domingo, 22 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ampliação da Câmara desafia vontade popular

O Globo

Três em quatro brasileiros são contra projeto que cria mais vagas de deputado. Senado precisa barrá-lo

Deveria servir de alerta aos congressistas o resultado de pesquisa Datafolha mostrando que três em cada quatro brasileiros (76%) são contra o aumento do número de deputados federais de 513 para 531, aprovado pela Câmara no início do mês passado e em análise no Senado. De acordo com o levantamento, apenas 20% se mostraram favoráveis.

Pela Constituição, cada uma das 27 unidades da Federação tem no mínimo oito e no máximo 70 deputados, dependendo do tamanho da população. Em agosto de 2023, ao julgar ação impetrada pelo governo do Pará, o Supremo Tribunal Federal fixou prazo, até 30 de junho deste ano, para que o Congresso redistribuísse as cadeiras com base na população apurada pelo último Censo — isso não acontecia desde 1993. O que era para ser um rearranjo das bancadas acabou se transformando em oportunidade para aumentá-las. A aritmética criativa dos congressistas resultou no acréscimo de 18 deputados, realidade que destoa de outros países. Os Estados Unidos têm o mesmo número de representantes (435) desde 1929. A Itália reduziu os seus de 630 para 400. A Alemanha, de 736 para 630. E por aí afora.

Se confirmado, o inchaço custará R$ 64,6 milhões anuais, segundo cálculo da própria Diretoria Geral da Câmara. O valor leva em conta apenas custos diretos, como salários dos novos deputados, estruturas de gabinete e outras despesas do mandato. Sem falar nas emendas parlamentares. No ano passado, cada deputado teve direito a R$ 38 milhões apenas em emendas individuais. Uma conta trivial de multiplicação mostra que, mantido esse patamar, os custos chegariam perto de R$ 750 milhões. Em meio à grave crise fiscal do país, aumentar despesas é um contrassenso. Tanto que a Câmara tem cobrado acertadamente do governo medidas para equilibrar suas contas.

O aumento também geraria efeito cascata nas Assembleias Legislativas, uma vez que a Constituição vincula o número de deputados estaduais ao tamanho das bancadas na Câmara. Levantamento feito pelo GLOBO mostrou que a criação de 30 novas vagas nas Assembleias teria impacto anual de quase R$ 75 milhões nos cofres estaduais — apenas em custos diretos.

Pela proposta aprovada, a partir de 2027, os estados que deveriam perder cadeiras ficariam como estão, enquanto aqueles cuja população passou a ser proporcionalmente maior ganhariam deputados. Seus defensores alegam que a simples redistribuição resultaria em perda de recursos de emendas para alguns estados e em desequilíbrio federativo. É um argumento sem sentido. Os recursos das emendas no Brasil já são exorbitantes e precisam ser cortados — para todos os estados.

Atualizações periódicas de bancadas são necessárias para equilibrar distorções da demografia. É natural que, ao longo das décadas, determinados estados ganhem população e outros percam. O certo seria recalibrar as bancadas. Por isso o Senado tem obrigação de barrar a irresponsabilidade gestada na Câmara. O Brasil não precisa de mais parlamentares, categoria que integra a elite do funcionalismo. Congressistas deveriam olhar com atenção a pesquisa Datafolha. Insistir em ampliar a Câmara para manter seus interesses paroquiais significa ir na contramão do que pensam os brasileiros. Para quem vive sob constante escrutínio do eleitorado, não é bom desafiar a vontade popular. A resposta poderá vir nas urnas.

Prefeituras dão exemplo com projetos de adaptação às mudanças do clima

O Globo

Por todo o país, governos municipais põem em prática ideias para proteger a população do aquecimento global

É preciso identificar e apoiar as iniciativas municipais destinadas a proteger a população das mudanças climáticas. Há projetos em andamento em diversas cidades brasileiras.

