O Estado de S. Paulo
A ferocidade primitiva de Trump expõe vulnerabilidades brasileiras
Donald Trump ouviu as preces, vindas também
do Brasil, e está empenhado em destruir a pax americana (“pax”, nesse contexto,
significa “ordem”). Azar nosso, pois ironicamente o mundo que está indo embora
servia melhor a uma potência média e vulnerável como o Brasil se comparado à
situação que está se desenhando rapidamente.
O problema que se apresenta já não é mais manter a necessária equidistância entre China e Estados Unidos, sendo bastante conhecida nossa dependência de mercados na Ásia e de insumos vindos de países ocidentais. Uma das lições centrais deixadas por Trump no tratamento da questão da Ucrânia é a de que ele considera que as potências “menores” não têm opções – só as que ele determina.
Assim é a ordem dos “fortões” e a implícita
divisão tripartite do planeta, com seus ecos distantes de Yalta. Não está muito
claro ainda o que Trump designou para “seu” pedaço do bolo, que parece ser o
hemisfério das Américas (a Europa e a Eurásia são problema de Putin e a Ásia,
de Xi Jinping). Mas está claro que não há “caminhos próprios” para os menores,
não importa quais sejam.
Isso pode parecer primitivo ao extremo, mas
Trump é primitivo ao extremo – o que inclui sua falta de compreensão para o
fato de que superpotências são fortonas pois presidem um sistema de alianças,
com um mínimo de reciprocidade em várias instâncias e o reconhecimento de algum
grau de interdependência. É bastante provável que “America First” acabe pagando
um preço altíssimo por conta de tamanha ignorância, mas isto está um pouco
adiante ainda.
Por motivos comerciais e ideológicos, o
Brasil aumentou como alvo aos olhos de Washington. E, se uma guerra comercial
entre EUA e China eventualmente abre oportunidade de curto prazo para
exportações do agro brasileiro, a evolução da situação geopolítica, tal como
verificamos agora, tende a fechar oportunidades para o Brasil.
Esse resultado não se deve apenas a Trump.
Está associado em larga medida ao fato de que, em termos de política externa,
nos últimos anos a vida foi nos levando. Sem que o País tivesse desenvolvido
qualquer coisa remotamente parecida com uma “estratégia”, ou sequer um debate
abrangente sobre o que o País quer ser e qual seu lugar no mundo. Durante
décadas fizemos a opção preferencial de olhar para nosso umbigo.
O que Trump está expondo brutalmente é o fato
de que somos altamente vulneráveis ao que outros pretendem decidir sobre nossos
destinos. E é limitada nossa capacidade de reação ao que possamos considerar
inaceitável ou indigno. Ou contrário aos nossos interesses. Quais, mesmo?
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