Trump faz renascer riscos que todos julgavam superados
O Globo
No mundo da fantasia de seu discurso, ele
assume papel de salvador. Na realidade, é a maior fonte de tensão
No primeiro pronunciamento ao Congresso desde
a posse em janeiro, Donald Trump demonstrou
estar disposto a cumprir suas piores ameaças de campanha. Em discurso de cem
minutos, pintou um mundo de fantasia em que se apresenta como salvador de um
país em apuros. Na realidade, seu governo se tornou a maior fonte de incerteza
e tensão do planeta. Trump fez renascer riscos que todos acreditavam superados.
Não bastasse o alinhamento à Rússia (em detrimento da Ucrânia) que já lançou os
países europeus numa nova era de rearmamento, não bastasse o caos imposto ao
setor público com cortes inconsequentes ou ilegais, ele deflagrou uma guerra
comercial cujos desdobramentos serão nocivos para a economia global e para seu
próprio país.
Em fevereiro, anunciou tarifas sobre aço e alumínio. Nesta semana, os produtos importados de Canadá e México começaram a pagar 25% de alíquota na alfândega. A taxa sobre produtos chineses subiu 20 pontos percentuais. Em resposta, China e Canadá retaliaram. Depois do naufrágio do mercado acionário, autoridades americanas afirmaram ser viável um acordo para reduzir as tarifas (as montadoras obtiveram um adiamento). Trump, contudo, se mostra irredutível — e citou o Brasil entre os alvos. Na primeira semana de abril serão impostas barreiras a produtos agrícolas. É dado como certo que o etanol brasileiro estará na lista.
Com seu mercantilismo primitivo, Trump
pretende zerar o déficit comercial, usar a receita das tarifas para financiar o
governo e retornar a um passado idílico caracterizado pela força industrial.
Nenhum economista sério acredita que isso faça sentido. Ao contrário, o custo
será alto, não apenas na forma de inflação, mas em perda de produtividade e má
alocação do capital. A guerra comercial prejudicará o crescimento global e a
eficiência da própria economia americana, com menos oportunidades para investimentos.
É verdade que a tarifa média sobre importados
nos Estados Unidos é baixa, cerca de 3%. Mas não destoa da cobrada noutros
países ricos: 2% na Austrália, 4% no Canadá, Japão e Reino Unido, 5% na União
Europeia (UE). No Brasil, os produtos americanos pagam na média 12,4%, mas 48%
passam pela alfândega isentos, e 15% são taxados abaixo de 2%. E os americanos
são superavitários no comércio bilateral.
Nas próximas semanas, o governo brasileiro
precisa adotar uma estratégia sofisticada. Negociar a queda de tarifas em
alguns setores poderá ser benéfico. Os consumidores brasileiros, reféns de
produtores locais caros e ruins, têm muito a ganhar com um leque maior de
opções baratas. Mas a retaliação não deve ser descartada. Boa parte do que o
Brasil vende aos Estados Unidos são produtos industrializados. Encontrar
mercados alternativos não será simples. O novo panorama comercial torna ainda
mais urgente acelerar a implementação de acordos de livre-comércio, e não
apenas com a UE.
Para o agronegócio, as oportunidades são mais
evidentes. Em resposta a Trump, os chineses elevaram tarifas sobre frango,
trigo, milho, algodão, soja, porco, carne, frutas, vegetais e laticínios
americanos. Com isso, o exportador brasileiro levará vantagem na disputa pelo
imenso mercado chinês. Haverá na certa situações semelhantes noutros países. Ao
promover o protecionismo, Trump pagará um preço alto. Para o Brasil, felizmente
o mundo não se resume aos Estados Unidos.
Pontes em estado precário revelam urgência de
privatizar mais rodovias
O Globo
Das 113 mil existentes no Brasil, há pelo
menos mil em condição ruim ou crítica — e 37% têm mais de 50 anos
Técnicos costumam dizer que nenhuma ponte cai
de repente. Há avisos. Se houver vistorias periódicas, sempre será possível
repará-las ou, no mínimo, interditá-las para salvar vidas. Como não houve nem
uma coisa nem outra, o desabamento da Ponte Juscelino Kubitschek, sobre o
Rio Tocantins,
em dezembro, deixou 14 mortos e três desaparecidos. Os números sugerem que
haverá outros casos assim se ninguém tomar providências. Há 736 pontes em
estado crítico ou ruim no Brasil, de acordo com os dados oficiais do
Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (Dnit) revelados pelo GLOBO.