No Sul, as fortes chuvas que atingiram a Serra Gaúcha no ano passado levaram Caxias do Sul a participar do programa Cidades Verdes e Resilientes, da C40 Cities, rede que congrega prefeitos de todo o mundo e serve como canal de troca de experiências para adaptar as cidades às mudanças do clima e contribuir para o corte de emissões. Em termos proporcionais, Caxias foi a cidade que sofreu mais deslizamentos no estado, segundo o secretário municipal de Meio Ambiente, Ronaldo Boniatti (foram oito mortos e 220 famílias desalojadas). A Prefeitura investiu mais de R$ 1 milhão num estudo geotécnico no bairro Galópolis, o mais atingido. O trabalho serve de base para o Plano Municipal de Redução de Riscos e subsidiará o Plano de Ação Climática. Entre as obras em andamento, estão a ampliação dos piscinões de contenção da água de enxurradas e uma nova rede de drenagem de 1,7 quilômetro, incluindo um túnel de 440 metros, com investimento de R$ 58 milhões.

No outro extremo do país, no Semiárido do Nordeste, Crato, no Ceará, enfrenta os problemas ambientais com uma combinação de conservação, reflorestamento e participação comunitária. A cidade também passou a controlar a especulação fundiária em áreas sensíveis. “Crato é privilegiada por abrigar unidades de conservação como Floresta Nacional do Araripe e Refúgio da Vida Silvestre do Soldadinho-do-Araripe”, afirma o secretário municipal de Meio Ambiente, George Borges. No reflorestamento, a Prefeitura usa espécies nativas, oriundas de um viveiro em que são produzidas anualmente cerca de 100 mil mudas. A própria população faz o plantio. “Fomos responsáveis até pelo fornecimento de mudas para a transposição do São Francisco”, diz Borges. No planejamento urbano, Crato instituiu Zonas Especiais de Interesse Social, com regras para a construção em áreas alagadiças e encostas.

No Sudeste, a cidade de Aracruz, com apoio da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), restaura áreas degradadas de manguezais às margens dos rios Piraquê-Açu e Piraquê-Mirim. O projeto visa a recuperar 200 hectares de mangue, dos mais de 700 atingidos por drenagem, salinização e chuvas de granizo. A bióloga Mônica Tognella, coordenadora do projeto desenvolvido pela Ufes, conta que cada pesquisador é responsável por uma tarefa: “Temos gente trabalhando com a genética da planta para entender por que todas morreram; professores fazendo estoque de carbono nas plantas; outros no sedimento e na vazão dos rios”. A Secretaria de Meio Ambiente de Aracruz contribui com a construção de pequenas barragens escavadas no chão para captar a água das chuvas.

Não faltam, portanto, ideias e projetos à disposição dos governos municipais, que deveriam ter como prioridade apoiá-los. Afinal, são os prefeitos que lidam mais de perto com a população e suas necessidades.

Bolsonarismo avança com Bolsonaro em risco

Folha de S. Paulo

Inelegibilidade e possível prisão não reduzem eleitorado do ex-presidente, o que mantém seu cacife para negociar sucessão

Na segunda metade da década passada, o petismo atravessou uma crise avassaladora. A presidente Dilma Rousseff foi deposta por impeachment, e representantes do partido, inclusive o seu líder máximo, Luiz Inácio Lula da Silva, foram processados, condenados, declarados inelegíveis e presos.

A ofensiva judicial e as suas repercussões reputacionais, no entanto, não foram capazes de prejudicar a popularidade de Lula a ponto de anular a sua competitividade eleitoral. Em 2018, mesmo preso, o seu ungido, Fernando Haddad, chegou ao segundo turno e recebeu 45% dos votos.

Quatro anos depois, reabilitado pela Justiça, o próprio ex-presidente obteve o terceiro mandato numa disputa apertada.

Um processo semelhante ocorre com Jair Bolsonaro (PL). Em 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou-o inelegível por ter abusado do poder da Presidência enquanto era candidato à reeleição. Agora o ex-mandatário responde a uma ação penal que pode condená-lo à prisão por atentado à democracia.

Entretanto os reveses que Bolsonaro acumula nos tribunais igualmente não parecem abalar o seu cacife popular.

