O país, anestesiado,
considera tudo normal
Se nada havia de anormal, por que a presidência da República tentou esconder o encontro de Jair Bolsonaro com duas advogadas de defesa do seu filho Flávio, o Zero Um, denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por lavagem de dinheiro, apropriação de parte dos salários de funcionários do seu gabinete à época em que era deputado estadual, e organização criminosa?
O encontro ocorreu há
pouco mais de dois meses no gabinete de trabalho de Bolsonaro que fica no
terceiro andar do Palácio do Planalto. Dele participaram também o general
Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, e o delegado
Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de Inteligência, órgão
encarregado de espionar adversários do governo.
Discutiu-se como salvar Flávio dos problemas que enfrenta na Justiça, e como o aparelho estatal de segurança poderia ajudar na tarefa. As advogadas apresentaram um dossiê onde estão listadas supostas irregularidades cometidas por um grupo de funcionários da Receita Federal no fornecimento de informações sobre as contas bancárias de Flávio a órgãos oficiais de fiscalização.
O governo não diz como o
caso evoluiu a partir do encontro. Tudo é segredo. O general Augusto Heleno só
falou a respeito quando a imprensa descobriu o uso escandaloso da máquina
pública para favorecer o filho do presidente da República. E o que ele disse?
Que só participou do encontro porque lhe compete garantir a segurança da
família presidencial. Nada demais.
O mundo quase desabou na
cabeça da ex-presidente Dilma ao saber-se que ela avisou com antecedência ao
marqueteiro de sua campanha em 2014 que a Polícia Federal poderia prendê-lo a
qualquer momento. Diz-se, e com razão, que o gesto de Dilma, mais do que uma
simples demonstração de afetividade, configura uma clara tentativa de obstrução
da justiça.
Ela não poderia ter feito
o que fez. Da mesma maneira como Bolsonaro também não. Os dois abusaram dos
poderes e dos privilégios do cargo. Acontece que Dilma foi derrubada, mas não
por isso. Bolsonaro continua presidente, apesar disso. É investigado porque
quis intervir na Polícia Federal em defesa de Flávio e de Carlos, o Zero Dois.
O processo dará em nada.
De tanto se sucederem
anormalidades desde que Bolsonaro chegou à presidência da República, o país,
anestesiado, já não parece se espantar com mais nada. Pandemia é uma
gripezinha? Tudo bem. Gripezinha que não matará sequer mil brasileiros? Tudo
bem. Cloroquina é o remédio ideal contra o vírus? Tome-se. Vacina só para quem
quiser se vacinar? Assim deve ser. Vida que segue.
Poupe-se o Supremo
Tribunal de legislar no lugar do Congresso
Sanções para quem não se
vacinar
Faz bem Rodrigo Maia
(DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, em tomar a iniciativa de tentar
se entender com o governo em torno da aplicação obrigatória ou não de vacinas
contra o coronavírus. Assim, poupa o Supremo Tribunal Federal de ter que se
meter no assunto. Congresso existe para legislar.
O presidente Jair
Bolsonaro é partidário de que se vacine quem quiser. Quem não quiser, não deve
ser obrigado. Ocorre que a saúde coletiva não pode subordinar-se à saúde
individual. A esmagadora maioria dos brasileiros diz querer vacinar-se. Há
meios e modos legais de forçar os demais a se vacinarem também.
Um desses meios seria criar vários tipos de sanções para os que resistem à imunização. Quem não se vacinar, por exemplo, seria proibido de frequentar locais públicos onde possa haver aglomerações. Pela mesma razão, seria também proibido de usar o transporte coletivo e de viajar ao exterior. E assim por diante.
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