Passadas as eleições, prefeitos e vereadores eleitos, agora é hora de governar. O que seria, atualmente, uma Governança Democrática Municipal no Brasil?
O
conceito de Governança Democrática aqui se relaciona com a política e a gestão pública
na perspectiva da sustentabilidade municipal e regional. Uma análise da
política e da gestão pública dos municípios brasileiros em geral deve
considerar a realidade econômica, social e ambiental desses territórios.
Atualmente,
o Brasil possui 5.570 municípios distribuídos, de acordo com o IBGE, pelos 26 estados
da Federação: são 1.793 no Nordeste, 1.668 no Sudeste, 1.191 no Sul e 467 no
Centro-Oeste. As regiões Sul e Sudeste, as menores do País, têm juntas mais de
51% dos municípios. Minas Gerais concentra o maior número deles (853), seguida
de São Paulo (645). No outro extremo, os estados localizados na região norte
são os que possuem o menor número deles, apesar da grande extensão territorial:
Amazonas (62), Rondônia (52), Acre (22), Amapá (16) e Roraima (15). O mais populoso
é São Paulo com mais de 11 milhões de pessoas e o de menor população é Serra da
Saudade, em Minas Gerais, com apenas 831 habitantes.
A maioria dos municípios brasileiros enfrentam problemas de custeio e contam apenas com as cotas constitucionais, insuficientes para sua existência. As administrações municipais não conseguem atender às expectativas de suas populações, excluídas dos seus direitos constitucionais básicos, a saber: moradia, educação, saúde, saneamento, segurança, mobilidade, trabalho e renda.
Quais
as razões desta crise permanente da maioria dos municípios brasileiros? Em que
esfera governamental ela se localiza?
O Pacto Federativo brasileiro atende às expectativas dos municípios e das regiões onde estão inseridos? Qual o papel dos governos, do mercado e da cidadania no enfrentamento desta realidade?
A Governança Democrática
Quais
os fundamentos de uma Governança Democrática para a gestão pública municipal?
Quais as questões estruturantes a serem consideradas neste contexto frente à
atual realidade brasileira?
A primeira constatação importante para significar o conceito de Governança Democrática no Brasil é entender que a sociedade contemporânea está integrada de uma maneira interdependente e funciona em redes. Também é fragmentada, concentradora de riquezas e socialmente excludente, caso concreto da sociedade brasileira.
Portanto,
são complexos os desafios políticos, econômicos, sociais e ambientais para
transformar esta realidade brasileira na perspectiva de construção de novas
relações políticas, econômicas, sociais e ambientais, tanto no plano nacional, quanto
regional. Coloca-se a necessidade de uma outra perspectiva política para a
nossa sociedade, no caminho de ampliação da democracia, construtora de uma nova
economia, para o enfrentamento dos complexos desafios econômicos, sociais e de preservação
do meio ambiente nos planos municipal, regional e nacional.
Neste
contexto, a qualidade da Governança Municipal no Brasil será proporcional à
relação construída entre estes diversos atores políticos, econômicos e sociais:
tanto no processo político-eleitoral, quanto nos compromissos construídos e consolidados
nos programas de governo e, principalmente, no exercício de governança em si,
no dia a dia da sociedade municipal. A participação efetiva da sociedade civil
neste processo é uma variável importante na percepção da qualidade da
democracia conquistada em cada município brasileiro.
Ainda
devem ser consideradas as condições necessárias para garantir uma representação
política municipal, no Executivo ou Legislativo, comprometido com a Governança
Democrática:
- Dispor
de mecanismos de participação e avaliação que permitam conhecer a opinião da cidadania
municipal, a fim de garantir que a autonomia dos eleitores seja utilizada para
atender à expectativa da maioria da população, demandante das políticas
públicas municipais.
- Assegurar
que a liberdade de expressão alcance a todos e, em particular, garantir que se
ouça a voz dos excluídos – por meios presenciais e eletrônicos, como garantia
de uma participação proativa da cidadania.
