quinta-feira, 6 de março de 2025

O eloquente silêncio de Tarcísio ante Trump - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Responsável por 1/3 de tudo que o Brasil vende aos EUA, São Paulo seria o Estado mais prejudicado por um tarifaço

Dois terços das exportações do Brasil para os Estados Unidos têm origem em Estados de governadores que, em 2022, se alinharam ao bolsonarismo. São Paulo sozinho é responsável por 33,6% do que o Brasil vendeu aos EUA em 2024.

A ameaça de sobretaxa sobre produtos brasileiros, agora nominada pelo presidente americano, não moveu nenhum desses governadores em defesa da economia de seus Estados. O produto de exportação que mais preocupa o bolsonarismo hoje é o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), cujo passaporte está ameaçado de apreensão pela denúncia de crime de lesa-pátria.

Neste ano, o filho do ex-presidente já esteve três vezes nos EUA. É um dos articuladores da proposta que avança no Congresso americano para barrar o ingresso no país de autoridades estrangeiras que infrinjam a “liberdade de expressão” dos EUA. Foi uma medida talhada para atingir o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, pela contenda em torno da queda de braço com as gigantes de tecnologia daquele país.

Desde a posse de Trump, os governadores bolsonaristas têm se pautado por eloquente silêncio. Aquilo que disseram naquele momento, porém, sugere que assim como na segurança pública, a aposta é de que todo o desgaste recaia sobre o governo federal.

Tomem-se, por exemplo, as manifestações do governador paulista, Tarcísio de Freitas. Depois de ter posado de boné vermelho “Make America Great Again” no dia da eleição de Trump em vídeo em que proclamava o “grande dia”, o governador paulista expôs suas expectativas sobre os Estados Unidos a partir de sua posse: “Uma economia mais forte, com menos impostos, uma outra visão acerca da América Latina, uma postura diferente em relação às disputas comerciais que podem virar oportunidades para nós se bem lidas e aproveitadas”.

Uma leitura possível, que é partilhada por integrantes bem-postos do governo brasileiro, é que Tarcísio faça cara de paisagem ante a escalada tarifária trumpista na expectativa de que o governo federal tropece nas negociações.

No Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio não se descarta, por exemplo, que haja pressão americana para o governo negociar tarifas e cotas num único balaio, que passe, por exemplo, pela manutenção da cota de exportação de aço mediante a redução daquela de etanol. Isso acabaria por semear, entre setores prejudicados, animosidade contra o governo federal sem, necessariamente, resultar em “gratidão” daqueles que tiveram seus espaços preservados - uma reprise do comportamento do eleitorado ante as políticas públicas.

O vice-presidente e titular do Midc, Geraldo Alckmin, conversará por videoconferência, nesta quinta, com o Secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick. Espera-se que saia de lá com mais clareza sobre o rumo que o governo americano pretende imprimir à negociação.

México e Canadá, que ganharam um mês de prazo até a imposição dos 25%, foram informados, na quarta (5), do adiamento das tarifas sobre a indústria automobilística daqueles países, por óbvia pressão das montadoras de Detroit cuja integração com os dois países seria desmantelada pelo tarifaço.

Por isso, é possível que os governadores bolsonaristas estejam de braços cruzados na expectativa de que Trump esteja blefando. Não valeria a pena o desgaste de se confrontar com um governo que tem se mostrado útil ao ex-presidente em sua guerra com o STF - vide a participação da empresa de Trump na ação por “censura” contra Moraes na justiça americana.

Não é o que o resto do mundo tem feito. Governos, empresas, entidades empresariais têm se articulado para antever e conter os estragos da política comercial de Trump. O congraçamento público entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador paulista no lançamento do edital do túnel Santos-Guarujá não se estendeu a uma troca de figurinhas no tema.

Alckmin tem estreitado as relações com a Fiesp e a CNI, mas as cobranças das entidades sobre os governadores é tímida, para não dizer inexistente. Dias atrás, um estudo da diretoria de comércio exterior da Fiesp limitou-se a sugerir uma maior colaboração do empresariado junto ao governo federal para a celeridade de respostas contra medidas que prejudiquem produtos brasileiros.

A cobrança sobre o governador deve vir de rodadas setoriais a serem promovidas pela Fiesp. Se comparecer, Tarcísio de Freitas será convidado a se posicionar sobre a política comercial americana e as medidas a serem tomadas pelo governo de São Paulo em defesa de sua economia.

O tema reaproxima Alckmin da elite empresarial do Estado que governou quatro vezes mas não está claro se será capaz de desfazer sua inconteste adesão às ambições políticas do governador paulista rumo ao Palácio do Planalto em 2026.

A inação dos governadores para proteger a economia - e os empregos - de seus Estados em nada tem prejudicado sua imagem ante os eleitores. O governador de São Paulo tem mais que o dobro da aprovação colhida por Lula no Estado (61% x 29%) segundo a Genial/Quaest. O foco que suas redes sociais dedicam à segurança pública sugere que o governador acredite em mais dividendos decorrentes das prisões efetuadas por policiais fantasiados de Power Rangers no carnaval do que numa defesa efetiva da indústria e do agronegócio paulistas.

 

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