As estatísticas do Panorama Geral das Pontes
Brasileiras sugerem que os riscos podem ser ainda maiores. Das 113.168 pontes
existentes no país, apenas 12.142 passaram por alguma inspeção, e as condições
de 1.039 foram classificadas como críticas ou ruins. Do total, 42 mil (37%) têm
mais de 50 anos. É um percentual elevado e preocupante, pois todas elas exigem
cuidados especiais para continuar funcionando sem risco. Há poucos dias, o Dnit
fechou a Ponte dos Índios, sobre o Rio Pindaré, entre as cidades de Santa Inês
e Bom Jardim, no Maranhão. A medida foi tomada depois que indígenas advertiram
que a corrosão fez cair parte da estrutura embaixo do vão central.
A interdição infelizmente é uma exceção. Não
se conhecem as condições de mais de 100 mil pontes, ou quase 90%, a maioria de
responsabilidade de estados e municípios, de acordo com Ademir Santos,
professor aposentado de pontes e estruturas de concreto da Universidade Federal
da Bahia (UFBA). A estrutura de vistoria e fiscalização é precária ou mesmo
inexistente, segundo constatou estudo sobre o assunto apresentado em outubro
por Santos e dois coautores no 65º Congresso Brasileiro do Concreto.
O Programa de Manutenção e Reabilitação de
Estruturas do Dnit estima gastos de R$ 5,83 bilhões em 816 obras. Como não
parece haver sentido de urgência, as autoridades ainda esperam resposta do
setor de engenharia e construção sobre a capacidade de atender à demanda. Para
evitar tragédias, seria necessário investir bem mais em infraestrutura de
transporte. Em 2023, os investimentos ficaram em 0,56% do PIB, segundo estudo
da MC2R Inteligência Estratégica. A Associação Brasileira da Infraestrutura e
Indústrias de Base (Abdib) calculou, no mesmo ano, que o país precisaria
investir 2,26% do PIB apenas para cobrir a depreciação dos ativos públicos de
transportes.
Por 25 anos, o Brasil tem investido menos de
1% do PIB no setor, enquanto China, Rússia,Índia, Coreia do Sul, Vietnã, Chile
e Colômbia despendem em média 3,4%. Tais números comprovam mais uma vez a
necessidade de promover concessões de rodovias ao setor privado. Nem todas as
estradas serão viáveis sob a administração privada, por isso o poder público
precisará continuar a mantê-las. Justamente para manter o foco nessas e
contribuir para preservar vidas, é preciso acelerar a privatização das demais.
Guerra tarifária obscurece expectativas dos
mercados
Valor Econômico
Os efeitos financeiros da reviravolta provocada por Trump podem trazer mais estragos ao Brasil pois as contas fiscais estão fora de ordem
A incerteza passou a dominar as perspectivas
econômicas e políticas globais com o frenesi de centenas de ordens executivas
emitidas pelo presidente Donald Trump. As de maior impacto mundial, o início de
bloqueio tarifário aos maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos, está
apenas começando, mas, computadas as ameaças já feitas por Trump, englobará
qualquer país com alguma relevância comercial no mundo. Os efeitos do
isolacionismo e da muralha tarifária são conhecidos, mas as mudanças nos preços
dos ativos financeiros indicam mais turbulências à frente e desaceleração
econômica.
As bolsas americanas já eliminaram com as
últimas quedas todos os ganhos dos acionistas desde que Trump venceu as
eleições. Os preços das ações continuam altos, mas passou a ser mais difícil
apostar em melhores resultados econômicos das empresas quando os indicadores
começam a mudar de sinal e a guerra tarifária iniciada pelo presidente
republicano tende a promover um aumento significativo nos custos de produção
domésticos. Além disso, as empresas de tecnologia, que dominam o índice e
puxaram as altas, sofreram um baque com o programa de IA chinês DeepSeek, que
colocou em xeque a equação financeira das big techs americanas, em especial a
necessidade de data centers bilionários e vorazes consumidores de energia.
