domingo, 3 de novembro de 2024

Governança Democrática e Sustentabilidade Municipal - George Gurgel de Oliveira

Passadas as eleições, prefeitos e vereadores eleitos, agora é hora de governar. O que seria, atualmente, uma Governança Democrática Municipal no Brasil?

O conceito de Governança Democrática aqui se relaciona com a política e a gestão pública na perspectiva da sustentabilidade municipal e regional. Uma análise da política e da gestão pública dos municípios brasileiros em geral deve considerar a realidade econômica, social e ambiental desses territórios.

Atualmente, o Brasil possui 5.570 municípios distribuídos, de acordo com o IBGE, pelos 26 estados da Federação: são 1.793 no Nordeste, 1.668 no Sudeste, 1.191 no Sul e 467 no Centro-Oeste. As regiões Sul e Sudeste, as menores do País, têm juntas mais de 51% dos municípios. Minas Gerais concentra o maior número deles (853), seguida de São Paulo (645). No outro extremo, os estados localizados na região norte são os que possuem o menor número deles, apesar da grande extensão territorial: Amazonas (62), Rondônia (52), Acre (22), Amapá (16) e Roraima (15). O mais populoso é São Paulo com mais de 11 milhões de pessoas e o de menor população é Serra da Saudade, em Minas Gerais, com apenas 831 habitantes.

A maioria dos municípios brasileiros enfrentam problemas de custeio e contam apenas com as cotas constitucionais, insuficientes para sua existência. As administrações municipais não conseguem atender às expectativas de suas populações, excluídas dos seus direitos constitucionais básicos, a saber: moradia, educação, saúde, saneamento, segurança, mobilidade, trabalho e renda.

Quais as razões desta crise permanente da maioria dos municípios brasileiros? Em que esfera governamental ela se localiza?

O Pacto Federativo brasileiro atende às expectativas dos municípios e das regiões onde estão inseridos? Qual o papel dos governos, do mercado e da cidadania no enfrentamento desta realidade?

A Governança Democrática

Quais os fundamentos de uma Governança Democrática para a gestão pública municipal? Quais as questões estruturantes a serem consideradas neste contexto frente à atual realidade brasileira?

A primeira constatação importante para significar o conceito de Governança Democrática no Brasil é entender que a sociedade contemporânea está integrada de uma maneira interdependente e funciona em redes. Também é fragmentada, concentradora de riquezas e socialmente excludente, caso concreto da sociedade brasileira.

Portanto, são complexos os desafios políticos, econômicos, sociais e ambientais para transformar esta realidade brasileira na perspectiva de construção de novas relações políticas, econômicas, sociais e ambientais, tanto no plano nacional, quanto regional. Coloca-se a necessidade de uma outra perspectiva política para a nossa sociedade, no caminho de ampliação da democracia, construtora de uma nova economia, para o enfrentamento dos complexos desafios econômicos, sociais e de preservação do meio ambiente nos planos municipal, regional e nacional.

Neste contexto, a qualidade da Governança Municipal no Brasil será proporcional à relação construída entre estes diversos atores políticos, econômicos e sociais: tanto no processo político-eleitoral, quanto nos compromissos construídos e consolidados nos programas de governo e, principalmente, no exercício de governança em si, no dia a dia da sociedade municipal. A participação efetiva da sociedade civil neste processo é uma variável importante na percepção da qualidade da democracia conquistada em cada município brasileiro.

Ainda devem ser consideradas as condições necessárias para garantir uma representação política municipal, no Executivo ou Legislativo, comprometido com a Governança Democrática:

- Dispor de mecanismos de participação e avaliação que permitam conhecer a opinião da cidadania municipal, a fim de garantir que a autonomia dos eleitores seja utilizada para atender à expectativa da maioria da população, demandante das políticas públicas municipais.

- Assegurar que a liberdade de expressão alcance a todos e, em particular, garantir que se ouça a voz dos excluídos – por meios presenciais e eletrônicos, como garantia de uma participação proativa da cidadania.

Assim, o que se coloca é a necessidade de construção de um novo pacto federativo, na busca de maior autonomia para os municípios e, ao mesmo tempo de uma maior corresponsabilidade dos governos estadual e federal, com uma maior participação da sociedade para o enfrentamento dos desafios políticos, econômicos, sociais e ambientais dos municípios brasileiros na perspectiva da sustentabilidade municipal e regional.

A Sustentabilidade Municipal como início, meio e fim

A crise dos municípios e das administrações municipais brasileiras refletem um conjunto de distorções, disfuncionalidades e limites das atuais estruturas político-administrativas que são responsáveis pela formulação e implementação das políticas públicas municipais, tanto na esfera do próprio município, quanto nas suas relações a nível estadual e federal.

Esta crise permanente pode ser resumida na insuficiência de receita, na falta de visibilidade em relação às decisões sobre despesas e investimentos, na insuficiência de recursos técnico-administrativos e, ainda, na falta de participação da população na política e na gestão municipal.

Urge, neste contexto, promover imprescindíveis reformas política, administrativa e tributária que não mudem apenas os critérios de redistribuição de recursos entre União, Estados e Municípios, como também garantir aos Estados e à União recursos que viabilizem a implementação de políticas públicas, particularmente nas áreas de moradia, educação, saúde, saneamento básico, segurança e mobilidade, criando as condições para o enfrentamento da difícil realidade econômica, social e ambiental da maioria dos municípios brasileiros.

As crises recorrentes vivenciadas pela maioria dos municípios no Brasil se refletem no processo de construção e implementação das políticas públicas municipais e as suas relações nos planos estadual e federal. Coloca-se como imperativo o foco em prioridades que garantam a construção e a implementação de políticas públicas municipais voltadas para a sustentabilidade, articuladas às políticas regionais, com o apoio estadual e federal.

Há que se trabalhar a administração pública municipal em sintonia com as questões regional, estadual e nacional. A gestão municipal deve estar comprometida com a reorganização do espaço urbano a favor da cidadania, com a melhoria permanente das condições de moradia, educação, saúde, saneamento básico, segurança, mobilidade urbana e ampliação da renda familiar em função dos que mais necessitam.

Uma análise sistêmica da realidade econômica, social e ambiental é o fundamento para a construção de uma Governança Democrática e a Sustentabilidade de cada município brasileiro. O processo de construção deste governo municipal desejado deve considerar o papel e os interesses dos diversos atores políticos, econômicos, sociais e ambientais envolvidos no processo de gestão municipal e as relações do município com a região onde está inserido.

Uma Política de Governança Democrática e de Sustentabilidade Municipal deve ser construída considerando a necessidade de realizar um diagnóstico da realidade econômica, social e ambiental, dentro de um pacto político-administrativo, dialogando com os governos estadual e federal e a sociedade civil municipal.

O Conselho Consultivo para a Sustentabilidade Municipal deverá ser o espaço de discussão permanente entre os diversos atores sociais no processo de construção, implementação e acompanhamento destas políticas públicas, construídas em diálogo com os cidadãos. O Conselho será a garantia de uma participação efetiva das representações da Sociedade Civil, do Mercado e do Estado nesta construção coletiva, na perspectiva da gestão democrática e da sustentabilidade municipal.

Finalmente, uma Governança Democrática Municipal no Brasil deve garantir espaços de participação individual e coletiva, no processo de construção de uma sociedade cada vez mais democrática, que amplie a participação da cidadania, no caminho de um novo pacto político entre a sociedade e os entes federativos, reconhecendo a autonomia e as potencialidades de cada município brasileiro.

Estamos desafiados.

*George Gurgel de Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia e Diretor do Instituto Politécnico da Bahia

 

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