quinta-feira, 6 de março de 2025

A geringonça de Lula - Malu Gaspar

O Globo

Circulam em Brasília diferentes teorias para explicar a escolha de Gleisi Hoffmann para a Secretaria das Relações Institucionais (SRI) de Lula. Para os articuladores do Centrão, ao nomear uma petista puro-sangue, o presidente desistiu de fazer articulação política com o Congresso. A premissa é que, se Alexandre Padilha, com perfil mais conciliador, não conseguia cumprir acordos de liberação de verba e cargos, com Gleisi a relação pode até não piorar, mas melhorar é que não vai.

Aliados bem próximos do presidente avaliam que Lula pôs Gleisi na SRI não para negociar emendas, mas para que comece já a trabalhar na composição da aliança para disputar a reeleição em 2026. Lembram que, em 2022, ela exerceu exatamente o mesmo papel no comando do PT e deu certo. É mais ou menos isso o que a própria Gleisi tem dito sobre a missão que recebeu, tanto em público quanto nos bastidores.

Embora pareçam divergentes, as duas visões partem do mesmo diagnóstico: Lula se rendeu aos fatos e aceitou que a SRI não tem poder para negociar votações com o Congresso em troca de emendas ou cargos.

Com R$ 50 bilhões por ano garantidos para usar sem precisar do Executivo, os parlamentares não aceitam mais a liberação de recursos a conta-gotas, como ocorria no passado. Hoje dependem muito mais dos presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e dos líderes partidários, que organizam o destino dessas emendas, que do governo.

“Toda vez que tem algum projeto importante, eles apresentam a conta direto ao presidente. E são sempre eles que entregam a conta, são eles que resolvem”, resume um desses aliados.

Sabendo disso, Jair Bolsonaro não teve problemas em delegar a Arthur Lira (PP-AL), como presidente da Câmara, e a Ciro Nogueira (PP-PI), senador que ocupava sua Casa Civil, a missão de “resolver” os projetos com o Congresso. Em tese, o caminho inevitável para Lula seria fazer o mesmo e empoderar um de seus ministros palacianos, como Rui Costa (Casa Civil) ou a própria Gleisi. Ou então escalar alguém do Centrão para a missão.

Não fez isso, avaliam os operadores da política, porque preferiu apostar no dique de contenção do Supremo Tribunal Federal (STF), que concentra as negociações sobre a regulação das emendas via Flávio Dino e ainda abriga uma série de investigações sobre desvio na aplicação dos recursos que miram diretamente deputados e senadores. Nesse contexto, há quem não veja como piada a afirmação corrente no Congresso segundo a qual Dino é o verdadeiro líder do governo.

Durante o carnaval, ele fechou acordo com os presidentes da Câmara e do Senado para que se identifique claramente quem são os donos das emendas, permitindo rastreamento e fiscalização da aplicação dos recursos. Em tese, parece tudo resolvido, mas não há nesse novo plano de trabalho nada muito diferente do que já vinha sendo exigido antes e não estava funcionando.

Por isso o que parece ter sido garantido é uma trégua até maio, quando o Congresso tem de demonstrar se tem cumprido os compromissos. A menos que o cenário mude em relação ao que se viu no ano passado, a tendência é que, ali na frente, surjam novos atritos.

Enquanto isso, Lula precisa de uma agenda mínima que o ajude a recuperar popularidade e chegar forte a 2026. A reforma ministerial deveria ser parte do plano. Mas até agora só se viu uma dança das cadeiras entre petistas. Quanto mais o tempo passa, mais caro fica para os líderes do Centrão aderir a um governo com aprovação em queda, que ruma claramente para a esquerda.

Lula não é nenhum neófito e já conseguiu na política muita coisa inédita. Mas fazer essa geringonça, ops, coalizão, levá-lo à vitória em 2026 exigirá um nível a mais de inventividade e perícia.

 

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