A valorização do dólar, uma consequência dos
aumentos de preços esperados com os aumentos tarifários e, em consequência, da
manutenção de juros altos pelo Federal Reserve, ainda não entrou em cena. Ao
contrário, o dólar perdeu 1% do valor apenas na terça-feira, diante de uma
cesta de moedas dos países com os quais mais comercia. No Brasil, o real esteve
ontem entre as divisas que mais ganharam força ante o dólar entre 33 países.
Há motivos pontuais para isso, como o fato de
Trump ter adiado a aplicação de tarifas sobre automóveis vindos dos países
taxados vizinhos, Canadá e México. Trump parece ter descoberto que, pelo acordo
de livre comércio, peças, componentes e outros itens utilizados na fabricação
de carros entravam sem gravames nos EUA e passariam a pagar 25%. A empresa de
rating S&P estimou que isso aniquilaria de 10% e 25% do Ebitda (lucro antes
de impostos, juros, depreciação e amortização) das montadoras. Elas, por exemplo,
consumiriam todo o lucro da GM.
Mas há motivos que podem se concretizar e se
tornarem mais relevantes. As expectativas de que a economia americana
permaneceria sólida e com bom crescimento começam a desvanecer após a enxurrada
tarifária. Os gastos de consumo recuaram em janeiro, os índices de confiança
seguiram o mesmo caminho e os serviços, segundo o ISM Composite (índice dos
gerentes de compras que computa desempenho da indústria e setor terciário)
parou de crescer, no que foi acompanhado pelos preços. Serviços compõem dois
terços do PIB americano.
O Federal Reserve de Atlanta previu uma
contração forte da economia americana no primeiro trimestre. Os dados de
investimento empresarial apontam queda. Como os juros vão reagir no futuro é
uma enorme incógnita. Os investidores, que esperavam só mais um corte nas taxas
até o fim do ano, após a última reunião do Fed em janeiro - e boa parte deles,
nenhuma -, passaram a ver mais chances de duas reduções no ano. Por outro lado,
a Moody’s vê a possibilidade nada desprezível de os EUA entrarem em estagflação,
a péssima combinação de baixa expansão com inflação alta - as tarifas, na
magnitude e extensão colocadas por Trump, poderiam ter esse efeito. Seria a
primeira vez em meio século (década de 70) que isso ocorreria. Uma das
consequências é que os juros não cairiam para impedir o esfriamento das
atividades, mas, ao contrário, subiriam para deter a alta dos preços.
No caso de estagflação americana, com juros
altos, as políticas monetárias de países como o Brasil se manteriam
pressionadas, e o dólar poderia ter algum ímpeto de valorização, dando fôlego à
inflação fora dos EUA. Por outro lado, esse seria mais um fator adicional de
desaceleração econômica global e de perda de fôlego das exportações americanas.
Nesse cenário, Trump, que queria pôr fim ao déficit comercial americano e
atribuiu toda a culpa da inflação ao antecessor Joe Biden, não fechará o saldo
negativo comercial e colherá inflação alta. A política fiscal de Trump pode
jogar mais combustível aos preços, pois será expansionista em um país cujo
déficit anual é de 6,4% do PIB, ou US$ 1,8 trilhão.
No caso do Brasil, há boas e más notícias. A
China, em retaliação, taxou os bens agrícolas dos EUA, abrindo mais espaço para
commodities brasileiras. Mas os EUA estão perto de sacramentar tarifas sobre o
aço do Brasil, seu segundo maior fornecedor. Trump tem dado cada vez mais
indícios de que aplicará “reciprocidade” às tarifas brasileiras, que são altas.
Como um país relativamente fechado e pouco competitivo, a guerra tarifária não
tende a causar graves danos à economia brasileira. Os efeitos financeiros da
reviravolta provocada por Trump podem trazer mais estragos, pois as contas
fiscais estão fora de ordem. Ainda há tempo para consertar esta falha.
Trump dobra a aposta no confronto
Folha de S. Paulo
Presidente se compromete com ações drásticas,
como a ofensiva tarifária e o alinhamento com Putin em relação à Ucrânia
Em 1987, quando era só um polêmico
empreendedor, Donald Trump lançou
um livro, escrito de fato pelo jornalista Tony Schwartz, chamado "A Arte
do Negócio", sobre sua suposta genialidade empresarial.
