EDITORIAIS
Decisão do Supremo é para ser cumprida
O Estado de S. Paulo
O STF já decidiu que deve ser dada ampla publicidade às emendas de relator. Não há espaço para manobras ou evasivas para manter sigilo
Ao determinar que “todos têm direito a
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral”, exceto quando a divulgação dessas informações
implica risco à segurança da sociedade ou do Estado, a Constituição deixa
evidente que a transparência é a regra na administração pública, e o sigilo,
exceção.
Não foi por outra razão que o Supremo
Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, decidiu que o governo federal
sustasse imediatamente o pagamento das emendas de relator-geral do Orçamento,
as chamadas emendas RP9, e o Congresso desse “ampla publicidade” aos repasses
já realizados em 2020 e 2021 por meio dessa rubrica, ou seja, informasse quem
foram seus “patronos”, além de divulgar valores e destinatários. Em outras
palavras: o Supremo decidiu que o “orçamento secreto”, mecanismo de compra de
apoio parlamentar ao governo federal revelado pelo Estado, deixasse de ser
secreto. Só há um Orçamento da União, sobre o qual não pode pairar qualquer
suspeição em relação à sua lisura.
A decisão liminar da ministra Rosa Weber,
corroborada na íntegra pela ampla maioria de seus pares, foi de uma clareza
solar. “O regramento pertinente às emendas de relator”, decidiu a ministra,
“distancia-se dos ideais republicanos, tornando imperscrutável a identificação
dos parlamentares requerentes e destinatários finais das despesas nelas
previstas, em relação aos quais, por meio do identificador RP-9, recai o signo
do mistério.” De fato, mistérios envolvendo assuntos de interesse coletivo são
incompatíveis com uma República democrática.
Se a própria existência das emendas de relator já é um grave erro por si só, haja vista que, como decidiu o STF, a inovação orçamentária colide frontalmente com a Constituição, é de espantar que os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em vez de acabar com as RP-9 e informar, afinal, quem propôs as emendas de relator até agora e para onde foram bilhões de reais distribuídos a parlamentares leais aos interesses do Palácio do Planalto fora dos controles institucionais, simplesmente decidam descumprir a ordem do Supremo, como se isso fosse uma opção.
Em Ato Conjunto das Mesas de ambas as Casas
Legislativas, o Congresso informou que descumprirá a ordem em virtude da “não
exigência e a inexistência de procedimento preestabelecido por lei para
registro formal” das emendas RP-9. Ora, dada a questionável “impossibilidade
fática” de apurar quem pediu, quem indicou e quem recebeu recursos públicos sob
as sombras, o Congresso, contrariando o Supremo, repita-se, pretende que tudo
fique como está. Ou seja, transparência, se houver, só a partir de 2022.
Não foi isso o que decidiu a instância
máxima do Poder Judiciário, cuja missão não é outra senão exercer o controle da
constitucionalidade de leis, decretos e outras normas. Se a falta de lei
referida por Pacheco “não exigia” a identificação dos autores das emendas de
relator, o que vale, evidentemente, é a regra geral de transparência inscrita
na Constituição e em boa hora reforçada pelo STF. Os nomes, portanto, devem ser
declarados. Decidiu-se justamente acabar com a falta de transparência que, ao
fim e ao cabo, Pacheco sustenta ser legal.
O objetivo da cúpula do Congresso parece
ser o de manter em segredo os nomes de parlamentares beneficiados com emendas
de relator em 2020 e 2021.
O Estadão/Broadcast apurou que o presidente
do Senado pretende procurar ministros do STF para sustentar que a publicidade
sobre os repasses das emendas de relator passe a valer apenas para o Orçamento
de 2022. Qual seria o fundamento dessa conversa fora dos autos? Não é papel dos
presidentes das Casas Legislativas modular por meio de “embargos auriculares”
uma decisão já tomada pelo STF. Isso seria tão antirrepublicano quanto o
próprio “orçamento secreto”.
O STF já decidiu que deve ser dada “ampla
publicidade” aos repasses por meio de emendas RP-9 realizados em 2020 e 2021.
Não cabe discussão. A decisão do Supremo, por óbvio, deve ser cumprida
integralmente. Não há espaço para manobras ou evasivas.