A rodada mais recente de pesquisas do Datafolha mostra o ex-presidente, apesar de inelegível, empatado com Lula na simulação de segundo turno. Só o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), iguala o desempenho de Jair Bolsonaro entre os possíveis adversários do petista no ano que vem.

Além disso, a simpatia pelo bolsonarismo atingiu o maior nível desde o final de 2022. Hoje, 35% dos eleitores consideram-se próximos da corrente encabeçada pelo ex-presidente, alta de 4 pontos percentuais em relação a abril. Já a inclinação ao petismo caiu outros 4 pontos percentuais e chegou aos mesmos 35%.

Não espanta, nesse contexto, que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), em entrevista à Folha, comece a dar recados em nome do pai para os candidatos que desejem o apoio de Jair no pleito de 2026. Prometer o indulto, caso ele seja condenado, será condição para o endosso —e já é antecipado e cobrado, em termos temerários, um conflito com o Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao menos quatro governadores são candidatos em potencial a herdar os votos bolsonaristas: Tarcísio Freitas (Republicanos), de São Paulo, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, e Ratinho Júnior (PSD), do Paraná.

Nenhum deles reproduz, em sua conduta política, o discurso antidemocrático e os conflitos institucionais que caracterizam o pior do bolsonarismo. Ainda assim, tendem a assumir compromissos com o ex-presidente em nome de sua viabilidade eleitoral.

Ao mesmo tempo, interessa à direita nacional distanciar-se de tais cacoetes autoritários em busca de conquistar os eleitores moderados que podem decidir o pleito. Essa é uma tarefa complexa a ser conduzida até 2026.

Sob ataque de Trump, Fed tenta conter inflação

Folha de S. Paulo

Órgão mantém taxa de juros elevada para padrões dos EUA, dado cenário incerto incitado pelo presidente, que exige cortes

O banco central americano (Fed) manteve inalterada a taxa básica de juros entre 4,25% e 4,50% ao ano na quarta (18). A decisão, esperada pelos mercados, reflete a abordagem cautelosa do órgão diante de incertezas no ambiente econômico, impulsionadas pela política comercial do presidente Donald Trumpparticularmente sobre as tarifas, que impactam a inflação.

A estimativa do Fed para a alta de preços em 2025 subiu para 3,1%, ante 2,8% em março. Ao mesmo tempo, caiu a de crescimento neste ano, de 1,7% para 1,4%, enquanto o desemprego deve subir ligeiramente para 4,5%, ante estimativa anterior de 4,4%.

Manteve-se a projeção mediana de dois cortes na taxa de juros de 0,25 ponto percentual em 2025, um sinal de continuidade até que haja maior clareza. Há, no entanto, crescente divisão interna no comitê de política monetária da entidade quanto ao momento e à extensão de futuros afrouxamentos. Dez membros apoiam ao menos dois cortes, enquanto nove visam um ou nenhum.

Alguns deles, preocupados com a carestia induzida por tarifas, defendem a restrição prolongada para evitar um salto nas expectativas de inflação, especialmente porque as empresas relatam custos crescentes. Outros, citando sinais de enfraquecimento do mercado de trabalho, apoiam a antecipação dos cortes para impulsionar a atividade.

A tensão aumenta ainda com as críticas agressivas de Trump ao presidente do Fed, Jerome Powell —comportamento semelhante ao do brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em relação ao ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Repetindo equivocadas crenças populistas, além de ofensas como "perdedor" e "não é uma pessoa inteligente", o republicano tem exigido cortes robustos de juros, alegando que impulsionariam o crescimento e reduziriam os custos da dívida federal.

Na verdade, porém, não persistir no esforço de controle da inflação elevaria o peso de domá-la posteriormente, na forma de juros ainda mais altos e perda de bem-estar para a população.

Felizmente, em maio de 2025, a Suprema Corte reafirmou a estrutura do Fed na burocracia federal, protegendo a instituição dos ataques de Trump.

