quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Nilson Teixeira* - Eleição americana traz riscos para o Brasil

- Valor Econômico

Resultado pode alterar bastante políticas públicas dos EUA e ter ampla repercussão global

O resultado das eleições americanas embute diversos riscos para a economia global, incluindo a do Brasil, por conta de possíveis alterações em várias políticas do governo americano. Até agora, 65 milhões de americanos - dos cerca de 150 milhões que tendem a votar até a próxima terça-feira - já anteciparam suas decisões, seja por cédulas encaminhadas pelo correio seja de forma presencial nos locais de votação já abertos.

A maioria das pesquisas eleitorais e dos sites de apostas atribuía, no início da semana, probabilidade superior a 80% de vitória do ex-vice-presidente Joe Biden, candidato do Partido Democrata (PD), frente ao presidente Donald Trump, representante do Partido Republicano (PR). O resultado final das eleições e a data da sua confirmação são incertos por diversas razões, tais como: intenções de voto para os candidatos dos dois partidos estão muito próximas em vários Estados; não obrigatoriedade do voto; complexo sistema eleitoral, no qual o partido vitorioso em cada um dos 50 Estados indica todos os seus representantes no colégio eleitoral; e diferentes regras para submissão, recebimento e contagem da votação pelo correio.

Incerteza ainda maior está associada às eleições parlamentares. Pesquisas sugerem mais de 70% de probabilidade de o PD ter maioria na Câmara dos Deputados e no Senado. Todavia, enquanto a manutenção do controle democrata na primeira casa é altamente provável, a previsão do resultado na segunda é mais difícil. No início da semana, o site FiveThirtyEight indicava que 80% das suas simulações para a composição do Senado - com 100 cadeiras - concentravam-se no intervalo entre 48 e 55 senadores para o PD.

A dificuldade de projeção deve-se principalmente à incerteza sobre o resultado nos Estados que não votam quase sempre no mesmo partido para o Senado e que atualmente mostram intenções de voto próximas para os candidatos dos dois partidos. Ademais, as evidências sugerem que a intenção de voto nessas regiões ainda não é muito robusta, pois uma parte expressiva dos eleitores define seus votos para o Congresso mais próximo da votação.

O resultado das eleições nos EUA poderá alterar bastante as suas políticas públicas nos próximos quatro anos e ter ampla repercussão global. A dúvida mais imediata refere-se à escolha e à magnitude dos estímulos em resposta à pandemia a serem prorrogados para 2021. O pacote fiscal tende a ser superior a US$ 2 trilhões no caso de vitória de Biden e do PD nas duas casas legislativas e, provavelmente, muito menor - por volta de US$ 500 bilhões - no caso de reeleição de Trump e controle do Senado pelo PR.

Um governo democrata com controle das duas casas adotaria estímulos fiscais por um período mais prolongado do que em um 2º mandato de Trump. O aumento de impostos sobre as empresas e famílias com maiores rendimentos seria provável no primeiro cenário. A alta do imposto sobre lucros tende a ocorrer, porém, apenas a partir de 2022, para evitar interrupção da normalização da economia. É provável que essa alta não reverta por completo o corte da alíquota de 35% para 21% promovido pelo atual governo em 2017.

Os primeiros anos de um governo Biden elevariam o endividamento público mais do que em um novo governo Trump. Ao mesmo tempo, o crescimento do PIB nos próximos anos seria maior do que na continuação da atual gestão, por conta dos maiores gastos fiscais e dos estímulos para os investimentos.

A vitória do PD nas eleições presidenciais criaria um ambiente mais favorável para expansão das demais economias no curto prazo, ao gerar expectativas de menores restrições à globalização e ao comércio exterior. O maior crescimento global seria compatível com a valorização adicional dos ativos de risco dos países emergentes e a apreciação de suas moedas.

O cenário de Biden na presidência e Senado com maioria do PR, por outro lado, seria condizente com menores transferências de recursos, em particular para Estados e municípios, bem como com uma grande dificuldade para a aprovação da alta de tributos para financiar maiores gastos.

Assumindo que haja apoio do Congresso, um 2º mandato de Trump cortaria mais as alíquotas dos impostos sobre as empresas, estimulando a economia e o mercado de capitais, mas colocando a solvência da dívida pública sob maior risco. Os próximos quatro anos seriam marcados por uma maior aversão à globalização e às políticas ambientalistas, bem como pelo acirramento das disputas geopolíticas e comerciais, o que prejudicaria a expansão do comércio exterior e o crescimento dos demais países.

O resultado eleitoral nos EUA pode agregar riscos negativos para o Brasil. Uma vitória de Biden enfatizará a agenda ambientalista, reforçando as críticas externas à política brasileira de conservação do meio ambiente, em particular da Amazônia. Isso pode atrair maiores restrições comerciais aos produtos domésticos e induzir uma menor inserção do país nas discussões globais.

Em linha com a situação global, uma eventual 2ª onda da pandemia, a aprovação pelos órgãos sanitários locais das vacinas contra a covid-19 e a definição do cronograma de vacinação serão determinantes para a dinâmica da atividade no Brasil nos próximos trimestres. Não há como projetar uma contínua recuperação econômica sem uma evolução favorável nessas três frentes. Sem isso, a definição das políticas do governo americano terá um efeito, quando muito, parcial e provisório no Brasil.

O ambiente doméstico pode se tornar ainda mais instável após as eleições municipais, quando recomeçará a discussão sobre a instauração do Renda Cidadã já em 2021, bem como sobre a sua dimensão e fontes de financiamento. No momento, é difícil imaginar um quadro benigno para a economia brasileira a partir de dezembro se a questão fiscal não for equacionada.

Em suma, as dúvidas sobre o desempenho da economia global diminuirão com o resultado eleitoral nos EUA. Mesmo assim, há muito a ser definido até se ter maior convicção sobre a normalização da atividade global e, mais particularmente, da brasileira.

*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia.

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