segunda-feira, 20 de junho de 2016

TCE engavetou 21 processos

O TCE engavetou por quase 6 anos 21 processos sobre a reforma do Maracanã, apesar de constatados repasses indevidos de R$ 93 milhões às empreiteiras, contam Juliana Castro e Chico Otavio. Com a obra na mira da Lava-Jato, os processos deverão ser retomados.

Engavetados no TCE

• Tribunal nada fez sobre processos que apontaram irregularidades nas obras do Maracanã

Juliana Castro, Chico Otavio - O Globo

Enquanto o Ministério Público Federal (MPF) inicia no Rio investigações sobre suspeitas de corrupção na reforma do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014, motivadas por delações da Operação Lava-Jato, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) mantém parados 21 dos 22 processos relativos à obra no estádio, do período entre 2010 e 2014. Só agora, quase seis anos depois que os primeiros processos foram instaurados, o TCE procura desengavetá-los.

Os processos levantam dúvidas, cobram esclarecimentos e apontam irregularidades nas obras. Dois deles pedem, com base em auditorias, o estorno de repasses indevidos ao consórcio responsável, formado pela Odebrecht e pela Andrade Gutierrez, no valor total de R$ 93 milhões. Porém, como o contrato da obra já foi encerrado com o pagamento integral às empresas, a medida pode ter perdido a eficácia.


Delatores denunciaram propina
A reforma do Complexo do Maracanã para a Copa das Confederações e para a Copa do Mundo de 2014 deveria ter custado ao governo fluminense R$ 705 milhões, mas o acolhimento de 16 termos aditivos, após a assinatura do contrato, elevou o valor para R$ 1,2 bilhão. Em delação premiada ao MPF, dois ex-dirigentes da Andrade Gutierrez, Rogério Nora Sá e Clóvis Peixoto Numa, denunciaram que o então governador Sergio Cabral (PMDB) cobrou o pagamento de 5% do valor total do contrato para permitir que a empresa se associasse à Odebrecht e à Delta — que saiu antes da conclusão da obra — no “Consórcio Maracanã Rio 2014”, que disputaria a concorrência em 2010.

Dos 22 processos abertos pelo TCE para auditar a obra, apenas um chegou ao fim: o que aprovou o edital de licitação em junho de 2010. Os demais — um sobre o contrato, 16 sobre os aditivos e quatro sobre auditorias na obra, instaurados entre setembro de 2010 e maio de 2014 — ficaram travados na burocracia interna do tribunal. Entre outras conclusões, os auditores constataram a medição e a atestação de serviços com sobrepreço, como o reforço estrutural das novas rampas de acesso ao estádio e a instalação da estrutura metálica das arquibancadas.

Preocupados com o interesse dos investigadores na obra, que deverá ser alvo de uma força-tarefa criada recentemente no Rio, os conselheiros do TCE decidiram fazer os processos andarem. A primeira providência, publicada no Diário Oficial da última quinta-feira, foi unificar a relatoria nas mãos do conselheiro José Graciosa, uma vez que os 21 casos estavam distribuídos para relatores diversos e pelo menos oito deles estavam sem relator — um relator que se aposentou e outro que morreu, por exemplo, não foram substituídos.

Graciosa, porém, só poderá levar o voto ao plenário em 15 dias, prazo legal para a convocação de uma pauta especial. Isso porque a Odebrecht e a Andrade Gutierrez entraram com embargos de declaração — instrumento jurídico pelo qual uma das partes de um processo judicial pede ao tribunal que esclareça determinado aspecto de uma decisão proferida quando há alguma dúvida, omissão, contradição ou obscuridade. Neste caso, a lei exige uma pauta especial convocada em 15 dias. Os embargos de declaração foram interpostos em uma das auditoria; isso há mais de dois anos.

Embora o trecho divulgado sobre a delação premiada dos ex-dirigentes da Andrade Gutierrez se refira apenas ao governador, o papel do TCE na fiscalização da obra deverá entrar no horizonte da força-tarefa do MPF, cujo objetivo é apurar os desdobramentos da Lava-Jato no Rio. Em Brasília, já existe uma investigação em andamento, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre as obras das gestões do governador Luiz Fernando Pezão e o antecessor, Sergio Cabral, financiadas com dinheiro do governo federal. A Polícia Federal chegou a pedir o arquivamento, alegando não ter conseguido colher provas suficientes, mas o ministro-relator, Luís Felipe Salomão, preferiu oferecer vista à Procuradoria Geral da República antes de decidir.

TCE alega alta complexidade
Em média, o TCE leva cinco meses para decidir um processo. Questionada sobre a demora na conclusão dos processos relativos à reforma do Maracanã, a assessoria de comunicação do tribunal afirmou que a análise de casos relacionados a serviços de alta complexidade técnica e grande repercussão financeira demanda “longas e minuciosas verificações”. Disse que, devido à complexidade da matéria e do número de agentes envolvidos, recebeu uma série de documentos em resposta às diversas notificações. De acordo com a assessoria, a análise após o pagamento da obra não é ineficaz, pois o tribunal pode aplicar pena de imputação de débito, ou seja, determinar que os responsáveis devolvam os valores recebidos indevidamente.

Procuradas, as construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez informaram que não comentariam o caso. Por meio de sua assessoria, o ex-governador Sergio Cabral disse que “a licitação e o acompanhamento das obras de reforma do Maracanã para o atendimento das exigências da Fifa para a realização de jogos da Copa das Confederações 2013 e da Copa do Mundo 2014 foram realizados pela Secretaria de Obras do Governo do estado, órgão técnico que dispunha de autonomia para a gestão dos seus projetos”. Por isso, Cabral alega que não tem como comentar ou responder as perguntas relacionadas à execução da obra. Sobre o fato de ter sido citado nas delações premiadas, o peemedebista disse reiterar o posicionamento anterior de repúdio total às inverdades nelas contidas.

Secretaria defende aditivos
O GLOBO também questionou o governo do estado sobre o fato de a obra ter recebido 16 aditivos — um a cada três meses — e se não houve falha no projeto. A Secretaria estadual de Obras disse que as contas do Maracanã foram aprovadas por unanimidade pelo TCU.

“Em relação à execução, a complexidade da obras, sob todos os aspectos, exigiu inúmeros ajustes técnicos sejam nos projetos ou na metodologia executiva. O principal deles foi a substituição da antiga cobertura, condenada por estudos técnicos de especialistas.

Outros fatores não previstos inicialmente também foram superados, como, por exemplo, o expressivo aumento de quantitativo de recuperação e reforço estrutural e de demolição verificados no decorrer das obras. À medida que prosseguia a execução da reforma, constatou-se que as áreas que necessitavam de recuperação e reforço estrutural eram muito mais extensas e em maior quantidade do que aquelas indicadas nos estudos iniciais de patologia”, informou a secretaria.

De acordo com o órgão, o valor integral da obra foi pago ao consórcio, mesmo com as indicações das auditorias para reter valores diante de irregularidades, porque todos os procedimentos administrativos, técnicos e financeiros seguiram a lei. Sobre a demora para o julgamentos dos processos no TCE, a secretaria afirmou que não lhe cabe valorar o tempo de análise dos Tribunais de Contas.

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