A obra pode ser um guia para entender a mente
do presidente americano, que suscita alarme com sua abordagem agressiva em
temas como a ofensiva tarifária, a Guerra da Ucrânia ou
o futuro da Faixa de Gaza.
Se está mantido o ideário negocial do Trump
de quase 40 anos atrás, todas as ameaças seguem uma lógica: tumultuar o
ambiente e assustar ao máximo o rival com exigências absurdas para, ao fim,
arrancar concessões.
É uma leitura plausível dos acontecimentos,
mas que não chega a ser tranquilizadora. Passados 45 dias de sua volta à Casa
Branca, o republicano parece dobrar a aposta no confronto.
A começar pela guerra tarifária, que foi
disparada contra os vizinhos México e Canadá e
logo suspensa. Agora, as alíquotas de importação de 25% entraram em vigor,
assim como os 20% aplicados sobre produtos chineses, o alvo real do equilíbrio
comercial pretendido no discurso de Trump.
Ainda falta o teste da realidade para o
argumento de que tal protecionismo vai gerar empregos, mas a ideia de que ele
fará com que os EUA importe inflação está bastante consolidada. A medida
acarreta juros mais
altos, numa espiral de impactos no varejo doméstico e para consumidores de
outros países, como o Brasil.
Dada a interconexão entre as maiores
economias do mundo, EUA e China, a
resultante dessa escalada tende a ser nefasta.
Na Europa, Trump
ungiu Volodimir
Zelenski como seu bode expiatório, armando uma espécie
de emboscada ao vivo em encontro na Casa Branca. A partir dessa debacle
histórica, com direito a bate-boca e expulsão do visitante, o americano
suspendeu a ajuda militar à Ucrânia na sua luta contra Vladimir
Putin.
Zelenski pediu perdão, mas parece improvável
que o republicano vá deixar o alinhamento com o autocrata russo. Aqui, não
seguiu o conselho central de seu livro: "A pior coisa que você pode fazer
em uma negociação é parecer desesperado para fechá-la".
O embate azedou as relações entre Trump e a
Europa, com a aliança militar Otan à
frente. Governantes no continente correm
a fazer contas para se rearmar, o que leva tempo e, ao fim, favorecerá
empresas americanas.
Toda essa movimentação foi reafirmada
no primeiro
discurso do mandatário ao Congresso nesta gestão, com outros aspectos
inquietantes. O anômalo ideário de enxugamento da máquina pública pelas mãos do
bilionário Elon Musk foi aclamado, e Panamá e Groenlândia foram de novo
ameaçados, assim como políticas ambientais e de diversidade.
Sem possibilidade de reeleição e em cenário
muito mais favorável a ações drásticas do que no primeiro mandato, o Trump de
2025 confronta-se com o de 1987; resta saber qual prevalecerá.
É preciso evitar mais energia poluente e alta
da conta de luz
Folha de S. Paulo
Dispositivos incluídos pelo Congresso em
projeto que regulamenta geração eólica atentam contra ambiente e consumidores
Não é de hoje que o
setor elétrico brasileiro sofre com mau planejamento, crescimento
desequilibrado de fontes geradoras e uma miríade de subsídios cruzados que
oneram em demasia a conta de luz para os consumidores.
O episódio mais recente desse enredo de
desmandos se deu com o projeto de lei que regulamenta a instalação de
equipamentos para geração eólica em alto mar, assediado por grupos de
interesse.
Duvidoso em si mesmo devido à incerteza de
retorno dessa tecnologia, o texto foi aviltado pelo Congresso com dispositivos
de natureza diversa do objetivo central —os famigerados "jabutis".
É
o caso da reserva de mercado para usinas poluentes, movidas a carvão e gás
inflexíveis, que precisam operar durante 70% do tempo, em localidades de
interesse político. Seriam garantidos 4,25 GW a essas modalidades, com custo
elevado e emissão de gases de efeito estufa.
Segundo nota técnica do Observatório do Clima e da
Coalizão Energia Limpa, a intervenção do Congresso no projeto teria o potencial
de gerar emissões de 274,4 milhões de toneladas de CO2 em 25 anos, com repasse
às tarifas estimado em até R$ 658 bilhões no período —ou R$ 25 bilhões ao ano,
equivalentes a um reajuste de 11% na conta de luz.