Justiça que tarda é falha
O Estado de S. Paulo.
Por causa da ausência da procuradora da
PGR, o STJ adiou a decisão de ações contra desembargadores que há 11 anos são
acusados de corrupção
STJ adiou decisão de ações contra
desembargadores acusados de corrupção.
Contrariando o antigo ditado de que a
Justiça tarda, mas não falha, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adiou o
julgamento das ações criminais que tratam de um rumoroso caso de corrupção
envolvendo advogados, juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça do
Espírito Santo (TJES). Eles são acusados de manter um esquema de venda de
sentenças e de manipular a promoção ao cargo de desembargador de juízes de 1.º
grau.
Com feições kafkianas, esse caso se arrasta
há mais de 11 anos, e cinco dos acusados já faleceram. Um dos acusados foi
presidente da Corte e chegou a ser preso em 2008, durante a Operação Naufrágio.
Outro acusado teve um diálogo interceptado no qual prometia dar uma determinada
decisão num caso de interesse de membros do TJES, com a condição de que fosse
promovido a desembargador. Ele permanece no tribunal até hoje e, em novembro,
foi eleito vice-corregedor do tribunal. Com isso, será encarregado de apurar
irregularidades de magistrados. Ou seja, se o STJ continuar adiando o
julgamento dessas ações, um desembargador acusado de corrupção será quem
investigará colegas que forem denunciados de cometer o mesmo crime.
Apesar da importância dessas ações, que
tinham sido pautadas pelo STJ para ser apreciadas no dia 17 de novembro, desta
vez o motivo de mais um atraso foi causado pela Procuradoria-Geral da República
(PGR). Responsável pela acusação, nesse dia a subprocuradora Lindôra Araújo
estava em Lisboa, em viagem custeada pela PGR, para participar de um fórum
promovido por uma faculdade particular que tem como sócio um ministro do
Supremo Tribunal Federal. O encontro foi anunciado como evento acadêmico, mas
acabou sendo basicamente político, com a participação de vários parlamentares e
dirigentes partidários, como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), e o presidente do
PSD, o ex-prefeito Gilberto Kassab.
Para substituir a subprocuradora, a PGR
indicou o subprocurador-geral Carlos Frederico Santos, que recebeu os processos
na noite anterior à sessão de julgamento. Assim que ela foi iniciada, Santos
afirmou que não teve tempo de ler as 4,5 mil páginas dos autos e não poderia
atuar no caso, uma vez que sua filha era advogada de defesa de um dos acusados.
O relator do primeiro processo a ser julgado, ministro Francisco Falcão, chegou
a pedir ao presidente do STJ, Humberto Martins, que pelo menos pudesse ler seu
relatório, com mais de cem páginas. Apesar de, no meio da sessão, a PGR ter
prometido indicar às pressas um novo subprocurador, Martins adiou o caso para
dezembro. Contudo, como esse é um mês curto por causa do Natal, nada garante
que até lá não surjam novos pretextos para adiar novamente a apreciação dessas
ações para depois das férias forenses, em 2022.
A Justiça brasileira conta com cerca de 17
mil magistrados. Entre 2006 e 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) puniu,
no plano administrativo, 118 servidores, juízes e desembargadores. No plano
judicial, o número de condenações penais de juízes é ainda menor. Para as
entidades da magistratura, esses números comprovam que a categoria é honesta e
comprometida com suas funções constitucionais. Sociólogos especializados em
pesquisas judiciais, porém, lembram que essa afirmação tem de ser interpretada
com cuidado. Em primeiro lugar, por causa das artimanhas dos advogados de
defesa, que prolongam a tramitação das ações penais até que prescrevam, sem
decisão de mérito. E, em segundo lugar, por causa do corporativismo que muitas
vezes impera nos julgamentos de juízes supostamente envolvidos em
irregularidades. O mirabolante caso do TJES não ajuda a mitigar a desconfiança
de que os acusados estão sendo de alguma forma protegidos por seus pares.
Independentemente de quem tenha razão, o fato é que causa estranheza mais um adiamento da apreciação, pelo CNJ, de ações penais contra magistrados capixabas que se arrastam há inacreditáveis 11 anos.
