O Estado de S. Paulo
Lula quer visitar Kirchner na Argentina? Um
erro diplomático e, mais ainda, de política interna
O presidente Lula deveria pensar muito bem
antes de visitar a ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner, que foi
condenada pela Justiça e está em prisão domiciliar, de tornozeleira, em Buenos
Aires. Os problemas diplomáticos são o de menos, o que pode complicar muito
essa visitinha é a repercussão aqui no Brasil.
A desde sempre polêmica Cristina, que se diz “de esquerda”, não está presa por “perseguição política” ou coisas do gênero, mas pela velha corrupção que grassa lá, na Argentina, como cá, no Brasil. Lula prestando solidariedade a uma – aliás, mais uma – condenada por corrupção? Não parece uma boa ideia.
Pela primeira vez desde a posse de Javier
Milei, Lula vai à Argentina em 2 e 3 de julho, para a Cúpula do Mercosul,
quando vai assumir a presidência pro tempore do bloco e quer aproveitar para
tirar fotos com Cristina Kirchner, da varanda do apartamento dela, para uma
multidão em Buenos Aires. Mas o maior sucesso será no Brasil.
A primeira lembrança que bolsonaristas
tratarão de alardear é que o próprio Lula foi preso no caso do triplex do
Guarujá, depois apagado pelo STF. A segunda é que Lula mandou um avião da FAB
resgatar a ex-primeira dama do Peru Nadine Heredia... não só condenada por
corrupção, mas por corrupção envolvendo a antiga Odebrecht da Lava Jato.
Outra questão delicada: visitar uma condenada
por corrupção como se fosse vítima de “perseguição política” tende a soar na
Argentina e ressoar no Brasil como confrontação à Justiça de outro país,
justamente quando Lula reclama que os EUA atacam o ministro Alexandre de
Moraes, e o próprio Milei chama Bolsonaro de “perseguido judicial”.
Uma visita a Cristina também pode gerar
muxoxos do lado argentino, como vingança pessoal e provocação a Milei, que não
pode reclamar. Há exatamente um ano, ele trocou a cúpula do Mercosul em
Assunção, no Paraguai, por um fórum conservador em Santa Catarina com... Jair
Bolsonaro. Elas por elas. Política da mesquinharia.
Nada disso, porém, muda a relação entre Lula
e Milei, que já é ruim e vai continuar ruim, nem as relações diplomáticas e
comerciais, que mantêm uma certa normalidade, com os governos e as empresas
privadas dos dois países tocando a vida, os interesses, negócios e acordos
comuns. Isso basta.
São Sidônio, o que não faz milagres, deve
prevenir Lula de que o risco é ninguém dar bola para Mercosul, discursos e
acordos, e todo mundo só atacar o encontro com Kirchner. Mais uma vez, Lula não
ganha nada, mas pode perder muito com um erro de cálculo ou, pior, uma vingança
boba. Detalhe: Kirchner jamais visitou Lula nos seus 580 dias preso.
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