segunda-feira, 20 de junho de 2016

Estados têm 'esqueletos' de despesas de R$ 15 bi

Por Marta Watanabe - Valor Econômico

SÃO PAULO - Um conjunto de 24 Estados brasileiros mantiveram "despesas escondidas" de R$ 15,4 bilhões em 2015. Esses "esqueletos" são em geral gastos de exercícios anteriores que os Estados jogaram para 2016 por não ter condição de quitá-los no prazo. Essa não é uma prática nova, mas o valor aumentou 44% no ano passado em relação a 2014.

Entre os Estados com maior volume de "despesas escondidas" estão Minas, Bahia, Rio, Pará e Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal. Estas seis unidades da federação responderam por R$ 9,36 bilhões. O levantamento foi feito pelo assessor econômico do Senado Pedro Jucá.

A rubrica "despesas de exercícios anteriores" (DEA) refere-se àquelas que ocorreram, mas para as quais não houve registro e nem foi utilizado o orçamento da época. São esqueletos reconhecidos e apropriados apenas no exercício seguinte ou depois. A DEA, destaca Jucá, é diferente dos "restos a pagar", que são despesas que entraram no orçamento do Estado. Restos a pagar são despesas empenhadas e não pagas até o fim do exercício correspondente.

Exatamente porque não consta do orçamento, explica Jucá, a DEA, pela legislação em vigor, deveria incluir apenas despesas excepcionais, mas esse caráter tem sido distorcido. O maior nível de despesas registradas como DEA em 2015 possibilitou aos Estados melhorar formalmente indicadores como resultado primário e despesa de pessoal, diz o economista.

O exemplo clássico de um caso excepcional, não previsto no orçamento, é o de sentença judicial que determina ao Estado indenizar servidores. Ou seja, não havia uma obrigação financeira a ser reconhecida antes da decisão, mas "de repente" a despesa surge.

Entre os Estados com maior valor de "despesas de exercícios anteriores", o Rio de Janeiro, que decretou calamidade pública financeira na sexta-feira, foi o que apresentou o maior crescimento, de 185% entre 2014 e o ano passado. Em Minas Gerais, essas despesas subiram 130% e na Bahia, 77%. No Distrito Federal, a DEA avançou 102%.


'Esqueletos' em 24 Estados atingem R$ 15,4 bi
Os "esqueletos" que os Estados mantêm escondidos aumentaram de 2014 para o ano passado. Uma parte disso pode ser levantada por meio da rubrica DEA, as "despesas de exercícios anteriores". Num conjunto de 24 Estados essas despesas somaram R$ 15,4 bilhões em 2015, o que significa crescimento de 44% em relação ao ano anterior.
Entre os Estados com maior volume de despesa estão Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, Pará e Rio Grande do Sul. além do Distrito Federal. Esses seis entes responderam por R$ 9,36 bilhões em despesas de exercícios anteriores no ano passado. Ou seja, 60% do total levantado em 24 governos regionais, segundo levantamento do assessor econômico no Senado, Pedro Jucá.

As despesas de exercícios anteriores são aquelas que ocorreram, mas para as quais não houve registro e nem sequer foi empenhado no orçamento da época. Por isso, diz Jucá, são como esqueletos reconhecidos e apropriados apenas no exercício seguinte ou depois. A DEA, alerta o economista, é diferente dos restos a pagar. A principal diferença, diz o assessor, é que os restos a pagar passam pela discussão do orçamento do ano. Os restos a pagar são despesas empenhadas, mas não pagas até o fim do exercício devido.

Exatamente por não constarem do orçamento do Estado, explica Jucá, a DEA, pela legislação em vigor, deveria conter apenas despesas de casos excepcionais e ser utilizada de forma muito criteriosa. Esse caráter, porém, foi distorcido, diz ele. O maior nível de despesas registradas como DEA em 2015, possibilitou aos Estados, avalia, melhorar formalmente indicadores como resultado primário e tamanho da despesa de pessoal.

"O que deveria ser considerado excepcional está se tornando regra", diz. Ele pondera, porém, que muitos governadores assumiram seus mandatos no ano passado com esqueletos de antecessores e tiveram que registrar esses compromisso como despesas de exercícios anteriores. Cabe aos tribunais de contas verificar se a rubrica está sendo usada devidamente.

O exemplo clássico para um caso excepcional de DEA, que não está previsto no orçamento, é o da sentença judicial que determina ao Estado indenizar servidores, por exemplo. "Ou seja, não havia uma obrigação financeira a ser reconhecida antes da decisão, mas de repente a despesa surgiu", explica Jucá.