Ideia fixa
Folha de S. Paulo
Provocação de radicais ao STF reflete
desejo de Bolsonaro de controlar a corte
Jair Bolsonaro ficou mais quieto nos
últimos meses, como resultado da trégua estabelecida com o Supremo Tribunal
Federal em setembro, mas radicais no seu entorno não cansam de mostrar os
dentes.
Foi o que aconteceu mais uma vez na terça
(23), quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados deu
sinal verde para uma proposta de emenda constitucional que altera a
idade de aposentadoria dos ministros do STF, de 75 para 70
anos.
De autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF),
a iniciativa casuísta abriria caminho para Bolsonaro preencher mais duas vagas
no tribunal, ao levar à aposentadoria Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Ambos
estão com 73 anos.
Embora a admissibilidade da emenda tenha
sido aprovada na comissão com amplo apoio das bancadas controladas pelo
centrão, líderes do bloco disseram no dia seguinte que são remotas
as chances de a ideia avançar ao plenário.
Mas o recado dificilmente poderia ter sido
mais explícito. Em toda parte, o movimento foi entendido como resposta à
recente decisão de Rosa Weber que, acertadamente, suspendeu a execução de
emendas orçamentárias controladas pelo centrão.
O apoio à mudança deve ser visto também
como um lembrete de que o desejo dos bolsonaristas de manietar a mais alta
corte do país, expresso pelo chefe do Executivo e seus aliados desde a campanha
eleitoral, jamais arrefeceu.
Há poucas semanas, Bolsonaro lamuriou-se
por não poder contar com mais votos no plenário do Supremo. Entre os atuais dez
integrantes do tribunal, o único indicado por ele é Kassio Nunes Marques, que
não perde oportunidade de demonstrar sua fidelidade.
O magistrado poderá ganhar companhia na
próxima semana, quando o Senado deve enfim examinar
a indicação de André Mendonça para a vaga aberta pela
aposentadoria de Marco Aurélio Mello.
Bolsonaro apresentou o nome de seu
ex-ministro da Justiça em julho, mas esbarrou na resistência do senador Davi
Alcolumbre (DEM-AP), que se opõe à escolha e controla a agenda da comissão que
sabatinará o candidato a juiz.
É bom que Alcolumbre tenha encerrado a
procrastinação desarrazoada, que se arrastou por quase quatro meses. Espera-se
agora que os senadores cumpram com zelo sua obrigação de examinar a biografia e
as qualificações de Mendonça para a função.
Dado o servilismo que marcou sua atuação
como auxiliar de Bolsonaro no auge de suas hostilidades contra as instituições,
as desconfianças que o cercam são justificadas. Caberá ao Senado escrutiná-lo
com rigor —e rejeitá-lo se não se mostrar à altura do cargo.
Culpas na Amazônia
Folha de S. Paulo
Mourão admite fiasco de ação militar, mas
políticas antiambientais vão além
Numa administração que prima por fugir da
responsabilidade de governar, como a de Jair Bolsonaro, não deixa de ser motivo
de surpresa quando algum de seus integrantes admite publicamente sua culpa por
maus resultados obtidos.
Foi o que fez
o vice-presidente, Hamilton Mourão, ao comentar a devastação na
Amazônia Legal, que neste ano cresceu 22% ante 2020 e atingiu nada menos que
13.235 km², o maior território desde 2006.
"Se você quer um culpado, sou eu. Não
vou dizer que foi ministro A, ministro B ou ministro C. Eu não consegui fazer a
coordenação e a integração [entre as forças militares e os órgãos ambientais]
da forma que ela funcionasse", pontificou o vice-presidente após a mais
recente reunião do Conselho Nacional da Amazônia Legal.
Se a causa da nova alta do desmate foi
mesmo a falha de integração, como afirma Mourão, ou se os reais motivos são
outros, o fato é que a aventura do Exército na Amazônia fracassou rotundamente.
Ao custo de R$ 550 milhões, as três
intervenções militares de combate a crimes ambientais fizeram muito barulho,
mas não chegaram perto de cumprir o objetivo de coibir o desmatamento na
região. Pelo contrário, este só fez aumentar nos últimos três anos.
Nesse período, a média de destruição
florestal foi de 11.405 km² por ano. Trata-se de número 51% maior do que o
registrado em 2018 e 75% mais alto do que a média do intervalo 2009-2018.