Por ora, Powell se equilibra e mantém o rumo. Em coletiva de imprensa, enfatizou uma abordagem orientada por dados, do tipo "esperar para ver". Assim, o cenário mais provável, mesmo com as investidas do presidente americano, parece ser o de juros menores ao longo deste ano no principal centro financeiro global.

A educação, entre a ambição e o realismo

O Estado de S. Paulo

Balanço educacional reafirma o fracasso do País ao descumprir suas metas e emite o alerta para que o novo PNE não caia em descrédito por prometer muito e entregar pouco

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) Educação 2024, divulgada recentemente, escancarou a defasagem brasileira no cumprimento das metas estabelecidas dez anos antes no Plano Nacional de Educação (PNE) – e é tão útil tanto para revelar o nosso atraso educacional quanto para emitir o devido alerta na construção das metas para o próximo ciclo. Com um novo PNE em tramitação no Congresso, destinado a ser um instrumento de planejamento e gestão educacional do novo decênio, observar o passado e reconhecer os limites do presente significará encontrar o equilíbrio adequado de que a educação básica precisa: a conjugação entre viabilidade e ambição, adotando metas ao mesmo tempo desafiadoras e factíveis. Caso contrário, o País começará a desacreditar o PNE como bússola orientadora das políticas educacionais, por prometer muito e entregar pouco.

O IBGE e outros levantamentos confirmaram: só quatro das 20 metas definidas em 2014 foram cumpridas, parcial ou integralmente; as demais seguem longe de serem alcançadas. Segundo a organização Todos Pela Educação, dos 53 indicadores monitorados, apenas quatro alcançaram ou superaram a meta; 15 atingiram ao menos 90% do previsto; outros 14 ficaram entre 50% e 80%; e nove nem sequer atingiram 50%. Donde se conclui que é urgente a adoção de um plano mais estruturado, com mecanismos mais robustos de execução, monitoramento, correção de rota, metas mais bem definidas e alinhadas à realidade educacional brasileira e inclusão de marcos intermediários – ao longo de dez anos, as metas estabelecidas estavam lá, como um adorno no horizonte, sem que o País se apressasse ou reagisse com o rigor devido conforme se distanciavam na paisagem educacional.

Hoje se descobre, por exemplo, que a taxa de pessoas analfabetas com 15 anos ou mais foi de 5,3% em 2024, o menor nível da série histórica, mas o PNE de 2014 previa a erradicação do analfabetismo. No entanto, 9,1 milhões de brasileiros nessa faixa etária não conseguem ler ou escrever uma mensagem simples.

A Pnad mostrou ainda que, em 2024, a taxa de escolarização das pessoas de 15 a 17 anos atingiu 93,4%, mas, apesar da melhora em todas as regiões, nenhuma delas alcançou a universalização do atendimento escolar para esse grupo etário, conforme uma das metas do PNE. A mesma tendência se repetiu nas taxas médias de escolarização infantil: segundo outra meta, deveríamos ter chegado a 2024 com pelo menos metade das crianças de zero a 3 anos frequentando a creche. Mas nenhuma região conseguiu fazê-lo.

O plano atual passou por três gestões federais e será concluído na quarta, todas com prioridades e entraves distintos. Dilma Rousseff enfrentou seus incontáveis problemas de gestão. Michel Temer teve pouco tempo para desfazer a terra arrasada do mandarinato petista. Jair Bolsonaro, a seguir, resultou num MEC ausente. Para completar, a pandemia provocou o fechamento das escolas por tempo demasiadamente longo e ampliou as desigualdades educacionais. Com o ministro Camilo Santana, o ministério passou a ter novamente um plano de voo, mas o avanço, no fim das contas, está muito aquém do necessário. Ante um fracasso desse tamanho, cria-se uma dívida educacional a ser paga no próximo decênio. Como alguns especialistas apontam, o risco é de que o novo PNE carregue o fardo do descumprimento do anterior e precise cuidar dos problemas não resolvidos, apenas repetindo metas não cumpridas com novos prazos.

