Correio Braziliense
O governo precisa fazer um corte de despesas
da ordem de R$ 30,9 bilhões para ajustar seus gastos à receita em 2025 e
permitir que o Banco Central (BC) reduza a taxa de juros
O governo Lula dá a impressão de que ficou
prisioneiro do tempo, e os dias se repetem, com pequenas variações, como no Dia
da Marmota, um velho filme xarope de Hollywood. Na história, o repórter Phil
Connors vai à pequena Punxsutawney fazer a cobertura do evento e fica preso no
tempo. É um nonsense. A indicação da deputada Gleisi Hoffman (PT-PR) para a
Secretaria de Relações Institucionais do Palácio do Planalto é vista, nos
bastidores do Congresso, como exemplo de que as coisas se repetem nos governos do
PT: a nova ministra foi chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff.
Gleisi tem boas relações com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (PR-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). O problema é outro. Dona de um estilo “bateu, levou”, a nova ministra é porta-voz da ala do PT que critica a condução da economia pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que já sofre oposição do ministro da Casa Civil, Rui Costa; com Gleisi, ficará vendido na relação com o Congresso.
Esse conflito pode emergir na votação do
Orçamento da União, na próxima semana, já que sua aprovação foi destravada
porque o plano de trabalho apresentado pelo Congresso e pelo governo com o
objetivo de garantir o pagamento das emendas parlamentares foi validado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF). Transparência e rastreabilidade nos repasses do
dinheiro, porém, não alteram o montante de recursos destinados a essas emendas.
O centro da questão é fiscal. Muitas despesas
ainda precisam ser ajustadas. A proposta de orçamento foi enviada em agosto do
ano passado, sem contemplar o corte de despesas aprovado no fim do ano. O
Legislativo terá que rever as estimativas de gastos e, também, de arrecadação.
Mais despesas terão de ser anuladas.
É que não será possível arrecadar R$ 18,8
bilhões por conta do fim da desoneração da folha de pagamentos; outros R$ 13,4
bilhões, com a CSLL e juros sobre capital próprio, também não. Assim como
recursos adicionais de “offshores” e de dinheiro esquecido em contas pelos
correntistas, fatores que favoreceram a arrecadação em 2024.
O governo conta com o impacto positivo na
arrecadação de 2025 de R$ 16,8 bilhões por conta da MP 1.261, que dá novo
tratamento ao crédito de perdas de instituições financeiras; e mais o ingresso
de R$ 65 bilhões em impostos pelo voto de qualidade do Carf (Conselho
Administrativo de recursos Fiscais), embora tenham ingressado somente R$ 300
milhões em 2024 (a estimativa inicial era de R$ 55 bilhões).
A proposta de Orçamento eleva as receitas
primárias em R$ 22,5 bilhões, ou seja, para um total de R$ 2,93 trilhões em
2025, considerados irrealistas por técnicos do orçamento. O salário mínimo
estava estimado em R$ 1.509. Como a inflação ficou mais alta, e considerando as
novas regras de correção, o valor acabou ficando um pouco maior: R$ 1.518. Isso
implicará gasto adicional, no pagamento de aposentadorias, pensões e
benefícios, de cerca de R$ 3,5 bilhões em 2025.
Partido alto
Mas a conta não fecha. Devido ao limite
global de despesas, terão de ser bloqueados outros gastos. O governo estima uma
economia de R$ 69,8 bilhões em 2025 e 2026, dos quais R$ 30 bilhões somente em
2025, com o corte de gastos. O mercado, porém, contabiliza cerca de R$ 45
bilhões nos dois anos. O Pé-de-Meia, que tem R$ 6 bilhões em um fundo
extraorçamentário, e o vale-gás (R$ 600 milhões) no orçamento exigirão que
sejam bloqueados mais gastos.
Para completar, além dos cerca de R$ 39
bilhões em emendas que já constam na previsão, os parlamentares querem mais R$
11,5 bilhões para as chamadas “emendas de comissão”, que ainda não estão
contempladas no orçamento. Segundo o arcabouço fiscal aprovado em 2023, a
despesa do governo não pode crescer mais do que 2,5% (acima da inflação). Caso
isso aconteça, o governo é obrigado a bloquear gastos, como fez em 2024.
Além disso, a meta aprovada na LDO é zerar o
deficit fiscal em 2025. Entretanto, há um intervalo de tolerância de 0,25 ponto
percentual para cima e para baixo. Com isso, o governo pode ter um deficit de
até R$ 31 bilhões neste ano. O Supremo Tribunal Federal ainda autorizou o
abatimento de precatórios atrasados da meta fiscal, estimados em cerca de R$ 44
bilhões neste ano.
Economia e política têm ciclos diferentes. O
presidente Lula aposta no crescimento da despesa pública e do crédito para
reverter a queda de popularidade, provocada, sobretudo, pela inflação; ao mesmo
tempo, o Banco Central (BC) aumenta os juros, porque o governo gasta mais do
que arrecada e isso provoca alta mais inflação. É uma rota de colisão.
Nas contas do economista Felipe Salto (O
Estado de S. Paulo, 3/3), o governo precisa fazer um corte de despesas da ordem
de R$ 30,9 bilhões para ajustar seus gastos à receita em 2025 e, assim,
permitir que o Banco Central (BC) reduza a taxa de juros pra conter a alta dos
preços. Se não fizer o ajuste logo, pode perder o bonde da reeleição. Lula
parece aquele personagem de um velho partido alto de Paulo César Pinheiro e
Wilson das Neves: “Eu perguntei ao tempo/ Quanto tempo eu tenho/ Pra passar o
tempo/ O tempo me respondeu/ Deixo o tempo passar/ Você tem muito tempo”.
Acontece que não tem.
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