O aumento do corte raso, não surpreende, se
deu em meio a uma redução drástica das multas por infrações contra a flora, que
chegaram ao menor patamar em 15 anos.
Entretanto, por mais culpa que Mourão possa
atribuir a si, a ninguém escapa que as causas atuais dos problemas na Amazônia
transcendem a Vice-Presidência.
Em parceria com o ex-ministro Ricardo
Salles, Jair Bolsonaro desmantelou os órgãos de controle ambiental ao mesmo
tempo em que incentivava o agronegócio predador, garimpeiros, madeireiros
ilegais e grileiros que invadem unidades de conservação, terras indígenas e outras
áreas da União.
Essa política antiambiental não apenas teve
papel crucial nos resultados ominosos revelados pelos satélites como deixa
pouca esperança para o futuro próximo. Em setembro e outubro os alertas de
desmatamento já ultrapassaram os dos mesmos meses de 2020. Nessa toada, pode-se
esperar mais mea-culpa do vice-presidente.
Senado torna ainda pior o texto da PEC dos
Precatórios
O Globo
As notícias de Brasília dão a impressão de
que parte do Congresso entrou numa máquina do tempo e voltou à época em que se
acreditava em árvores mágicas de onde brota dinheiro. Só esse tipo de fantasia
pode explicar o teor do texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos
Precatórios em exame no Senado.
A PEC dos Precatórios, aprovada na Câmara,
é também chamada de PEC do Calote porque, se passar pelo Senado, adiará o
pagamento até de dívidas do governo já decididas na última instância da
Justiça. Também dará um golpe mortal na credibilidade do governo, ao romper o
teto de gastos, mecanismo adotado em 2016 para disciplinar governos perdulários
e garantir a saúde fiscal do país. O pretexto para tudo isso é financiar o
Auxílio Brasil, programa social que substituiu o Bolsa Família e poderia, se
Executivo e Legislativo quisessem, ser financiado com cortes noutras áreas,
como o absurdo orçamento secreto, que tem sido usado para garantir o apoio de
parlamentares a projetos do governo.
O texto que saiu da Câmara já traz um
retrocesso sem paralelo. A justificativa para o calote nas dívidas poderia ter
sido a falta de dinheiro para pagá-las dentro do teto de gastos. Mas não. A
Câmara determinou que haverá calote mais ruptura do teto, abrindo o tão falado
“espaço fiscal” — pela última conta do governo, R$ 106 bilhões — para permitir
todo tipo de manobra eleitoreira. Além do Auxílio Brasil, programa de eficácia
para lá de discutível, cria-se dinheiro para dar ajuda aos caminhoneiros,
aumento ao funcionalismo, cobrir os reajustes nos benefícios indexados pela
inflação e outras “bondades”.
Pois o relator da PEC no Senado, Fernando
Bezerra Coelho (MDB-PE), logrou a proeza de piorar o que já era inaceitável. No
documento apresentado na quarta-feira, enumera sete mudanças. A mais grave
torna permanente o valor estipulado para o Auxílio Brasil — os R$ 400 por mês
que resultam dos cálculos impenetráveis do presidente Jair Bolsonaro. E sem
dizer de onde o dinheiro sairá, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF). Qualquer novo gasto permanente deveria ser acompanhado de corte
equivalente ou nova fonte de receita. Em suma: além de dar calote e furar o
teto, a PEC solapa o principal pilar da LRF.
É até compreensível que, às vésperas de um
ano eleitoral, políticos tenham interesse em passar a imagem de que se
preocupam com os mais necessitados. Mas o Congresso aparentemente perdeu a
noção da realidade ao liberar gastos como se não houvesse amanhã. É evidente
que ajudar os pobres neste momento deve ser prioridade. Só que isso precisa ser
feito sem desmontar o arcabouço legal criado para limitar o gasto público e o
crescimento da dívida, que levou tanto tempo construir.
É ele que dá aos agentes econômicos a garantia da estabilidade necessária para planejar investimentos e gerar empregos. Mantê-lo também assegura patamares mais baixos de juros, por fortalecer a percepção de que o governo honrará seus compromissos. Sem a credibilidade, há fuga de capital para ativos como o dólar, alimentando a corrida perversa de preços e salários, a conhecida inflação. Por desarmar os mecanismos de controle de gastos, a PEC é inflacionária — e, se aprovada, punirá primeiro quem os parlamentares mais querem ajudar: os pobres. O Estado tem limites, e o Congresso deveria saber disso, em vez de vender a ilusão de que dinheiro nasce em árvore.