Assim, o que se coloca é a necessidade de construção de um novo pacto federativo, na busca de maior autonomia para os municípios e, ao mesmo tempo de uma maior corresponsabilidade dos governos estadual e federal, com uma maior participação da sociedade para o enfrentamento dos desafios políticos, econômicos, sociais e ambientais dos municípios brasileiros na perspectiva da sustentabilidade municipal e regional.
A Sustentabilidade Municipal como início,
meio e fim
A crise
dos municípios e das administrações municipais brasileiras refletem um conjunto
de distorções, disfuncionalidades e limites das atuais estruturas
político-administrativas que são responsáveis pela formulação e implementação
das políticas públicas municipais, tanto na esfera do próprio município, quanto
nas suas relações a nível estadual e federal.
Esta
crise permanente pode ser resumida na insuficiência de receita, na falta de
visibilidade em relação às decisões sobre despesas e investimentos, na
insuficiência de recursos técnico-administrativos e, ainda, na falta de participação
da população na política e na gestão municipal.
Urge,
neste contexto, promover imprescindíveis reformas política, administrativa e
tributária que não mudem apenas os critérios de redistribuição de recursos
entre União, Estados e Municípios, como também garantir aos Estados e à União recursos
que viabilizem a implementação de políticas públicas, particularmente nas áreas
de moradia, educação, saúde, saneamento básico, segurança e mobilidade, criando
as condições para o enfrentamento da difícil realidade econômica, social e
ambiental da maioria dos municípios brasileiros.
As
crises recorrentes vivenciadas pela maioria dos municípios no Brasil se refletem
no processo de construção e implementação das políticas públicas municipais e
as suas relações nos planos estadual e federal. Coloca-se como imperativo o
foco em prioridades que garantam a construção e a implementação de políticas
públicas municipais voltadas para a sustentabilidade, articuladas às políticas
regionais, com o apoio estadual e federal.
Há que
se trabalhar a administração pública municipal em sintonia com as questões
regional, estadual e nacional. A gestão municipal deve estar comprometida com a
reorganização do espaço urbano a favor da cidadania, com a melhoria permanente das
condições de moradia, educação, saúde, saneamento básico, segurança, mobilidade
urbana e ampliação da renda familiar em função dos que mais necessitam.
Uma
análise sistêmica da realidade econômica, social e ambiental é o fundamento
para a construção de uma Governança Democrática e a Sustentabilidade de cada
município brasileiro. O processo de construção deste governo municipal desejado
deve considerar o papel e os interesses dos diversos atores políticos,
econômicos, sociais e ambientais envolvidos no processo de gestão municipal e
as relações do município com a região onde está inserido.
Uma
Política de Governança Democrática e de Sustentabilidade Municipal deve ser construída
considerando a necessidade de realizar um diagnóstico da realidade econômica,
social e ambiental, dentro de um pacto político-administrativo, dialogando com
os governos estadual e federal e a sociedade civil municipal.
O
Conselho Consultivo para a Sustentabilidade Municipal deverá ser o espaço de
discussão permanente entre os diversos atores sociais no processo de
construção, implementação e acompanhamento destas políticas públicas,
construídas em diálogo com os cidadãos. O Conselho será a garantia de uma participação
efetiva das representações da Sociedade Civil, do Mercado e do Estado nesta
construção coletiva, na perspectiva da gestão democrática e da sustentabilidade
municipal.
Finalmente,
uma Governança Democrática Municipal no Brasil deve garantir espaços de
participação individual e coletiva, no processo de construção de uma sociedade
cada vez mais democrática, que amplie a participação da cidadania, no caminho
de um novo pacto político entre a sociedade e os entes federativos,
reconhecendo a autonomia e as potencialidades de cada município brasileiro.
Estamos
desafiados.
*George
Gurgel de Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia e Diretor do
Instituto Politécnico da Bahia
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