domingo, 5 de junho de 2016

Sorte para o azar - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Ninguém em sensata consciência discorda de que Dilma Rousseff tinha zerado seu estoque de condições de governar quando foi afastada da Presidência por força da abertura do processo de impeachment no Senado, em 12 de maio.

Ninguém de bom senso, portanto, ignora que a volta dela ao cargo seria a assinatura de um contrato do País com o desastre completo. Seja pela retomada dos meios e modos que nos levaram à recessão na área econômica e à depressiva convivência com a corrupção sistêmica, seja pela ameaça de soluções estranhas à Constituição como a ideia de patrocinar eleição presidencial fora do tempo. Em qualquer hipótese, dias piores virão.

Nisso, até o PT concorda, indisposto que está para segurar um rojão pronto a explodir em suas mãos. Justamente em ano de eleição municipal na qual a perspectiva do partido é ruim, mas seria muito pior na posse de uma Presidência em xeque.


Na oposição a Michel Temer, os petistas ao menos têm um discurso. Meio capenga, é verdade, pois implica a adoção de argumentos estapafúrdios. Tais como a tese do “golpe” e a indignação moral contra “tudo isso que está aí”, não obstante esse “tudo” tenha sido levado aos píncaros da exorbitância nos 13 anos do PT no poder.

É preciso, sobretudo, levar em conta a tendência da sociedade de se enganar deliberadamente. Um exercício de amnésia consentida. O escritor Ivan Lessa pontuou certa vez que a cada 15 anos o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos e repete os equívocos. Bondade dele. Na atual conjuntura estamos nos esquecendo do ocorrido há 15 dias. Na melhor das hipóteses, dado que vivemos uma quadra em que a memória não sobrevive 15 minutos.

Nesse ambiente é que prospera a ideia de que os equívocos do governo interino de Michel Temer dão margem à sensação de que é preciso pôr ele um fim o quanto antes para restaura-se a moralidade a fim de que não nos locupletemos todos. Será, entretanto, essa a realidade fática? Gostaríamos de voltar à errática situação anterior acreditando que a soma dos erros resultariam num acerto?

Obviamente – e, de novo, aludindo ao bom senso – não seria esse o desejo das pessoas que foram para as ruas e se expressaram nas pesquisas de opinião.

Queriam a saída de Dilma, mas preferiam não ter Michel Temer como substituto.

Ocorre, porém, que há uma distância considerável entre o desejável, o possível e o provável. Pensassem nisso na hora de votar na candidata que o escolheu como vice.

O presidente em exercício não parece dar o devido peso às circunstâncias na tomada de certas decisões. Nomeou pessoas inquestionáveis na economia, mas não aplicou o mesmo rigor na área da boa conduta, menosprezou o indispensável pré-requesito da ficha limpa, cuja verificação não depende de nada além de uma consulta na internet.

Para quem sabia da impossibilidade de errar, da ausência de espaço para trégua, Michel Temer e sua equipe têm abusado do direito de se equivocar. Podem pagar por isso. Pior: farão com que paguemos todos se o resultado for a volta daquela que ainda não foi.

Vida Severina. Evidências não faltam sobre a impossibilidade de o deputado Waldir Maranhão continuar na presidência da Câmara. Falta, contudo, colegas que se disponham a removê-lo do posto. No caso de Severino Cavalcanti, o então deputado Fernando Gabeira teve papel fundamental ao cobrar a renúncia em pleno plenário.

Se a Câmara quiser, Maranhão terá como destino o anonimato. A questão é a Câmara “querer”, o que não parece ser da conveniência dos líderes partidários e deputados mais influentes, acomodados que estão no anômalo cenário de um presidente fantoche. Não preside. Só manobra e exige regalias.

Se é isso que o Legislativo quer, pior para o Legislativo.

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