Os valores são objeto de controvérsia, mas
mesmo assim há profundo ceticismo no setor com a iniciativa. Felizmente
os artigos foram vetados por Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), no entanto
é elevado o risco de os parlamentares restabelecerem seu texto.
Não é a primeira ofensiva do tipo. Durante a
privatização da Eletrobras,
tentou-se o mesmo para produzir ainda mais energia poluente. Os problemas
também têm aumentado com o volume exagerado de subsídios para fontes
renováveis.
Não há falta de oferta de energia atualmente,
mas a expansão da geração cada vez mais dependente de fontes intermitentes sem
adequada estrutura de transmissão tem causado dificuldades de operação —e até
apagões, como ocorreu em 2023.
Com potência elevada em momentos de pico,
sobretudo no Nordeste, sem que se possa distribuir a energia onde há maior
demanda, interrupções têm sido mais frequentes, com prejuízos para as empresas.
Há o risco de que tais prejuízos também acabem distribuídos na conta de luz, o que seria outro fator de encarecimento. É preciso planejamento centralizado com fontes estáveis, inclusive hídricas, e maior investimento em transmissão. E cabe ao Congresso manter os vetos presidenciais.
Trump em estado bruto
O Estado de S. Paulo
No momento em que castiga México e Canadá com
tarifas inexplicáveis e bagunça cadeias produtivas globais, Trump celebra a si
mesmo e promete mais disrupção em discurso ao Congresso
O primeiro pronunciamento presidencial anual
no Congresso americano de Donald Trump em seu novo mandato foi um sucesso – ao
menos para os fins almejados por ele. Ecoando o discurso de posse – que por sua
vez ecoou os comícios de campanha –, o pronunciamento foi calculado para
humilhar os democratas, intimidar republicanos, unir o movimento trumpista
Maga, mas, acima de tudo, celebrar o próprio Trump. Por isso, considerando os
fins almejados pela Constituição – um diagnóstico ao Congresso acompanhado de recomendações
– e pela tradição – uma demonstração cerimonial de unidade entre os Poderes –,
o discurso foi um desastre.
Como bom populista, Trump invocou agendas
populares: ampliar a produção de petróleo, cortar gastos perdulários da
burocracia federal, reduzir impostos, deportar imigrantes que violam leis,
proibir cirurgias de mudança de sexo em crianças e a participação de mulheres
transgênero em esportes femininos. São políticas que o ajudaram a vencer o voto
popular e os republicanos a vencer a Câmara e o Senado, e o fato de que os
democratas ainda não aceitam que essas agendas têm amplo apoio da população só
mostra por que perderam. Trump pretende reduzir tudo a uma luta de classes – a
classe trabalhadora, defendida pelos republicanos, contra as elites
identitárias entranhadas na administração pública.
Mas se Trump é mais popular do que os
democratas gostariam, é menos do que ele imagina. Ao contrário do que sugerem
suas mentiras e hipérboles, ele é relativamente impopular num início de
mandato, com menos de 50% de aprovação.
É revelador que em seu longuíssimo discurso
Trump tenha se omitido justamente sobre o tema de campanha que mais machucou os
democratas. Com seis semanas de governo, Trump continua atribuindo a culpa pela
inflação – como, de resto, por tudo de ruim no país – ao governo de Joe Biden,
sem contudo dar nenhuma pista de como pretende reduzi-la.
Ao contrário, ele impôs 25% de tarifas ao
Canadá e ao México e mais 10% sobre a China, sob o argumento de que protegerão
a “alma da nação” e, como num passe de mágica, resolverão problemas como o
narcotráfico. O mercado de ações caiu, pela óbvia razão de que as tarifas
contra México e Canadá são inexplicáveis, e os economistas projetam mais
inflação, prejuízos para a indústria e para os exportadores agrícolas e ampla
disrupção nas cadeias globais de produção. Trump diz que será só um “pequeno
distúrbio”, mas logo deve descobrir que para os eleitores, sobretudo para a
classe trabalhadora, o distúrbio é imenso.
