sábado, 24 de agosto de 2024

Marcus Pestana - A obra inacabada da Nova República

Aproxima-se o aniversário de 40 anos do fim da ditadura e da inauguração do mais longo e profundo período democrático da nossa história. Na última semana, publiquei o artigo “O Legado da Redemocratização Brasileira”, onde celebrava quatro grandes feitos do período: a consolidação da democracia permanentemente testada, o Plano Real e a estabilização da economia, a criação de uma sólida rede de proteção social e a estruturação de um avançado quadro institucional na área ambiental. Para um leitor apressado poderia parecer o paraíso na terra, uma goleada histórica de 4 x 0. Ledo engano. Se as conquistas foram muitas, herdamos lacunas e gargalos inaceitáveis.

O primeiro e mais grave, verdadeira tragédia nacional, e o desempenho de nosso sistema educacional. A qualidade da educação é quase tudo. Repercute no padrão de convivência social e na cidadania, na produtividade e no emprego, na inovação, na saúde, na segurança e no grau e consistência da participação política. Pois é, saiu o IDEB/2024 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Atingimos apenas uma das três metas. Mal, mal, recuperamos os níveis pre-pandemia nos anos iniciais do ensino fundamental e tivemos retrocessos no ensino médio. Apenas Goiás, Pernambuco e Piauí, cumpriram os objetivos programados em relação ao ensino médio, porta de entrada dos jovens na vida adulta e no mercado de trabalho. A meninada não consegue somar 25 e 50 centavos ou fazer conta de duplicar ou triplicar. E não serão planos nacionais de educação cheio de boas intenções e palavras bonitas ou normas emanadas de Brasília que mudarão este quadro.

Fiquei desalentado quando li, num artigo do economista Samuel Pessoa, que na avaliação internacional do ensino (PISA) os 10% piores alunos vietnamitas estavam à frente dos 10% melhores brasileiros. O IDEB/2024 mostrou que não estamos virando o jogo. Desse jeito, o Vietnã ultrapassará o Brasil em renda per capita. Essa é a maior derrota da Nova República. Gol contra. 4 x 1.

O segundo “Calcanhar de Aquiles” é a expansão inacreditável, a sofisticação surpreendente e o enraizamento social do crime organizado. Criminalidade sempre houve. Mas não há motivos para comemorarmos uma trajetória que derivou no estabelecimento de um verdadeiro Estado paralelo por organizações como o PCC ou o Comando Vermelho. E não parece que sabemos bem como enfrentar esse enorme desafio. Fomos temporariamente derrotados. 4 x 2.

Outra lacuna difícil de engolir foi o atraso nos investimentos na infraestrutura urbana, essenciais para elevar o padrão de vida da população, principalmente a de baixa renda. Cerca de 15,8% da população, ou sejam 32 milhões de brasileiros, não têm água tratada (SNIS/2022). Em pleno século XXI, 90 milhões de pessoas no Brasil não têm coleta de esgoto (44,5% da população). Os números das regiões Norte e Nordeste, neste quesito, são de indignar um cristão. Mas, pelo menos, o novo Marco do Saneamento está virando o jogo, chamando a iniciativa privada a participar da universalização dos serviços de saneamento. O quadro do transporte coletivo e da mobilidade urbana não é diferente. As grandes metrópoles não investiram em redes eficientes de metrô e a ineficiência do sistema estimula o uso do transporte individual, desorganizando as cidades. Pena, 4 x 3.

Infelizmente, este jogo ainda não acabou.    

                       

Um comentário:

Anônimo disse...

A privatização dos serviços públicos, de toda ordem, transportes, iluminação pública e distribuição de energia, abastecimento de água e saneamentos promoveu a precarização de.todos eles.
Os profissionais que ali travavam, que tinham qualificação profissional foram todos demitidos. Seus postos de trabalho, não todos, foram ocupados por pessoa não preparadas e todos os investimentos foram cancelados. Caso exemplar é o da rodovia 040, que foi abandonada recentemente pela concessionária que recolheu por décadas, pedagio estabelecido para manutenção e duplicação de trechos da estrada. Siplismente abandonou sem nada fazer.
A precarização das escolas públicas tem obrigado a classe média a pagar escolas privadas que se prestam a cumprir o programa mínimo.
As pessoas morrem sem atendimento as portas dos hospitais público, programas de vacinação foram suprimidos.
O transporte público foi precarizado. As populações são obrigadas a buscar veículos particulares, entupindo as vias
Saneamento é cisterna e fossa.
Essa é a herança do neo liberalismo