• Trocar voto por ausência indica governo terminal
- Valor Econômico
Faltava pouco para o início da votação do impeachment de Collor quando um jatinho alugado pela tropa de choque do presidente taxiou numa das pistas do aeroporto internacional de Brasília. Nele embarcaram dois deputados federais do Paraná. Aquela não era a primeira leva de parlamentares que escapavam de Brasília para não votar a destituição de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente da República eleito pelo voto direto, após 25 anos.
Dias antes, um dos coordenadores da tropa de choque montada por Collor para enfrentar o impeachment havia decretado, durante uma reunião: "Ausência vale tanto quanto o voto". A mesma sentença, agora, enche de esperanças a presidente Dilma Rousseff e seu cada dia mais reduzido círculo de aliados. Dilma não precisa necessariamente cravar 172 votos no painel da Câmara dos Deputados para impedir o impeachment. Seus adversários é que precisam cravar 342 votos.
Por isso a ausência vale tanto quanto o voto para quem se opõe ao impeachment. Grosso modo, se apenas os 58 deputados do PT e os 13 do PCdoB votarem em Dilma, mas a oposição não conseguir os 342 votos, o impeachment será recusado. Parece a solução dos problemas para um governo que precisaria juntar 172 deputados com coragem para ir ao microfone e dizer "não" ao impeachment, em pleno ano eleitoral, quando Dilma e o PT estão em baixa. Na prática, trocar voto por ausência indica governo em fase terminal.
O governo Collor alugou aviões para retirar deputados aliados de Brasília, porque eles não queriam assumir publicamente o voto contrário ao impeachment. Naquele 29 de setembro de 1992, cerca de 500 mil pessoas foram às ruas em 17 cidades brasileiras - este ano, só a Avenida Paulista reuniu este número de manifestantes, segundo o cálculo do Datafolha, em geral bem abaixo daqueles anunciados pela organização dos protestos e pela Polícia Militar.
Se serve de exemplo para a tropa de choque da presidente Dilma, a experiência do impeachment de Collor comprova que de fato ausência vale tanto quanto voto, mas também mostra que quem falta é justamente quem poderia dizer "não" ao afastamento da presidente. Não será surpresa, portanto, para os coordenadores do impeachment, se o maior número de ausentes for justamente daqueles partidos mais próximos da presidente da República. Alguns do PT e do PCdoB, principalmente se forem reeditadas as manifestações do domingo 13 de março. Dos 28 votos do PRN, o partido do presidente Collor, 18 votaram a favor do impeachment.
A autorização da Câmara para o Senado processar o presidente Collor foi aprovada com os votos de 441 deputados (eram necessários apenas 336, pois à época a Casa tinha 503 integrantes, contra os 513 atuais). Houve apenas uma abstenção e 38 deputados preferiram enfrentar a opinião pública favorável ao impeachment e votar "não". Ou seja, 15 a mais que os 23 que se ausentaram por qualquer motivo, seja pressão do governo ou outro motivo qualquer, como doença. O deputado Roberto Campos (1917-2001) foi votar "sim" em cadeira de rodas.
Um outro tipo de ausente pode ser registrado também no impeachment de Collor: aquele que aparece para votar só na segunda chamada, geralmente quando o placar já está definido. Em 1992, um desses exemplares foi o atual presidente do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz. Era deputado de primeiro mandato, eleito pelo PRN (partido de Collor) graças a sua proximidade com o homem-forte da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, que até o fim brigou contra o impeachment do presidente.
Para não desagradar o cacique, que costumava ser implacável com os aliados infiéis, Cedraz não respondeu à primeira chamada. A votação era nominal. Na repescagem, quando Collor já estava no corredor da morte do impeachment que separa o salão verde (Câmara) do salão azul (Senado), Cedraz correu ao microfone, quando seu nome foi chamado, e gritou pausadamente, a pleno pulmões - "Sim, pelo povo de Valente".
Em retrospectiva, Dilma repete muitos dos erros que foram cometidos pelo ex-presidente Collor e sua tropa de choque. Outro deles é abrir o cofre, na expectativa de ter alguma correspondência no fisiologismo. Na semana passada, o governo alocou mais R$ 9 bilhões para gastar em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na tentativa de fisgar votos nas bancadas. No governo Collor, o Ministério da Ação Social, nos três meses que antecederam a votação do impeachment, liberou US$ 60 milhões - nos cinco meses anteriores, mal havia autorizado US$ 1,07 milhão. Não deu certo.
Há outros paralelos entre a história do impeachment de Collor e o processo em curso contra a presidente Dilma Rousseff. Coordenador político e um dos principais chefe da tropa de choque do presidente, o deputado pernambucano Ricardo Fiuza (1939-2005) sugeriu ao presidente renunciar ao mandato. Arrogante, Collor respondeu que iria ficar (enquanto era julgado no Supremo) e "apostar nas besteiras do Itamar [Franco]", o vice que assumiu em seu lugar. Dilma já ouviu a proposta de renúncia de mais de uma pessoa.
Fiuza comandava sobretudo a tropa de choque congressual. Antes da votação, ele chegou a reunir 300 deputados na casa do amazonense Ezio Ferreira. O presidente do Banco do Brasil, Lafaiete Coutinho, cuidava do resto. De todo o resto. Fora ele o responsável pelo aluguel do jatinho que naquela tarde de setembro decolou rumo a Curitiba levando dois deputados com base na tese de que ausência vale tanto quanto o voto. O avião já estava no ar quando a votação nominal foi aberta no plenário da Câmara, exatamente às 17h45.
Mas no Congresso nem tudo é o que parece. O jatinho já estabilizara quando o deputado Onaireves (Severiano, ao contrário) pediu para o piloto dar meia volta. Havia esquecido a mala no aeroporto. O piloto obedeceu. No hangar, Onaireves telefonou para o deputado Benito Gama, hoje no PTB, que presidira a CPI do PC Farias, cuja investigação resultou no processo contra Collor. Informado do que acontecia, Onaireves correu para a Câmara onde chegou ainda a tempo de votar pelo impeachment do presidente. Desolado, Lafaiete se deu conta de seu erro: não avisara o piloto que aquela viagem só deveria acabar em Curitiba.
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