No front externo, Trump não terminou a guerra
da Ucrânia em 24 horas, como prometeu, mas está perto disso. Só que o que chama
de “paz” são a capitulação da Ucrânia e o triunfo da Rússia, isto é, um
interlúdio para novas guerras. Os americanos muito provavelmente não votaram
para que seu presidente impusesse indiscriminadamente tarifas sobre aliados, e
menos ainda para que alienasse aliados, como faz com os europeus, e
reabilitasse adversários, como faz com a Rússia.
Mais significativa que os conteúdos presentes
ou ausentes no discurso foi a posição de seu destinatário. Nunca o Congresso
pareceu tão irrelevante. Trump falou muito do que fez e pouco do que fará, mas,
em todo caso, promove poucas negociações com o Congresso, o que sugere escassa
confiança na maioria republicana.
De fato, o protecionismo comercial e o
desmonte da aliança transatlântica podem ser populares entre os trumpistas, mas
não entre os republicanos tradicionais. Que a escolhida pelos democratas para
responder ao discurso de Trump, a senadora Elissa Slotkin, uma moderada, tenha
concentrado suas críticas nesses pontos sugere que um exame de consciência
pós-eleições pode estar surtindo frutos. Um governo construído sobre ordens
executivas pode ser bombástico, mas também efêmero. Outra legislatura pode
revertê-las rapidamente.
Por isso, Trump tem pressa e submeterá os
freios e contrapesos da república americana a um teste de estresse. Seu
discurso no Congresso mostra isso. Nessa toada, muitos desses freios e
contrapesos podem quebrar irremediavelmente.
Um país que gasta muito, e mal
O Estado de S. Paulo
Estudo demonstra que o gasto público elevado
no Brasil não se traduz em qualidade e eficiência na oferta de serviços.
Melhorar a oferta requer mudanças profundas no setor público
Num momento em que a dívida pública
brasileira cresce de forma acentuada, um relatório recém-publicado pelo Banco
Itaú escancara que, não bastasse o gasto elevado do governo, a qualidade dos
serviços públicos oferecidos no Brasil é inferior à de outros países.
Para chegar a essa conclusão, os analistas da
instituição financeira se basearam em dados do Banco Mundial e compararam a
qualidade de bens e serviços públicos brasileiros nas áreas de saúde, educação,
administração pública, equidade (porcentagem da renda total pertencente aos 40%
mais pobres) e infraestrutura.
Essas informações foram comparadas com as de
grupos compostos por países da América Latina, Brics, economias desenvolvidas e
países nórdicos. Houve ainda uma análise de eficiência do gasto, feita por meio
da ponderação da qualidade dos bens e serviços públicos sobre o gasto total
como proporção do PIB.
Pela metodologia do relatório, pontuações
acima de 1 indicam desempenho melhor que o da média; já uma nota menor que 1
representa desempenho inferior ao da média. E o Brasil, como esperado, não se
saiu nada bem.
Exemplo disso é a área de educação. Em
qualidade, o Brasil, com pontuação de 0,92, superou a nota do agregado de
países latino-americanos (de 0,82), mas ficou atrás dos Brics (1,04),
desenvolvidos (1,22) e nórdicos (1,26). E, quando se mensura a eficiência do
gasto nessa área, o Brasil (0,87) ocupa a lanterna por ampla margem, com nota
significativamente menor que a dos Brics (1,13), dos latinos (1,14), dos
nórdicos (1,17) e dos desenvolvidos (1,25).
No quesito eficiência do gasto público como
um todo, o Brasil também se encontra numa incômoda última colocação, com
pontuação de 0,53, ante 0,76 dos latinos, 0,93 dos Brics, 1,48 dos nórdicos e
1,51 dos desenvolvidos. De acordo com o relatório, uma das explicações para o
mau desempenho do País no indicador de eficiência é o alto volume de recursos
públicos destinados à Previdência Social e aos gastos gerais.
O gasto público do Brasil como proporção do
PIB é de 34,7%, quase o mesmo que o dos países nórdicos (34,8%), mas a
qualidade dos serviços é notavelmente inferior. Isso só comprova que gastar
muito, como faz o Brasil, não é sinônimo de gastar bem, já que a qualidade das
políticas públicas não se compara com o que é oferecido na Suécia, na Dinamarca
e na Noruega.
