O Globo
Tanto Lula quanto Bolsonaro estão convencidos de que só eles podem levar adiante os planos grandiosos que têm para o país
A insistência do ex-presidente Bolsonaro em
manter-se candidato à Presidência da República em 2026, mesmo já julgado
inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tem o objetivo de
manter seu lugar intocado como líder da direita, mesmo que para isso precise
abrir caminho à reeleição do presidente Lula.
Foi o que o próprio Lula fez em 2018, colocando o hoje ministro da Fazenda Fernando Haddad em seu lugar na chapa presidencial pouco menos de um mês antes da eleição, sem chances de vencer. Lula conseguiu se desvencilhar das condenações graças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e voltou a ser o único nome da esquerda capaz de impedir a reeleição de Bolsonaro.
Qualquer nome da direita que se apresente sem
aval de Bolsonaro terá chances mínimas de derrotar Lula, mesmo que a
popularidade do presidente continue baixa. Estará em jogo, mais uma vez, a
dicotomia direita x esquerda. Interessará a Bolsonaro marcar posição, como Lula
fez, de ser o único líder de direita que tem votos.
Deixando para apoiar um candidato no último
mês de campanha, Bolsonaro já conseguirá manter o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, fora da disputa, pois governadores terão de deixar seus
cargos até abril do ano que vem para poder competir. Tarcísio não se arriscará
a perder uma reeleição quase certa para entrar numa disputa presidencial contra
a vontade de Bolsonaro.
Outros governadores bem avaliados, como os de
Goiás, Minas, Paraná, terão candidaturas tranquilas para o Senado, onde duas
vagas estarão em disputa. A direita será dividida se um deles se dispuser a
disputar sem o aval de Bolsonaro. Uma decisão dessas pode mostrar uma
independência que certamente agradará aos eleitores de centro-direita que não
gostam de Bolsonaro, mas provocará rejeição dos bolsonaristas de raiz, o que
enfraquecerá a candidatura de direita.
A única maneira de vencer a eleição de 2026
seria Bolsonaro, encerrado no STF o processo judicial que provavelmente o
levará à cadeia, anunciar seu apoio a Tarcísio. Todos os demais governadores de
direita o apoiariam, e estaria aberto o caminho à união da direita contra
qualquer candidato da esquerda, mesmo que seja Lula.
Essa união poderia servir até para
desestimular a reeleição de Lula, que se veria obrigado a pensar em apoiar um
candidato mais viável que ele, capaz de disputar o apoio do centro. O tipo de
liderança que os dois exercem, no entanto, não permite vislumbrar uma
estratégia dessa grandeza política em prol de um projeto, pois tanto Lula
quanto Bolsonaro estão convencidos de que só eles podem levar adiante os planos
grandiosos que têm para o país.
Por isso insiste Bolsonaro em sua
candidatura, e insistiu Lula na sua, pois não veem ninguém que possa
substituí-los. Por isso Bolsonaro só pensa num substituto dentro de sua
família, mesmo assim com ressalvas e resistência. Seu sobrenome é sua melhor alternativa
para substituí-lo, independentemente de quem tenha capacidade para tal, pois
outro, para ele, não existe.
Lula conseguiu reunir em torno de si
seguidores que não têm objetivos próprios. Os que um dia tiveram, como
Cristovam Buarque ou Eduardo Suplicy, foram alijados por suas qualidades. Ciro
Gomes, nesse vácuo de poder, pode ser uma alternativa, mas será, mais que
nunca, uma candidatura independente e alternativa, sem estrutura partidária
capaz de apoiá-lo numa campanha acirrada. Pode ser que, depois de tantas
campanhas, essa seja aquela em que esteja mais livre. Com tantas surpresas,
mais uma não seria impossível.
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