Não está escrito nas estrelas, porém, que só resta ao novo plano corrigir falhas herdadas. Mas, para evitar seu descrédito, é o momento de estabelecer metas realistas, menos universais e mais atentas às diferenças educacionais. A proposta enviada pelo MEC ao Congresso é uma virtuosa carta de intenções e aberta o suficiente para contar com ajustes e aperfeiçoamentos dos parlamentares – que, a propósito, parecem estar fazendo sua parte, com a apresentação de mais de 3 mil emendas. Não é um desafio trivial achar o equilíbrio entre a ambição e a viabilidade, entre a audácia e o realismo. Mas isso é não só possível, como imprescindível para evitar novos atrasos nos próximos dez anos. Sem margem para mais fracassos.

Brasil larga bem na corrida da energia verde

O Estado de S. Paulo

O País está no primeiro escalão global da transição energética, mas precisa superar desafios regulatórios, tecnológicos e sociais para realizar todo o seu potencial sustentável

No recém-lançado relatório anual do Fórum Econômico Mundial sobre transição energética, o Brasil figura na 15.ª posição num ranking com 118 países, à frente dos países latino-americanos e de potências como Reino Unido e Estados Unidos. Metade da matriz energética brasileira provém de fontes renováveis – mais de três vezes a média global, em torno de 14,3%. O País dispõe de abundantes recursos naturais, hidrelétricas de grande porte, biomassa diversificada e um vasto potencial em hidrogênio verde e biocombustíveis. Seu patrimônio ambiental, sobretudo a Amazônia, ainda que sob pressão, agrega valor estratégico para o mercado de créditos de carbono e serviços ambientais.

Apesar dessas vantagens, a transição energética brasileira enfrenta desafios estruturais profundos. A expansão da geração renovável esbarra em gargalos na infraestrutura de transmissão e distribuição. Projetos bilionários aguardam conexão à rede elétrica, mas o atraso em investimentos e o excesso de burocracia reduzem a eficiência do sistema. A insegurança regulatória e as divergências entre órgãos públicos minam a confiança dos investidores.

A regulamentação do mercado de carbono ainda é inconsistente e permeada por interesses conflitantes, comprometendo a eficiência dos créditos e a atração de investimentos para projetos sustentáveis, especialmente no combate ao desmatamento, principal fonte emissora no País. Um sistema transparente e rigoroso pode alavancar o papel do Brasil como líder global na oferta de soluções ambientais e financeiras, fortalecendo sua imagem internacional e gerando receita para o desenvolvimento social e ambiental.

Ademais, a transição demanda mais que simplesmente substituir fontes. Exige integração tecnológica, políticas públicas coerentes e estabilidade regulatória que incentivem investimentos em pesquisa, inovação e qualificação da mão de obra. Será necessário ampliar a infraestrutura, incluindo a modernização das redes elétricas e o apoio a soluções de armazenamento e digitalização, para garantir confiabilidade e eficiência ante as oscilações das fontes renováveis.

O otimismo em relação ao potencial do Brasil é justificado, mas deve ser acompanhado por realismo e pragmatismo. A transição energética não é tarefa simples nem imediata. O País está diante de uma janela histórica de oportunidades, mas isso só será possível com esforço concentrado, governança forte e visão estratégica, capaz de conciliar crescimento econômico com preservação ambiental e justiça social.

Um desafio central é a construção de uma agenda que integre os diversos setores da economia, governos estaduais, iniciativa privada e sociedade civil. A dispersão e sobreposição de políticas, leis e regulamentos geram insegurança jurídica e dificultam o planejamento de longo prazo.

Além disso, a capacitação técnica e a qualificação da força de trabalho devem ser prioridades para que a transição não acentue desigualdades, mas crie oportunidades de inclusão produtiva. O Brasil possui um enorme capital humano que precisa ser mobilizado para atender à demanda por profissionais especializados em energias renováveis, inovação tecnológica e gestão ambiental.