O que fazer, então, para melhorar a
eficiência do elevado gasto público brasileiro? Recomendar uma redução no nível
de investimentos soa tentador. Tal caminho, no entanto, pode ser
contraproducente, já que a oferta de serviços públicos pode cair – ou seja,
existe o risco de que a qualidade daquilo que se oferece aos cidadãos piore
ainda mais.
Mesmo assim, há muito a fazer em relação ao
aprimoramento da eficiência do gasto público, o que requer uma mudança
estratégica que privilegie mecanismos de governança mais robustos, a adoção de
práticas orçamentárias guiadas por desempenho e a consolidação de uma cultura
de prestação de contas, como sugerem os analistas.
O fortalecimento de estruturas
institucionais, de modo a aumentar a transparência e reduzir os riscos de
desvios de recursos, seria um primeiro passo nesse processo de aprimoramento.
Outro ponto que requer atenção são as
práticas orçamentárias. Elas precisam passar por avaliações constantes para que
aqueles programas de pouca eficácia sejam readequados ou encerrados. Errar é do
jogo, desde que se aprenda com os equívocos e se corrija a rota, especialmente
quando se trata de recursos públicos.
Mais transparência e competitividade em
contratações públicas não só é recomendável, como, segundo os autores da
pesquisa, pode gerar ganhos imediatos.
Cansado de pagar tributos sem receber
serviços condizentes, o brasileiro certamente agradeceria se houvesse uma
reorganização do gasto público brasileiro. Enquanto não atentar para isso e
seguir incrementando o gasto sem pensar na qualidade, o governo só fomentará
insatisfação, como evidenciam as mais recentes pesquisas de popularidade. Pior:
a um custo insustentável.
O Pix do PCC
O Estado de S. Paulo
Facção se aproveita de regras frouxas de
fiscalização para usar fintechs na lavagem de dinheiro
A Polícia Federal e o Ministério Público de
São Paulo deflagraram recentemente uma operação para combater a lavagem de
dinheiro do tráfico de drogas do Primeiro Comando da Capital (PCC) por meio de
instituições de pagamento, também conhecidas como fintechs. Segundo os
investigadores, esse crime é possível graças a lacunas de fiscalização que
foram muito bem exploradas pela facção, cujo fortalecimento financeiro ameaça o
País.
Entraram na mira da Operação Hydra a 2Go
Instituição de Pagamento Ltda. e a Invbank Solução de Pagamentos. Entre os
donos de uma dessas empresas está um policial civil de São Paulo, que foi
preso. E um integrante do PCC seria sócio de outra delas.
A delação do empresário Antônio Vinicius
Lopes Gritzbach, que trabalhou com o bando, depois entregou seus esquemas e foi
executado no Aeroporto de Guarulhos, levou os investigadores às duas
instituições. Segundo Gritzbach, uma intrincada rede de laranjas, com empresas
de fachada e até beneficiários de programas sociais, lavava dinheiro do PCC,
sobretudo por meio do Pix.
Relatórios de inteligência do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ampliaram as suspeitas. Depósitos de
dinheiro em espécie eram feitos aos montes, em valores picados, para que,
posteriormente, os bandidos pudessem comprar imóveis de luxo, realizando os
pagamentos via Pix.
Essa engenhosidade mostra a forma como essa
facção tem operado seus inúmeros tentáculos. E a cada golpe desferido pelos
investigadores, o PCC de algum modo se refaz, o que revela sua ampla rede de
atividades ilícitas. Por isso, medidas eficazes para cortar as ramificações
dessa organização criminosa não podem ser negligenciadas.
Não faz muito tempo, a Receita Federal, por
meio de uma portaria, tentou ampliar a fiscalização sobre o Pix, justamente
para flagrar operações do crime organizado. A ideia era obrigar operadoras de
cartão de crédito e instituições de pagamento – veja só – a notificar o Fisco
em caso de movimentação mensal superior a R$ 5 mil por pessoas físicas e a R$
15 mil por pessoas jurídicas. A medida, contudo, foi revogada a mando do
presidente Lula da Silva, porque foi tratada pela oposição ao governo como um
primeiro passo para “taxar” o Pix.
Ou seja, a tibieza do governo, incapaz de
sustentar uma medida correta apenas porque a oposição a transformou em munição
para desgastar o governo, tornou mais difícil flagrar o crime de lavagem de
dinheiro, essencial para a manutenção dos negócios do PCC e de outros bandos
criminosos.
