sábado, 1 de julho de 2023

Pablo Ortellado - Bolsonarismo sem Bolsonaro?

O Globo

É um fenômeno social, e não meramente eleitoral

Com a inelegibilidade de Bolsonaro, o campo político que hoje orbita em torno dele precisará não apenas de um novo candidato para 2026, como de um novo nome. Tem sido chamado de “bolsonarismo” um pouco por conveniência, mas, se refletirmos bem, o nome nunca foi adequado, pois sugere que o vigoroso movimento da sociedade a sustentá-lo se esgota na expressão eleitoral. O que chamamos hoje de bolsonarismo foi se formando antes de Bolsonaro e provavelmente sobreviverá a ele. É um fenômeno social, e não meramente eleitoral. Que outro nome podemos adotar agora que Bolsonaro está impedido de concorrer?

A candidatura Bolsonaro começou a germinar muito antes de 2018. Podemos tomar as mobilizações anti-Dilma de 2015 e 2016 como ponto de partida, já que os grupos que convocavam essas manifestações terminaram apoiando Bolsonaro em 2018. E olhar ainda para a mobilização das igrejas católica e evangélicas em 2014 e 2015 contra o uso do termo “gênero” nos planos de educação (nacional, depois estaduais e municipais) e para toda a campanha contra a “ideologia de gênero” que se estruturou desde então, cujas principais lideranças apoiaram Bolsonaro em 2018.

Podemos olhar também para a formação do movimento anticorrupção, que depois se confunde com o movimento anti-Dilma/anti-PT, e para a onda social de apoio à Operação Lava-Jato que começa em 2014. Por fim, olhar para a grande mudança editorial de setores da imprensa brasileira, que abraçaram e deram destaque a ideias conservadoras nos anos 2010, ou para a cultura juvenil da zoeira e do politicamente incorreto, que ganhou projeção nas mídias sociais no mesmo período.

A candidatura de Jair Bolsonaro em 2018 é onde deságuam esses e outros movimentos da sociedade brasileira. Bolsonaro não os criou nem os liderou, apenas os articulou numa candidatura eleitoral. Mas, agora que estão bem amarrados, que outro nome daremos ao movimento que deverá sobreviver a Bolsonaro?

Podemos chamá-lo de “populismo”, seguindo diversos cientistas políticos. O movimento político que chamamos de bolsonarismo parece adequar-se perfeitamente a essa categoria da ciência política, que descreve movimentos com discursos antielites propondo conexão direta com o líder carismático e rejeitando instituições de representação como os partidos.

Mas o termo populismo é algo técnico, totalmente rejeitado pelos bolsonaristas, que não se reconhecem nele. Pensando nisso, podemos seguir outro caminho e adotar uma categoria “nativa”, como dizem os antropólogos. Podemos chamá-lo de “patriota”, termo amplamente adotado pelos bolsonaristas para se referir ao próprio campo político. O termo tem a vantagem de ser nativo, mas a desvantagem de ser positivo, quase elogioso, lembrando patriotismo ou civismo. Além disso, sugere nacionalismo, um equívoco. Embora os bolsonaristas acreditem estar defendendo o Brasil, certamente não são nacionalistas e não defendem a cultura, os empregos ou a economia nacional.

Minha opção predileta é chamar o bolsonarismo pós-Bolsonaro de “conservadorismo”, outro termo nativo. “Conservadorismo” é adotado pelos bolsonaristas e empregado como contraponto à desordem e ao progressismo. Ressalta, por um lado, a defesa da tradição e da ordem e, por outro, a rejeição aos movimentos feminista e LGBTQIA+, traços efetivamente importantes do bolsonarismo.

Está na hora de acadêmicos e jornalistas pensarem em como chamar o movimento que teve como expressão eleitoral a candidatura Bolsonaro em 2018 e 2022 e que deverá ter outro candidato em 2026 — a não ser, é claro, que essa candidatura termine ocupada pela mulher ou por um dos filhos do ex-presidente.

 

6 comentários:

EdsonLuiz disse...

■O problema de forçar para identificar o bolsosonarismo com o Conservadorismo, retirando Bolsonaro de seu próprio movimento, são vários.

O maior problema de fazer essa identificação de Bolsonaro com os conservadores é ofender o Conservadorismo, que é uma matriz politica de grandíssimo respeito, muito possivelmente a matriz política mais respeitada no mundo democrático desenvolvido. E o conservadorismo não recomenda nada da prática política de Bolsonaro. Nada!

Todo movimento personalista é um movimento populista. A definição de populismo identificada com um líder carismático se dirigindo diretamente às massas e desconsiderando as instituições e cujo programa político são as ideias do líder determina haver um líder dominador como incontornável ao pupulismo. Sendo um movimento personalista liderado por Jair Bolsonaro, é disso que vem o batismo desse movimento como bolsonarismo, e tem sim todas as características do populismo.