A posição de destaque em rankings como o do Fórum Econômico Mundial evidencia que o Brasil tem condições materiais para ser protagonista da transição energética global. Mas a trajetória dependerá da habilidade em superar desafios complexos: infraestrutura deficiente, conflitos regulatórios, equilíbrio socioeconômico e governança ambiental eficaz. O sucesso exigirá a combinação de políticas robustas, investimento privado qualificado e a capacidade de construir consensos em torno de uma agenda clara e coerente.

Avanços insuficientes

O Estado de S. Paulo

Número dos ‘nem-nem’ e de analfabetos no País cai, mas segue sendo indecente

No ano passado, o porcentual de jovens de 15 a 29 anos que não trabalhavam, estudavam ou se qualificavam, os “nem-nem”, era de 18,5%, abaixo dos 19,8% de 2023 e dos 22,4% de 2019, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad) Contínua recém-divulgada pelo IBGE. Apesar da queda sequencial, o porcentual de “nem-nem” segue muito elevado.

O problema é ainda maior entre as mulheres de 15 a 29 anos, uma vez que uma em cada quatro (24,7%) não trabalhava nem estudava, o dobro do verificado entre os homens (12,5%). O trabalho doméstico e a gravidez explicam a diferença nos porcentuais.

Além disso, de acordo com o IBGE, o índice de analfabetismo em 2024, de 5,3%, foi o menor desde que a série histórica foi iniciada, em 2016.

A queda no número de “nem-nem” e no de analfabetos é obviamente positiva, mas quando se olha o quadro geral não há muito a celebrar.

Instituído em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) estabeleceu como meta a erradicação completa do analfabetismo até 2024. De acordo com o IBGE, porém, no ano passado nada menos que 9,1 milhões de brasileiros não sabiam ler nem escrever. Mais da metade dos analfabetos (5,1 milhões) tinha 60 anos ou mais, ou seja, o analfabetismo ainda está fortemente associado à idade avançada. O acesso à educação básica vem se expandindo ao longo dos anos, porém o fato de que cada vez mais jovens saibam ler e escrever também não encerra a questão.

Levantamento recente do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) apontou que 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais, o que significa que, mesmo sabendo ler e escrever, são incapazes de interpretar textos ou fazer contas mais complexas. Entre jovens de 15 a 29 anos, o analfabetismo funcional é de 16%, um índice elevado. E, para coroar a tragédia que é a educação no País de um modo geral, o Inaf apontou que mesmo entre brasileiros que concluíram o ensino superior 12% se enquadram na definição de analfabetos funcionais.

A soma dos totalmente destituídos de educação com os que, mesmo com diploma, não dominam o básico para operar num mundo cada vez mais complexo e tecnológico evidencia o desafio imenso que o País tem diante de si. Não é um desafio novo, e ele exige atenção focalizada, uma vez que questões regionais, raciais e de gênero ainda determinam o acesso à escola e o índice de evasão. Segundo dados de 2024 do IBGE, a maioria dos analfabetos do País (55,6%) está no Nordeste, ante 22,5% no Sudeste, onde está o segundo maior contingente de brasileiros nessa situação. Já entre os 8,7 milhões de jovens de 14 a 29 anos que abandonaram ou nunca frequentaram a escola, 72,5% eram pretos ou pardos.

Também são alarmantes os dados sobre educação na primeira infância, fase da vida essencial para o desenvolvimento humano: apenas 39,8% das crianças entre zero e 3 anos estavam na escola ou na creche em 2024.

Mantido esse ritmo, em vez de formar cidadãos plenos, o Brasil seguirá condenando milhares, notadamente mulheres, pretos e pardos da Região Nordeste, a um futuro “sem-sem”: sem trabalho remunerado e sem educação.

Assim, o Brasil poderá não apenas consolidar sua posição atual, mas transformar-se em exemplo mundial de como é possível avançar na transição energética de forma equilibrada, inteligente e inclusiva, num caminho que respeite tanto o meio ambiente quanto as necessidades humanas, garantindo sustentabilidade integral – ambiental e social – para as próximas gerações.