Balsas de garimpeiros no Madeira são prova
da complacência de Bolsonaro
O Globo
O vice-presidente Hamilton Mourão, chefe do
Conselho Nacional da Amazônia Legal, reconheceu na terça-feira que não houve
integração entre as Forças Armadas e os órgãos de fiscalização ambiental (Ibama
e ICMBio) no combate ao desmatamento da Amazônia. Indagado sobre as causas,
explicou que o poder de decisão está com o presidente e os ministros. É,
portanto, Jair Bolsonaro quem deve explicações sobre a inação, ao longo de
quase duas semanas, das instituições federais responsáveis por manter a lei e a
ordem diante das imagens de balsas e dragas de garimpeiros ilegais ancoradas no
Rio Madeira.
Que ninguém se engane com a operação que
Polícia Federal e Marinha agora prometem realizar. Mesmo que ela enfim
aconteça, o governo Bolsonaro continua devendo respostas: por que as milícias
de garimpeiros que devastam os rios em busca de ouro e mantêm ligações com o
narcotráfico não foram alvo imediato de ação repressiva? A desculpa de que as
embarcações estão dispersas pela vastidão da Amazônia não tem cabimento, como
comprovam as fotos que chocaram os brasileiros e tornaram o país alvo de
chacota. Por que Bolsonaro não promove investigações contra os líderes dessas
organizações criminosas, muitos ex-policiais, muitos ligados à política local?
Há, nas palavras ditas à GloboNews pelo
ex-ministro do Meio Ambiente e deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ), enorme
“distância entre intenção e gesto” das autoridades. “O gesto é este: o governo
estimula armas, acoberta milícias, compactua com o desmatamento”, disse Minc.
“A Amazônia está entregue: rios contaminados, verde desmatado e ouro indo lá
para fora.” Os rios são contaminados com mercúrio e produtos químicos. Servem
de corredor ao tráfico de drogas, como o próprio Mourão admitiu. Garimpeiros
invadem terras indígenas e desmatam áreas de proteção. A maior parte do ouro é
contrabandeada. Grupos à margem da lei ganham cada vez mais força.
Ainda que o Brasil não estivesse
comprometido com o combate às mudanças climáticas, a preservação da
biodiversidade ou o direito dos indígenas, não faz sentido transformar, de
forma deliberada, a região da floresta em terra sem limites para bandidos. A
não ser que se acredite na ideia bisonha de que é preciso ocupar e destruir a
Amazônia para garantir a soberania do território.
Passou da hora de Bolsonaro acordar. Ele
precisa dar sinais inequívocos de que deixará de acobertar os crimes praticados
à luz do dia, de forma escancarada e provocativa, por garimpeiros. Para medir
se haverá avanço, a opinião pública precisa ficar atenta. É provável que
policiais e navios da Marinha cheguem à região. As imagens serão fartamente
exploradas. Mas o verdadeiro parâmetro serão as investigações, indiciamentos e
prisões não só no Madeira, mas nas grandes cidades da região e em Manaus, onde
vivem e atuam as lideranças. No começo de 2022, valerá a pena conferir quantas
balsas apreendidas estarão fora de ação. Em caso de impunidade, não se poderá
culpar o vice-presidente apenas. O responsável será, principalmente, o chefe
dele.
Fed e BCE agem com cautela diante de alta
da inflação
Valor Econômico
A recondução de Jerome Powell ao comando do
Fed asseguram que o banco manterá o rumo de sua política
As principais autoridades monetárias do
mundo, o Federal Reserve americano e o Banco Central Europeu, mantiveram o
sangue frio e seu diagnóstico de que a atual onda inflacionária, a maior em
mais de uma década, é transitória, embora persista por mais tempo que o
previsto, e deve perder força em 2022. As dúvidas dos investidores sobre esta
aposta cresceram, mas o sinal dado pelos bancos centrais é que até mesmo parte
dos estímulos extras para combater os devastadores efeitos da pandemia
continuarão no horizonte por mais algum tempo. Dos dois lados do Atlântico, os
BCs consideram agora, de novo, qual será a extensão e os estragos que novas
ondas de covid-19 poderão causar.
