quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Fernando Exman - O DEM, o Centrão e as leis da física

- Valor Econômico

Partidos apontam tentativa de ação hegemônica

Um cáustico e experiente observador da política nacional passou a responder, quando tem sua análise demandada, que no Brasil o fundo do poço vem sendo revogado quase que diariamente. Deve-se reconhecer que a Constituição e o bom senso passaram a ser testados à exaustão. Regimentos e tradições são desprezados com frequência, a depender dos interesses em jogo. Mas, pelo menos algumas leis universais ainda são rigorosamente observadas em território nacional, mesmo durante intensas disputas partidárias e diante de tantas incertezas sobre o Orçamento do ano que vem.

A lei da oferta e da procura é um exemplo. Para inquietação da equipe econômica, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro insistem em abordá-lo nas ruas pedindo o tabelamento de preços de insumos essenciais. É a comprovação de que nem só de liberais foi feita a vitória de 2018.

O custo dos alimentos não tende a diminuir no curtíssimo prazo e se tornou mais um fator a preocupar quem ainda não recebeu uma resposta objetiva sobre como ficarão as ações sociais do governo a partir de janeiro. Mesmo assim, Bolsonaro segue resistindo às pressões.

Irrevogável, a lei da gravidade também persevera, embora alguns ministros insistam em desafiá-la. E há ainda outro princípio fundamental a pautar a dinâmica política, aquele segundo o qual dois corpos distintos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo.

Esta é hoje, aliás, a regra a ditar a relação do DEM com os demais partidos de centro e centro-direita, o Centrão.

Sempre houve - e haverá - disputa pela ocupação de postos importantes da rede de comando da República. Essa distribuição define, na prática, a linha sucessória, quem terá capacidade de influenciar a pauta de votações do Legislativo, manejar os recursos orçamentários e manter o protagonismo no diálogo institucional. Essa divisão de cargos acaba por estabelecer quem terá poder para abrir processos de impeachment e definir o destino político de parlamentares que eventualmente tiverem faltado com o decoro.

O DEM ocupa hoje funções estratégicas na Esplanada dos Ministérios, como as pastas da Agricultura e da Cidadania, e não demonstra a menor disposição de ceder postos-chave no Congresso para aliados. Interlocutores reclamam de acordos não cumpridos, e se queixam da falta de celeridade na condução dos processos que correm contra a deputada Flordelis (PSD-RJ) e o senador Chico Rodrigues (DEM-RR).

Isso porque, além da presidência de ambas as Casas do Congresso, o DEM preside os conselhos de Ética do Senado e da Câmara. Uma atuação mais assertiva poderia reduzir o desgaste da já combalida imagem do Legislativo.

O partido também esteve por trás da ação protocolada, no Supremo Tribunal Federal (STF), que tenta construir uma heterodoxa interpretação da Constituição para abrir caminho à reeleição dos atuais presidentes das mesas diretoras, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Não demorou para que as cotoveladas ocorressem na disputa pelo comando da Comissão Mista de Orçamento. Havia uma articulação que viabilizaria a eleição do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) para a presidência da CMO, na expectativa de que Nascimento e seu partido trabalhassem para que o comando da Câmara fosse passado para um representante do bloco de legendas que estava abrindo mão da principal cadeira da CMO.

A concessão ocorreria em nome da consolidação da aliança. Ou seja, o DEM ficaria em mais um posto privilegiado do Parlamento. Por outro lado, o pacto seria capaz de alçar o líder do PP, Arthur Lira (AL), à presidência da Casa sem maiores turbulências em fevereiro. Isso, se não tivesse o blocão encabeçado pelo PP identificado movimentos do DEM para não só presidir a Comissão de Orçamento como também permanecer à frente da Câmara no próximo biênio.

A desastrada tentativa de Alcolumbre de interferir pessoalmente na instalação da comissão agravou a situação.

Embora seja base de sustentação do governo no Congresso, o Centrão fez uma aliança tática com a oposição e travou a pauta da Câmara. Os líderes do bloco não têm recebido muita pressão do Palácio do Planalto para que o Congresso vote logo medidas provisórias ou outros projetos de interesse do Executivo.

Até agora, o Centrão não está deixando o DEM passar. E dificilmente serão votados projetos de grande relevância ou impacto econômico-social até 15 de novembro, primeiro turno das eleições municipais.

Uma parcela considerável dos 513 deputados também não demonstra disposição de avançar com os trabalhos em janeiro. E isso não se dá por falta de senso de urgência em relação à pandemia ou aos efeitos da crise, mas porque há a percepção de que a prorrogação dos trabalhos beneficia quem tenta permanecer à frente do Senado ou da Câmara.

Nesse sentido, apenas um amplo acordo que antecipasse a distribuição dos cargos da Mesa Diretora da Câmara poderia garantir que o Congresso de fato trabalhasse durante o tradicional recesso de fim de ano. Isso não está no horizonte neste momento e dificilmente poderia ser viabilizado, pois exigiria que o acordo fosse cumprido posteriormente numa votação secreta.

Sem o Orçamento aprovado, o governo até pode sobreviver no início do ano que vem com o duodécimo e créditos extraordinários. O que preocupa os articuladores do Executivo é a falta de perspectivas para a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021. Eles não querem enfrentar o risco de desrespeitarem qualquer regra, como o princípio de anualidade, e por isso farão de tudo para aprovar a LDO até o fim de dezembro.

Persistem as dúvidas, contudo, se a disputa partidária se dissipará a tempo de permitir outras votações relevantes para o país. Alcolumbre deve tentar instalar novamente a CMO na semana que vem, mesmo que não haja acordo. Por enquanto, aparentemente só uma disputa no voto pode acabar obrigando que o grupo perdedor abra espaço para o outro lado.

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