Correio Braziliense
A delação premiada consiste em o acusado ou
indiciado dar detalhes sobre o crime cometido em troca de benefícios, como
progressão do regime ou a redução da pena
Um mal-estar da deputada Luiza Erundina
(PSOL-SP), em plena sessão da Câmara – ela já passa bem, felizmente –, na
quinta-feira passada, impediu que fosse aprovada a toque de caixa uma proposta
que proíbe a delação premiada de quem esteja preso, ao provocar a suspensão dos
trabalhos. O projeto, originalmente de autoria do ex-deputado do PT Wadih
Damous, dormia nos escaninhos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que
resolveu pô-lo em votação para agradar os deputados da oposição que também se
articulam para aprovar uma anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de
estado de 8 de janeiro.
O recurso à delação premiada foi adotado também pelo coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Deputados do Centrão fazem um movimento de reaproximação com o ex-presidente Jair Bolsonaro, em razão das eleições municipais e da sucessão de Lira no comando da Câmara. O projeto poderia beneficiar a extrema-direita, que tem sido investigada por atos golpistas, por exemplo.
O texto, porém, não deixa claro se a
proibição será retroativa, ou seja, se delações premiadas já validadas seriam
anuladas, numa espécie de anistia disfarçada. A delação de Mauro Cid é a
peça-chave para esclarecer a participação de Bolsonaro e os generais de seu
estado maior na tentativa de golpe de 8 de janeiro.
A proposta, agora apoiada pelo Centrão, foi
apresentada em 2016 pelo advogado e ainda deputado do PT Wadih Damous, quando a
então presidente Dilma Rousseff (PT) enfrentava um processo de impeachment. À
época, seu governo lidava com o avanço da Operação Lava Jato; logo depois, o
senador ex-senador Delcídio Amaral faria delação premiada, na qual denunciou
malfeitos praticados no âmbito do Palácio do Planalto, do Senado Federal, da
Câmara, do Ministério de Minas e Energia e da Petrobras.
Pelo projeto, a delação premiada só poderá
ser validada pela Justiça caso o acusado ou o indiciado esteja respondendo em
liberdade a ações em seu desfavor. Ao texto de Wadih Damous, apresentado em
2016, foram apensadas outras sete propostas que tratam da proibição da delação
premiada de presos. A mais recente delas foi protocolada no ano passado, por
Luciano Amaral. Talvez volte à pauta na próxima semana.
Trouxas e trapaceiros
Segundo uma velha afirmação do beisebol,
muito popular nos Estados Unidos e em Cuba, “os bons rapazes terminam em
último”. Na política, também é muito comum esse raciocínio. O ardil, a
dissimulação, a esperteza e a falta de escrúpulos parecem ser a regra do jogo
predominante. Para muitos, “os fins justificam os meios”, embora essa forma de
ver a política – e Maquiavel, de forma distorcida – seja responsável por quase
tudo que deu errado na política, inclusive os malfeitos. No vale tudo da
política, quase sempre quem perde é a sociedade.
Mas voltemos aos bons rapazes. Segundo o
biólogo Richard Dawkins, o ser humano é um grande arranjo biológico, uma
espécie de máquina de sobrevivência de um gene egoísta reprodutor da espécie.
Para isso, porém, também precisa ser altruísta, cooperar com os demais
integrantes da espécie para não entrar em extinção. É aí que os bons rapazes
podem acabar em primeiro. Para explicar o raciocínio, Dawkins faz uma analogia
com os pássaros de uma mesma espécie, mas com comportamentos distintos: os
trapaceiros, os trouxas e os rancorosos, todos em luta com piolhos alojados na
cabeça, que poderiam exterminar a espécie.
Caso existissem somente trapaceiros e os
trouxas, a espécie seria extinta, porque somente o segundo cataria os piolhos
alheios, o que não seria suficiente para manter o equilíbrio ecológico. Os
trapaceiros não catam piolho de ninguém, nem podem removê-los da própria
cabeça; com a redução da população de trouxas, todos acabariam extintos.
Quando entram em cena os rancorosos, a
situação se modifica. São pássaros que ajudam uns aos outros de maneira mais ou
menos altruísta, mas que se recusavam a colaborar com os indivíduos que se
recusaram a ajudá-los. Por essa razão, os rancorosos conseguem transmitir mais
genes às gerações seguintes do que os trouxas (que ajudavam os indivíduos
indiscriminadamente e por isso eram explorados) e também que os trapaceiros
(que, implacáveis, tentavam explorar todo mundo e acabaram por se anular uns
aos outros).
Com o chamado altruísmo recíproco, a
população de trouxas diminui e os trapaceiros acabam com a sobrevivência
ameaçada pelo isolamento. Estamos vivendo um momento darwinista da política
brasileira, no qual os bons rapazes ainda estão perdendo.
Um comentário:
O pior é que ''os bons rapazes'' não existem,na terra só reencarnam espíritos devedores,rs.
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