As incertezas cresceram tanto para a
atividade da economia quanto para a inflação. Uma nova extensão do contágio,
segundo o Federal Reserve, traz tanto um risco de baixa para o crescimento
quanto, ao perturbar cadeias de suprimento que ainda não estão regularizadas,
um risco de alta para a inflação. O CPI em outubro foi de 6,2% nos doze meses
encerrados em outubro. A medida preferida pelo Fed, o índice de gastos pessoais
de consumo (PCE), após se aquietar por um par de meses, voltou a subir. O
número cheio aumentou de 4,4% em setembro para 5% agora. O núcleo, que exclui
alimentos e energia, foi de 3,7% para 4,1%. As estatísticas da covid-19 são
preocupantes em um país que vacinou pouco menos de 60% da população com as duas
doses. Só em novembro o número de casos aumentou 30%, com as internações
atingindo na terça-feira a média de 94,3 mil. A pandemia já matou mais de 770
mil americanos.
Há pressão clara da oferta de trabalhadores,
que pode culminar em uma espiral de preços e salários, uma dinâmica que o Fed
ainda não viu expressa nas estatísticas, apesar de relatos generalizados de
escassez de mão de obra e oferta de remunerações maiores. Reajustes de salários
chegaram a 3,7% no terceiro trimestre em relação ao mesmo período de 2020 - não
muito maiores que os 3,4% pré-pandemia - e o índice de custo do emprego subiu
no trimestre 1,3%, ante 0,7% no trimestre anterior.
Por outro lado, vários membros do Fed
argumentaram que a taxa de participação na força de trabalho é ainda inferior à
de antes da pandemia, algo que pode ou não se manter. Para uns, a mudança é
estrutural, para outros houve um grande número de aposentadorias com a pandemia
e há escassez de creches para que as famílias voltem ao trabalho.
Seja como for, o Fed não mudou sua
avaliação sobre a inflação, apesar de vários participantes do comitê de mercado
aberto verem preocupantes sinais de persistência, como a capacidade de as
empresas repassarem preços e os indicadores de inflação de longo prazo
sinalizarem que as expectativas estão menos ancoradas agora. Prevaleceu a
posição de que a dinâmica inflacionária não mudou, que os fatores que estão
provocando a alta de preços são os mesmos que já o fazem há meses e que atenuarão
sua pressão no ano que vem.
A ata da reunião do BCE divulgada ontem
indica que o banco se moverá igualmente com calma, mantendo todas as posições
em aberto. Em outubro, a inflação na zona do euro foi de 4,1% (a maior em 13
anos), mas o comunicado do banco aponta que houve “amplo acordo sobre a forma
de corcova da inflação a curto prazo”, apesar de mencionar as “elevadas
incertezas sobre a inflação”. Em dezembro, o BCE reavaliará suas projeções e é
esperado que o programa extraordinário de compras de títulos iniciado na
pandemia, de € 1,85 trilhão termine em março. Este, porém, é o estímulo
adicional, mas o programa de compra de ativos de longo prazo será mantido. A
taxa de juros na zona do euro é de -0,5%.
Sob pressão menor do que o Fed, a direção do
BCE deixou ampla margem de manobra, ao considerar importante que sua direção
“evite uma reação exagerada assim como uma injustificada inação” e mantenha um
“leque de opções de calibrar a política monetária para todos os cenários
inflacionários que possam se desenrolar”. Como orientação, o comunicado diz
muita coisa e, ao mesmo tempo, nada - a não ser que o BCE vai agir de acordo
com as circunstâncias.
A recondução de Jerome Powell ao comando do
Fed, secundada por Lael Brainard, conhecida por suas posições menos ortodoxas,
asseguram que o banco manterá o rumo de sua política até ser confrontado
claramente por ventos contrários e que, mesmo nessas circunstâncias reagirá com
cautela. A ressurgência da covid no inverno é decisiva para os próximos passos
do Fed, seja para antecipar o fim de seu programa de compras e iniciar ciclo de
alta dos juros, seja para postergar a compra e a normalização.
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