Operações como a Hydra só reforçam que o Banco Central precisa endurecer os mecanismos de controle das fintechs, com rigor semelhante ao imposto aos bancos. Já do governo federal se esperam normas que permitam rastrear com eficácia movimentações suspeitas a fim de cessar tantos negócios espúrios. E dos políticos se espera que, doravante, medidas sérias que ajudam a combater o crime organizado não sejam sabotadas pela oposição nem abandonadas pelo governo por cálculos exclusivamente eleitoreiros.
Cotas raciais levam mais negros às
universidades
Correio Braziliense
Entre 2000 e 2022, aumentou cinco vezes o
número de afrodescendentes que chegou ao ensino superior e conseguiu concluir
os estudos
O número de negros (pretos e pardos) com
nível superior de escolaridade completo aumentou mais de cinco vezes (5,8%) no
país em 22 anos (2000-2022). Nesse período, a proporção da população preta com
25 anos ou mais passou de 2,1%, em 2000, para 11,7% em 2022. Os pardos, no
mesmo patamar de ensino, cresceram 5,2 vezes, de 2,4% para 12,3%, em igual
intervalo de tempo. Recém-divulgados, os dados são do Censo 2022, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apesar de toda polêmica em torno do sistema
de cotas raciais, o recenseamento mostra que houve um avanço no acesso de
negros ao ensino superior. Uma luta antiga que só se tornou política de Estado
a partir da edição, em 2012, da Lei 12.711. As dificuldades para o povo negro
avançar no grau de instrução têm início na infância. Essas barreiras fazem com
que o maior percentual de afro-brasileiros com 25 anos ou mais sem instrução e
com ensino médio incompleto seja de pretos (40,5%) e pardos (40,1%). Entre os brancos,
nas mesmas condições, o percentual é bem inferior: 29,2%.
A parcela de amarelos, formada por japoneses,
chineses e coreanos, registrou o maior percentual de pessoas com nível superior
completo — 44,1% —, e o menor índice de cidadãos sem instrução ou com
fundamental incompleto (17,6%). Em condição oposta, estão os indígenas com 25
anos ou mais. Entre os povos originários, apenas 8,6% tinham nível superior
completo, e 51,8% eram sem instrução ou com apenas ensino fundamental
incompleto.
No recorte de gênero, em 2022, as mulheres
têm melhor nível de instrução do que os homens. Entre elas, com 25 anos ou
mais, 20,7% tinham nível superior completo, enquanto os homens, em igual faixa
etária, somavam só 15,8%. Nesse grupo etário, o Distrito Federal,
proporcionalmente, registrou 37% de pessoas que concluíram o nível superior, à
frente de São Paulo, com 23,3% da população. Maranhão, por sua vez, tem a menor
proporção de pessoas diplomadas: 11,1%.
O Censo mostra ainda que a maioria dos
formandos são brancos nos campos da medicina — 75,5%; da economia, 75,2%; na
odontologia, 74,4%; e no direito, 68,2%. Nas mesmas áreas de formação, os
negros somam 21,9% (medicina), 22,3% (economia), 22,7% (odontologia) e 30,7%
(direito).
Ainda há um enorme fosso a ser vencido para
que haja equidade entre negros e outras etnias que compõem a população
brasileira, fruto de uma segregação histórica, oriunda do racismo sistêmico e
institucional que se consolidaram desde o período da escravidão, a partir do
século 16. Os dados mostram que a parcela de brancos com 25 anos ou mais e
nível superior completo cresceu 2,6 vezes no mesmo período. Ou seja, variou dos
9,9%, em 2000, para 25,8% em 2022 — duas vezes mais do que o percentual de
pretos e pardos, que são maioria na composição demográfica do país.
Alcançar equidade de oportunidades para todas as raças/cor e gêneros exige uma educação voltada para esse objetivo, começando pelo cumprimento da Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história afro-brasileira, mas ignorada pela maioria das instituições de ensino públicas e privadas. Além disso, políticas públicas realmente inclusivas, e não segregacionistas, até que o país atinja elevado nível de civilidade a ponto de dispensar as cotas raciais. Isso só será possível quando raça/cor não for mais critério nas relações humanas e nas políticas de Estado.
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