O Estado de S. Paulo
O Brasil deixará de contar com o impulso da economia mundial para crescer
Em junho, o FMI voltou a reduzir a projeção
de crescimento mundial em 2023, e novos dados dos EUA e da Europa indicam que
outras reduções devem ocorrer. Uma das consequências é que o Brasil não poderá
contar com o impulso da economia mundial, que em 2022 contribuiu para o
crescimento do PIB acima de 2%.
Em Jackson Hole, Jerome Powell reafirmou que o Fed continuará elevando a taxa de juros, mantendo-a em território restritivo até que a inflação seja dominada. A significativa desobstrução das cadeias de suprimento revelada pelo indicador do NYFED joga por terra a tese de que a inflação atual seria de custos. E, no entanto, esta é a hipótese surpreendentemente defendida por Stiglitz, um ganhador do Prêmio Nobel, e publicada com destaque na última quinta-feira, sob a alegação de que, ao inibir os investimentos necessários para normalizar a produção e domar uma inflação supostamente de custos, a taxa de juros mais alta elevaria a inflação.
A queda do PIB dos EUA por dois trimestres
foi em grande parte explicada pela desova de estoques, que apenas ocorre em tal
intensidade diante de uma demanda aquecida, e o comportamento do mercado de
trabalho confirma o aquecimento. Continuam sendo abertas perto de duas vagas
por desempregado, com os salários em elevação, e o aumento de juros somado ao
maior risco mundial continuará atraindo capitais e fortalecendo o dólar.
Na Europa, o problema é bem mais grave. Lá
ocorre a maior seca em décadas, que deverá reduzir a produção agrícola,
acentuando a queda da oferta de alimentos provocada pela guerra da Rússia
contra a Ucrânia. Assim, há o risco de que a combinação de um dólar forte com a
redução da demanda devido ao baixo crescimento da China não leve à projetada
queda sensível de preços de commodities.
Porém, o problema mais grave é o controle,
exercido por Putin, sobre o suprimento de gás como uma arma para enfraquecer a
economia europeia. A substituição do gás russo por gás líquido importado da
África requer uma infraestrutura que ainda não está pronta, e sem gás a
economia europeia se enfraquece, a começar pela Alemanha, que é seu
carro-chefe.
Nada disso livra o BCE de elevar a taxa de juros, com o problema se agravando devido às elevadas dívidas públicas de países, como a Itália. Infelizmente, devido à pressão exercida por grupos de interesses que há décadas dominam a cena política, a Itália jogou fora a valiosa contribuição de Mario Draghi para se modernizar e voltar a crescer.
*Ex-presidente do BC e sócio da A.C.Pastore e associados
Nenhum comentário:
Postar um comentário