Presidente
leva a Abin e GSI proposta de arapongagem contra fiscais da Receita, e aí?
Na
pandemia de covid-19, enquanto convencia néscios de que a obrigatoriedade de
vacina fere direitos individuais, o presidente da República reuniu chefões da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI) fora da agenda. O encontro constou da agenda do serviçal Augusto
Heleno, que nunca se destacou pelo uso da inteligência. Em 25 de agosto, Jair
Bolsonaro levou à presença deste e do delegado Alexandre Ramagem as advogadas
do primogênito, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, para denunciarem eventual
crime de fiscais da Receita Federal na ação contra a ilícita prática de
peculato quando Flávio Bolsonaro dava expediente na Assembleia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
O
aval dado pelo chefe do governo à teoria conspiratória do atual defensor do
filho “zero um”, Rodrigo Roca, conhecido pelo patrocínio de causas de acusados
de tortura na ditadura militar e substituto de Frederick Wassef, em cujo falso
escritório de advocacia escondeu o subtenente PM-RJ Fabrício Queiroz, vassalo
do filho, foi revelado sexta-feira 23 de outubro. E tem sido tratado como
corriqueiro. Mas é grave. Muito grave. Não só por configurar nova tentativa de
contornar, como num drible da vaca, a natureza técnica, fria e impessoal do
relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que originou
o inquérito no Ministério Público do Rio (MP-RJ) sobre extorsão de parte dos
vencimentos de servidores da Alerj praticada pelo ex-assessor. Mas, sobretudo,
para esclarecer que papai Bolsonaro não estava brincando quando disse que não
deixaria seus parentes e amigos serem prejudicados (no jargão sujo de hábito)
em reunião ministerial, tornada pública. Esta motivou a saída do ex-juiz da
Lava Jato Sergio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública e a seu
respeito corre ação sem futuro no Supremo Tribunal Federal (STF).
O
fato configura crime de responsabilidade, passível de impeachment. Pois o chefe
do governo deslocou o Coaf do Ministério da Fazenda para o da Justiça, a pedido
de Moro, e depois para o Banco Central, para sacá-lo da alçada do
ex-magistrado. O Coaf nunca foi subordinado à Receita, nem no périplo armado
por ele e seus aliados do Centrão no Congresso para aliviar a barra do rebento.
Não estranhem o uso da gíria de Rio das Pedras, sede da milícia que foi
chefiada pelo capitão PM-RJ Adriano da Nóbrega, cujos depósitos na conta de
Queiroz fazem parte do acervo probatório do MP-RJ. Mas não basta. Wassef, que
nunca deixou de se gabar de ascendência sobre a famiglia presidencial e seu
mais poderoso chefão, conseguiu do então presidente do STF, Dias Toffoli, a
suspensão por seis meses de todas as investigações de crimes financeiros no
País para poupar Flávio. Mas a normalidade foi restaurada no plenário por nove
votos a dois, tendo o autor votado contra a própria decisão monocrática.
A
presença de Ramagem na citada reunião seria prova suficiente no inquérito
aberto no STF, se não fosse mero pretexto para ganhar tempo. Como o seria a
denúncia do empresário Paulo Marinho, que deu explicação plausível para as
demissões de Queiroz do gabinete do filho e de sua filha Natália do do pai,
segundo a qual um delegado bolsonarista da Polícia Federal (PF) havia avisado o
senador sobre o adiamento da Operação Furna da Onça para não prejudicar a
vitória do pater familias no
segundo turno do pleito presidencial. A informação poderia ter sido confirmada
ou desmentida se o juiz federal Elder Fernandes não tivesse negado a quebra do
sigilo dos telefones da PF para confirmar a versão do suplente, em lugar da
acareação, fancaria que tenta mascarar o óbvio ululante (apud Nelson Rodrigues).
No
entanto, a não ser pela débil manifestação do líder do Partido Socialista
Brasileiro (PSB) na Câmara, Alessandro Molon, não houve um “pai da pátria” (todos
comprometidos com o conluio-mor que paralisa a democracia e a justiça no País)
que tomasse atitude capaz de deter novas tentativas espúrias de justificar o
inexplicável que, na certa, estão por vir.
Nem
original é. Circula pela Câmara dos Deputados o líder José Guimarães, cujo
assessor foi detido com dólares na cueca no processo que investigava o
financiamento espúrio de dossiê para comprometer José Serra, candidato tucano
favorito ao governo de São Paulo, em 2006. Na ocasião, o então presidente Lula
deu definição exata à manobra abortada: aloprados. Agora, com o Congresso
Nacional e o STF mais uma vez desmoralizados com o acordo espúrio para evitar a
punição de sócio da alta corte bolsonarista, Chico Rodrigues, de Roraima, o
tirambaço dado por Jair Bolsonaro propondo arapongagem explícita para limpar o
cueiro sujo do primogênito presidencial afundará em água de esgoto.
Assim
como as ações no STF com punição adiada para as calendas gregas para evidente
interferência política de Bolsonaro na PF, na Abin e no GSI e o uso do gabinete
do ódio do filho “zero dois” promovendo manifestações fascistoides, essa
tentativa de perseguir fiscais da Receita com devassa inadmissível será
despejada na vala comum do lixão da covardia.
*Jornalista, poeta e escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário