segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Bruno Carazza* - Exonerar e dispensar, os verbos preferidos de Lula

Valor Econômico

Governo demora em nomear indicados

A edição de quarta-feira (18/01) do Diário Oficial da União trouxe a nomeação de José da Silva Catalão para o cargo de Assistente do Gabinete Pessoal do Presidente. O ato tem impacto político e financeiro diminutos, pois se trata de uma posição intermediária (numa escala de dezoito degraus, trata-se do nível 7). A mensagem é muito mais simbólica.

Catalão foi copeiro durante a primeira passagem de Lula pelo Palácio do Planalto e continuou a exercer suas funções na gestão de Dilma Rousseff. Após o impeachment, ele foi exonerado imediatamente por Michel Temer, numa onda de demissões coletivas que não poupou nem o senhor que servia o cafezinho no terceiro andar do prédio.

A volta de Catalão busca transmitir a imagem de que Lula corrigirá injustiças cometidas enquanto o PT esteve longe do poder federal. A nomeação do garçom tem um simbolismo bonito, tanto que foi manchete dos principais jornais e portais da internet na semana passada. Em termos políticos, porém, os aliados do petista têm reclamado do conteúdo de outras publicações da Imprensa Oficial.

Chegamos à última semana do primeiro mês do governo, e até agora os verbos “dispensar” e “exonerar” ainda são os mais conjugados na Seção 2 do DOU, aquela que traz os atos de pessoal do governo federal. Nomeações, como a de Catalão, são difíceis de encontrar. Para os cargos mais altos, têm sido raríssimas.

Trocas de governo geralmente causam um congestionamento nos procedimentos de análise dos indicados para os principais cargos dos ministérios. Quando há uma alternância brusca entre o perfil dos presidentes, esse problema tende a ser agravado. Foi o que aconteceu em 2003, com a passagem de bastão de FHC para Lula, e em 2016, quando Temer assumiu após a destituição de Dilma. Com Bolsonaro em 2019 esse processo se repetiu, devido a uma grande reformulação nos ministérios e a indicação de milhares de militares e policiais para postos estratégicos (e outros nem tão importantes assim).

Nesse sentido, com a vitória de Lula, já era de se esperar uma mudança bastante significativa nos quadros dos ministérios nas primeiras semanas de 2023. O atentado de 8 de janeiro, porém, precipitou um movimento de “limpeza” mais profunda, atingindo muito mais cargos.

O problema é que há um grande descompasso entre as exonerações dos colaboradores do governo Bolsonaro e as nomeações dos seus sucessores, gerando uma descontinuidade decisória que tem paralisado o governo neste começo.

Representantes da Casa Civil negam, mas a demora nas nomeações tem sido atribuída à criação de novos filtros na triagem que o órgão realiza para aprovar a publicação das portarias que autorizam a posse de secretários, diretores e assessores especiais de ministros. Além do currículo e dos antecedentes criminais dos candidatos, que são de praxe, posicionamentos em redes sociais também têm sido checadas - algo que o governo Bolsonaro também fazia, é importante dizer.

No caso atual, porém, há uma pressão muito mais forte vinda de membros do PT, movimentos sociais e ativistas de esquerda que não admitem a participação de quem já tenha feito declarações de apoio à Lava Jato ou tenham deixado nas redes traços de simpatia com o bolsonarismo.

Essas restrições impactam de forma mais significativa os ministérios distribuídos a partidos aliados que não fizeram parte da coligação de esquerda que elegeu Lula. As indicações de MDB, União Brasil e PSD têm sido monitoradas com lupa pela esquerda.

Uma evidência das dificuldades enfrentadas pelos estranhos no ninho petista é que até mesmo seus auxiliares mais diretos, os secretários executivos, vêm sendo nomeados a conta-gotas.

Na hierarquia governamental, os titulares das Secretarias Executivas são considerados vice-ministros, pois fazem a máquina do órgão funcionar. Sob o seu controle está toda a gestão corporativa do órgão, do orçamento à gestão de pessoas, cabendo a eles ainda a coordenação entre as diversas secretarias setoriais.

Bons observadores das manobras políticas em Brasília costumam analisar o perfil dos nomeados para aferir o grau de confiança que o presidente dá a seus auxiliares. No jargão da capital federal, um ministério é dado a um partido “de porteira fechada” quando seu ministro tem liberdade total para efetivar todos os cargos sob sua gestão, do garçom aos secretários.

Entre os nove ministérios entregues por Lula para MDB, União Brasil e PSD, apenas cinco tiveram seus secretários executivos oficializados até a sexta-feira (20/01).

Embora poucas, os sinais até o momento são de que Lula cumprirá o acordo e entregará os ministérios de “porteira fechada”. Em quatro casos, pelo menos, os “vice-ministros” têm uma relação próxima com seus chefes imediatos.

Daniela do Waguinho (Turismo) trouxe Wallace Nunes da Silva, servidor da Câmara municipal de Belford Roxo, município administrado por seu marido, enquanto Carlos Fávaro (Agricultura) nomeou seu antigo chefe de gabinete no Senado, Irajá Lacerda.

O ministro Jader Barbalho Filho (Cidades) trouxe para auxiliá-lo o deputado maranhense Hildo Rocha, também do MDB. Waldez Góes, da Integração Regional, aceitou a indicação de seu conterrâneo e parceiro político, David Alcolumbre, e acomodou Valder Ribeiro de Moura na Secretaria Executiva de seu ministério.

Situação diversa parece viver Juscelino Filho (União Brasil), cuja secretária executiva, Sônia Faustino, é servidora de carreira, analista de planejamento e orçamento, com passagens por vários órgãos da administração pública nos últimos 30 anos.

Com tão poucos integrantes do segundo escalão do governo nomeados, ainda é cedo para medir a real disposição de Lula de dar mais ou menos liberdade para seus novos aliados.

Para alguns, o presidente aguarda a votação das eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado. Só depois de ter uma medida do real apoio que poderá receber dos parlamentares de MDB, União Brasil e PSD é que o presidente usará a caneta recebida há anos no Piauí para ratificar o nome de todos secretários e diretores indicados por esses partidos.

Até lá, o verbo “nomear” continua a ser raridade no Diário Oficial.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Bruno Carazza.