• As políticas de mobilidade social implementadas pelo governo Lula, com o abandono dos fundamentos econômicos do governo FHC, perderam sustentabilidade por causa do baixo crescimento
- Correio Braziliense
Uma das maiores falácias dessa campanha eleitoral é a suposta polarização entre trabalhadores e patrões, pobres e ricos, esquerda e direita, a partir de uma perspectiva ideológica com que se procura caracterizar a disputa entre a presidente Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). Na verdade, trata-se de uma velha estratégia do PT para mobilizar a militância, que estava desmotivada por causa das denúncias de corrupção envolvendo o partido, principalmente depois da Operação Lava-Jato.
Sun Tzu, o famoso general chinês da Arte da guerra, já dizia que um exército encurralado, sem uma rota de fuga, se torna muito mais perigoso — porque lutará até a morte. É mais ou menos o que está acontecendo com a militância petista encastelada nos órgãos federais, empresas estatais e fundos de pensão. Até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz a campanha do PT nos estados com uma virulência que não condiz com um ex-ocupante da Presidência. Teme ter a imagem “desconstruída”, da mesma forma como o seu antecessor.
Quem acompanha os militantes petistas nas redes sociais tem a sensação de que o Brasil vive um processo revolucionário e que haveria uma contra-revolução em marcha. O que se passa não tem nada a ver com isso, muito pelo contrário. Não há ameaça de retrocesso; há uma estagnação. O ímpeto transformador das políticas de transferência de renda do governo Lula, com o Bolsa Família, nunca teve nada de revolucionário, nem reformista. Trata-se tão somente de uma política social-liberal de focalização dos gastos sociais nas parcelas mais pobres da população, em detrimento das políticas de bem-estar social na Previdência, na saúde, na educação, nos transportes públicos etc. — essas, sim, de caráter social-democrata.
Não há demérito nisso, pelo contrário: a escala de benefícios concedidos às populações mais pobres — em torno de 13,5 milhões de famílias — contribuiu não só para melhorar a vida dessas pessoas, como também para ampliar o mercado interno. Mais importantes para isso, porém, foram a recuperação do salário mínimo e as aposentadorias rurais, que representaram uma formidável injeção de recursos nas regiões mais pobres do país, principalmente no Norte e no Nordeste. Além disso, o chamado bônus demográfico — a redução de número de dependentes (crianças e idosos sem renda) em relação à população economicamente ativa — ajudou a elevar a renda familiar.
Avanço ou estagnação
Nada disso seria possível sem o Plano Real, lançado ainda durante o governo de Itamar Franco, e a estabilização da economia, na gestão Fernando Henrique Cardoso, que também enfrentou com coragem a crise fiscal do Estado brasileiro. Esse problema demandou, além das privatizações, uma mudança de mentalidade dos gestores públicos em relação às contas de estados e municípios. A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal foi a contrapartida dos políticos brasileiros à “securitização” pela União das dividas dos demais entes federados. Isso explica por que a dívida pública federal aumentou exponencialmente no período.
A lógica que opõe de forma atemporal o governo de Fernando Henrique ao de Lula, para além do que realmente separa uma gestão de outra, é sectária e agride o bom senso, uma vez que enfrentaram conjunturas mundiais diferentes e cumpriram tarefas da agenda nacional também diversas. O mesmo já não se pode dizer do governo de Dilma Rousseff, que recebeu o Palácio do Planalto com o país crescendo 7,5% ao ano, com a maior base de sustentação no Congresso de que se tem notícia e apoio empresarial sem precedentes. Entre amigos, o ex-presidente Lula cansou de se queixar da petista, que, em três anos e meio de mandato, jogou tudo isso pela janela. Não é à toa que, agora, enfrenta tantas dificuldades para se reeleger, o que seria mais natural.
Na verdade, o experimentalismo econômico e o excesso de intervenção estatal nas relações de mercado durante o governo Dilma Rousseff, além de sua notória inabilidade para contornar os obstáculos políticos , fizeram o país desandar. Estamos com a inflação raspando o teto da meta, taxa de crescimento quase zero e uma crise de confiança dos investidores privados no governo. Tivesse Dilma Rousseff mantido os fundamentos da economia e negociado com a oposição no Congresso, teria feito um governo mais bem-sucedido.
O xis da questão nesta eleição é que as políticas de mobilidade social implementadas pelo governo Lula, com o abandono dos fundamentos econômicos do governo Fernando Henrique Cardoso, perderam sustentabilidade por causa do baixo crescimento. Além disso, a agenda do governo Dilma no primeiro mandato permanece inconclusa: os problemas de infraestrutura demandam investimentos privados e a saúde, a educação, os transportes, a segurança e a Previdência dos trabalhadores do setor privado exigem um salto de qualidade.
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