O bolsonarismo é um movimento populista sem tirar nem por!

O lulismo é expressão deste mesmo fenômeno, como também o trumpismo, o orbánismo, o peronismo e outros vários ismos cujos nomes são os sobrenomes dos seus líderes.

O que é diferente nos movimentos de Jair Bolsonaro e Lula é o fato de Lula, para além das massas que ele lidera sob o lulismo, agregar várias correntes propriamente ideológicas e não populistas, com estas correntes constituindo uma frente política com o lulismo e que se juntam no PT. Mas no PT é o lulismo que prevalece, com suas partes não populistas se submetendo a Lula por não possuirem expressão política suficiente para confrontar a demagogia, o fisilogismo e a corrupção que sempre estão associadas em política a personalismos. No PT se juntam, à intuição de Lula, algumas ideias de grupos políticos ideológicos que formam o PT ; no bolsonarismo o que se expressa é quase apenas a intuição de bolsonaro.

É o populismo no Brasil que precisa ser superado, para dar chance a que forças políticas coerentes, racionais e modernas se constituam e disputem ideias e programas de forma saudável em eleições menos tóxicas.

Eu não acho que seja só o bolsonarismo que precisa ser derrotado ; o lulismo precisa ser derrotado também! Os populismos se retroalimentam, sufocando as correntes de ideias racionais e fundamentadas e que precisam ganhar tração no Brasil para que, talvez pela primeira vez, alguma disputa eleitoral seja com a defesa de programas e de um projeto moderno para o país. É de ter forças políticas realmente saudáveis, politicamente coerentes e bem preparadas e que tenham um projeto de país e um programa o que a nossa democracia precisa.

Daniel disse...

O bolsonarismo pode continuar a ser assim chamado mesmo que seu líder não participe diretamente das eleições. Enquanto este criminoso mentiroso continuar liderando seus violentos seguidores, e sendo apoiado por parte majoritária dos conservadores, o termo bolsonarismo poderá ser usado e aceito como parte dominante do conservadorismo brasileiro, mesmo que não sejam termos sinônimos.

Mais um amador disse...

Perfeito

hisayo nanami disse...

QUE TAL "B O L S O N A N I S M O"?

ADEMAR AMANCIO disse...

Correto,o bolsonarismo não tem nada a ver com o conservadorismo,e ''ideologia de gênero'' é coisa inventada pela direita radical,eu,por exemplo,nunca aceitei ser homem,é uma condição de caráter intimo,não há ideologia política nisso.

EdsonLuiz disse...

Quero reconhecer e elogiar a sua coragem em se apresentar, consciente de que é uma manifestação importante para encorajar outros LGBT+ a vencerem o preconceito que sofrem.

Observo, concordando com você, Amâncio, que os avanços civilizatórios não têm ideologia e vieram todos com o aprofundamento dos valores humanistas. Os liberais são os principais defensores dos valores iluministas, e quando se trata de liberalismo o que está sendo tratado é não só o liberalismo à esquerda, a Social Democracia, mas também o liberalismo à direita, os assim chamados Conservadores. O marxismo, assim como o liberalismo, também é uma formulação inspirada pelo iluminismo, sendo também defensora dos valores progressistas ; mas isso originalmente, porque os países que adotaram o marxismo como inspiração pouco ou nada avançaram na aplicação desses valores e só agora começam a melhorar o entendimento dessas demandas progressistas. A China ainda é uma fábrica de reacionarismos e a antiga União Soviética era mais reacionária ainda. Liberais conservadores são mais radicais na defesa das liberdades individuais e na defesa dos direitos humanos.

Ao que se chama progressismo, a melhor definição que tenho é a de progresismo ser a busca pela emancipação do ser humano no objetivo de realização de sua humanidade.

Portanto progressismo nada tem a ver com ideologias maniqueístas e dicotômicas e a matriz de ideias que mais assimilou os valores progressistas do iluminismo foi o liberalismo, ao qual se filiam os conservadores políticos.

Conservadores políticos são progressistas, apenas eles entendem que é mais eficaz consolidar primeiro os avanços conquistados antes de se lançar à busca por novos avanços.

Conservadores religiosos, conservadores culturais e conservadores de costumes é outra coisa:: é destes que vêm o fundamentalismo, e fundamentalismo é coisa de maniqueísta e não está só de um lado porque tem os fundamentalistas ditos de direita e os ditos de esquerda.

No Brasil, os que se têm assumido com estridência como "de esquerda" e "de direita", estes o que praticam é mais propriamente um discurso político confuso e uma prática política completamente fundamentalista e incoerente. E os dois, os fundamentalistas à direita e à esquerda praticam muita agressão e defendem regimes ditatoriais e reacionários.

Mas eu não demonizo extremistas políticos não, de nenhum dos lados:: eu os combato, mas os respeito porque vejo como correntes de ideias existentes e , portanto, legítimas. O que eu combato são os fundamentalismos.