Chile
transformou Constituição com forte vício de origem em experiência real de
democracia
Símbolos
importam. E os chilenos foram claros quanto a isso ao determinar, por uma
margem de quase 80%, que a atual Carta, herança da ditadura de Pinochet, seja
substituída por uma nova, a ser elaborada por uma convenção
constitucional exclusiva. Ponto para a democracia.
No
mundo da vida prática, porém, o Chile, apesar da origem espúria da Carta, já
era uma democracia sólida, com alguns ciclos de alternância de poder entre
esquerda e direita. Os aspectos mais autoritários da Constituição foram
extirpados por uma série de emendas aprovadas ao longo dos anos, notadamente em
1989 e 2005. Não teria sido impossível persistir nesse caminho.
Aliás, num cálculo puramente numérico, será mais difícil aprovar a nova Carta do que emendar a velha. Pelas regras em vigor, algumas matérias constitucionais exigem maioria de 3/5 dos parlamentares para ser modificadas, e outras, as mais sensíveis, de 2/3.
Pelas
regras da convenção, só irão para o novo texto constitucional artigos aprovados
por 2/3 dos constituintes, e, ao fim dos trabalhos, o projeto ainda terá de ser
chancelado pela população em plebiscito.
Outro
aspecto interessante do processo constitucional é que será o primeiro no mundo
a ser conduzido por uma convenção paritária, com 50% de mulheres e 50% de
homens. Achei um pouco autoritário não terem dado aos eleitores chilenos a
oportunidade de exercer uma escolha ativa diante de algo tão novo (a opção pela
convenção exclusiva já vinha com a paritária), mas são os tempos em que
vivemos.
Meu
ponto é que constituições são uma parte importante da democracia, mas nem de
longe o jogo inteiro.
Há
Cartas que são ótimas no papel, mas que na vida real não geram nada parecido
com uma democracia, e há casos como o do Chile, que conseguiram transformar uma
Constituição com forte vício de origem numa experiência real de democracia.
Símbolos importam, mas a prática também.
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