prumo. "O Banco Central autônomo", argumentou, juntando tudo e misturando, "é para ter autonomia dos grupos que acabaram com a Petrobrás." Mas isso é o de menos. O de mais é que é de pasmar: a naturalidade com que as candidatas mais cotadas para adentrar ou permanecer no Planalto em 2015 se puseram a abastardar um debate de grande importância para a condução do Brasil - como é naqueles países com os quais aspiramos a ser comparados. O grau de liberdade da autoridade monetária não apenas para fixar a taxa básica de juros, mas também a política de câmbio, além de zelar pela integridade do sistema financeiro, não deveria ser objeto de tiradas marqueteiras.
A escassa familiaridade da grande maioria dos brasileiros com o assunto deveria ser um motivo a mais para que os presidenciáveis se guardassem de usá-lo como tacape eleitoral. Fazendo a coisa errada, escancaram a pobreza substantiva das suas campanhas. A videopolítica, que privilegia o componente pessoal da competição pelo voto sobre o que efetivamente os competidores têm a oferecer ao País, completa o desserviço.
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