domingo, 22 de junho de 2025

Visão militar sobre o golpe - Míriam Leitão

O Globo

Fontes do Exército dizem que tem havido punições internas ao golpismo, e que o papel institucional dos militares está se fortalecendo

O Exército já puniu 40 militares ligados aos eventos que levaram à tentativa de golpe. Dentro da Força se diz que tudo isso servirá para confirmar a sua verdadeira função institucional e afastar a interpretação errada do artigo 142 da Constituição. Generais, que acompanham o julgamento dos golpistas no STF, afirmam que o assunto está “circunscrito à área política” e torcem para que alguns consigam provar inocência, como o general Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira.

O ph da grafia antiga do som da letra “f”, no nome dele, não é por acaso. Essa é uma família tradicional no Exército, que faz parte da história da instituição. Ele é o sexto general Theóphilo de Oliveira. Acusado de fatos graves, ele chefiava o Coter, Comando de Operações Terrestres, e se reuniu com o então presidente Bolsonaro num momento crucial da conspiração, quando o general Freire Gomes negava apoio ao golpe. É uma família tão tradicional que foi a única a ter autorização para usar barba no Exército. Essa exclusividade da família Theóphilo durou 150 anos.

O que se diz na Força é que o comandante do Coter não tem tropas sob sua liderança. Quem tem o poder de colocar as tropas nas ruas são os comandantes de área. O que eu ouvi em conversas com militares é que Estevam Theóphilo não é acusado de “nenhuma ação concreta que o colocasse na ilegalidade”. Mas, no processo, ele está no núcleo 3, o das ações táticas. A Polícia Federal disse que ele comandava os “kids pretos” e que, na reunião com Bolsonaro, no dia 9 de dezembro de 2022, teria aquiescido com os planos. Segundo Mauro Cid, ele teria dito: “se o presidente assinar o Exército vai cumprir”. Nem aos seus colegas do Alto Comando, Theóphilo de Oliveira contou que havia se reunido com o então presidente. Foi uma reunião secreta mesmo.

No Exército ouvi a palavra “sobressalto" para definir a descoberta do envolvimento de vários oficiais. Vinte militares são réus por tentativa de golpe. Escutei também a palavra “assédio" para definir a atitude de Bolsonaro que passou a ir a todas as festividades militares. O que se lamenta na Força é que toda a paciente reconstrução da imagem do Exército, após o fim da ditadura militar, tenha se perdido. A contaminação produzida por Bolsonaro gerou um enorme retrocesso. Alguns militares foram punidos por postagens nas mídias sociais contra seus superiores, uma indisciplina que, dizem, jamais poderia ter sido tolerada.

Na opinião de algumas lideranças, o episódio trouxe um avanço ao deixar claro que o artigo 142 não tem o sentido que se tentou dar a ele.

– O que está escrito é “garantia dos poderes constitucionais”. Se há um impeachment, nosso papel é estar ao lado do novo presidente constituído. Depois de uma eleição é garantir a posse da pessoa eleita — disse um general.

Em uma conversa longa com três generais ouvi, claro, reclamações sobre os cortes orçamentários e a proposta de mudança na previdência da tropa. Eles me disseram que os recursos estão escassos para a manutenção vegetativa e isso poderá impedir que atuem “tempestivamente nas emergências”. Ponderam que há tecnologias disruptivas nessa área que o Brasil precisa acompanhar. Lembraram de dificuldades criadas até pelos avanços.

– Nós chamamos as meninas e agora elas vão se alistar no serviço militar. Excelente. Só que temos que ter mais banheiros femininos. Muitos quartéis são preparados apenas para homens. Se recebermos mal as meninas, isso vai ter um efeito muito negativo na imagem. Estamos correndo para não fazer feio — me afirmou outro general.

Sobre o projeto de previdência, o ponto de vista deles é que, durante toda a carreira, o militar não tem hora extra, Fundo de Garantia e outros direitos trabalhistas. É dedicação exclusiva. E os soldos são menores do que os salários em outras carreiras do funcionalismo.

– Um coronel ganha líquido R$ 17.500 depois de 35 anos de serviço e só 5% dos que entram chegam a general. Para termos Forças qualificadas, precisamos atrair bons quadros, precisamos ter capacidade de atrair e reter talentos. A previdência é parte desse convencimento — me disse um deles.

Eles argumentam que as Forças Armadas ganharam novas e mais desafiadoras funções como a proteção do meio ambiente, porque só elas são capazes de chegar com rapidez em todos os pontos mais extremos ou preservados do país. Definitivamente o Brasil não é um país fácil.

 

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