Dentre os Estados com maior valor de despesas de exercícios anteriores, o Rio foi o que apresentou maior crescimento do valor, de 185% de 2014 para o ano passado. Em Minas, essa despesa subiu 130% e na Bahia, 77%. No Distrito Federal a DEA avançou 102%.

"Em tempos de crise, o RP [restos a pagar] e o DEA tendem a aumentar nos Estados", diz Francisco Caldas, secretário de Planejamento e Gestão do Rio. Ele diz que, a partir do segundo semestre do ano passado, a crise orçamentária e de caixa fez aumentar o valor das duas rubricas no Estado.

O governo, diz Caldas, deu prioridade ao pagamento da folha de salários. O que não foi coberto pelo caixa em 2015 caiu em restos a pagar ou despesas de exercícios anteriores. Nesse último, diz ele, entraram principalmente despesas correntes, como eletricidade, água, gás, telefonia, serviços de vigilância e limpeza. "Isso aconteceu porque o Estado entrou em uma crise financeira sem precedentes", diz. "O RP, a lei acolhe. A DEA, a lei não gosta de acolher, mas pode existir em momentos como esse, de emergência."

Para este ano, diz Caldas, a expectativa é de menor nível de restos a pagar e despesas de exercícios anteriores. Ele lembra que várias medidas de contenção de gastos foram tomadas. Entre elas, cita a determinação a todas as secretaria de governo, autarquias e fundações de cortar 30% nos cargos discricionários e/ou nas despesas.

No Rio Grande do Sul, a DEA permaneceu praticamente estável de 2014 para 2015, mas ficou em nível alto, avalia o subsecretário do Tesouro gaúcho, Leonardo Maranhão Busatto. A despesa de exercícios anteriores no Estado somou R$ 1,5 bilhão em 2015, o equivalente a 4% da receita corrente líquida do Estado.

No caso do Rio Grande do Sul, diz ele, foram dois fatores que tornaram a despesa alta. Parte importante vem da herança do governo anterior. Em 2015, quando o governador Ivo Sartori (PMDB) assumiu, diz o subsecretário, foram identificados mais de R$ 600 milhões em "despesas na prateleira". "Despesas que haviam sido incorridas, mas que não foram registradas contabilmente."

Segundo Busatto, eram gastos como repasses a hospitais e faturas de energia elétrica e combustível, entre outros, o que impactou esse tipo de despesa em 2015. Essas despesas não reconhecidas, diz ele, têm sido trazidas para a contabilidade gradualmente. "Na nova gestão, o que queremos é explicitar o déficit e o tamanho do problema."

Além disso, explica o subsecretário, o Rio Grande do Sul também está sujeito a um grande número de decisões judiciais que determinam sequestro de caixa do Estado. Esses pedidos de sequestro acontecem em ações ajuizadas por beneficiários de créditos de pequeno valor derivadas de ações judiciais que chegaram ao fim. São as chamadas Requisições de Pequeno Valor (RPVs). No ano passado, os sequestros para essas obrigações somaram R$ 800 milhões e também pressionaram a despesas de exercícios anteriores.

Para amenizar o efeito dos sequestros no caixa, no ano passado o Estado reduziu de 40 para 10 salários mínimos o valor da RPV. As obrigações de maior valor, portanto, passaram a seguir a regra geral dos precatórios, tornando o governo menos suscetível a novas discussões judiciais. Busatto lembra, porém, que a regra vale somente para as novas obrigações a partir da mudança da lei. Por isso a redução do fluxo desse tipo de despesa deve demorar.

Para 2016, a previsão é que o sequestro para essas obrigações caia para algo entre R$ 500 milhões e R$ 600 milhões. A despesa de exercícios anteriores, estima, deve alcançar R$ 1,2 bilhão.

Até há algum tempo, a DEA era uma figura que se limitava a atender casos excepcionais e imprevistos, em que se precisava cobrir algum compromisso do ano anterior que deixou de ser orçado e por conseguinte pago, diz o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

"Infelizmente, parece que se tornou mais uma forma artificial para reduzir o efetivo gasto com pessoal sujeito aos limites impostos pela LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal]", diz Afonso. A lei, afirma, permitiu excluir a parcela da folha salarial contabilizada como DEA, para não pesar no exercício corrente um fato passado.

"Jamais se pensou na época na hipótese de que eventualmente seriam retardados pagamentos, literalmente aí sim pedalados, de um para outro exercício financeiro, de modo que seu pagamento não fosse computado como despesa sujeita ao limite", explica o economista.

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