Igualdade salarial ainda está distante

Correio Braziliense

Não bastasse a perpetuação dessa injustiça social, a iniciativa de remunerar homens e mulheres em valores iguais tornou-se um imbróglio no Judiciário

No próximo dia 3 de julho, a Lei de Igualdade Salarial completa dois anos de vigência. Ao sancionar a norma, o presidente Lula anunciou uma atuação firme para acabar com as desigualdades e injustiças que ocorrem no mundo do trabalho em prejuízo às mulheres. "Não existe essa de lei pegar ou não pegar. Na verdade, o que existe é governo que faz cumprir a lei e governo que não faz cumprir a lei. E nosso governo vai fazer cumprir", disse Lula, ao sancionar a Lei nº 14.611/2023.

À época, a então ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, deu um diagnóstico da realidade brasileira. "Em plena segunda década do século 21, a mulher ainda recebe, em média, 22% a menos do que o homem. E as mulheres negras recebem menos da metade do salário dos homens brancos", observou.

De lá para cá, o quadro apresentou poucos avanços. O 3º Relatório de Transparência Salarial e Desigualdade, divulgado em abril, indicou o muro que separa homens e mulheres quanto se trata de remuneração. O levantamento, feito a partir de informações cedidas por 53 mil estabelecimentos privados com ao menos 100 empregados, concluiu que elas ganham em média 20,9% a menos do que os trabalhadores do sexo masculino. A desvantagem é ainda maior em relação às negras: o rendimento delas equivale a 47,5% do que ganham homens brancos.

Não bastasse a perpetuação dessa injustiça social, a iniciativa de remunerar homens e mulheres em valores iguais tornou-se um imbróglio no Judiciário. Tramitam no Supremo Tribunal Federal duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra determinados trechos da Lei de Igualdade Salarial. Argumentam, de um lado, que a atual legislação desconsidera critérios de diferenciação salarial previstos em lei, como tempo no exercício da função; de outro, obriga as empresas a divulgarem dados que podem ser interpretados como política discriminatória ou comprometem os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa.

No final de abril, a Procuradoria-Geral da República atendeu parcialmente às reivindicações presentes nas ações que tramitam no Supremo. Entendeu que é inconstitucional os Relatórios de Transparência Salarial divulgarem valores e funções que permitam identificar o empregado, ainda que ele esteja anônimo. Pontuou, ainda, que não cabe à Lei nº 14.611/2023 punir empresas que estipulam diferenças salariais a partir de um programa de cargos e salários, em conformidade com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

As ações relativas à Lei de Igualdade Salarial estão sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Espera-se que os alegados ajustes ocorram, de modo que o sentido maior da lei seja cumprido. A desigualdade no Brasil resulta de um processo histórico, que levará gerações para ser corrigido. Combater a iniquidade, valorizar a meritocracia e estabelecer mecanismos contra a discriminação são princípios civilizatórios dos quais o país não pode prescindir se quiser obter avanços sociais relevantes. 

Os desafios do uso da IA na educação

O Povo (CE)

O uso da Inteligência Artificial (IA) no processo educacional parece inevitável. Não há como lutar contra o fenômeno, cujas ferramentas vão muito além do ChatGPT. Não se discute se ela chegará às escolas e demais instituições de ensino, mas como ela chegará, como será usada e de que forma será incorporada ao cotidiano da educação.

Na semana que passou, O POVO publicou a reportagem "IA na educação básica: como o Ceará lida com mais uma revolução na sala de aula" (18/6/2025), assinada pela jornalista Alexia Vieira, que mostra a corrida para a adoção de ferramentas de IA na educação no Ceará. Com a evolução da tecnologia, cada vez mais rápida, as escolas, os estudantes e os professores estão sendo impactados pelos desafios e promessas e que fazem parte da incorporação desses recursos.

Um dos exemplos desse uso é o fato de os estudantes usarem chatbots para solucionar dúvidas e programas de tutoria personalizada para se aprofundar nos conteúdos. Os professores procuram a IA para corrigir redações, planejar aulas, formular questões e criar atividades. Além disso, os sistemas auxiliam na administração dos diários escolares, como notas e faltas e mapeamento de dificuldades de aprendizagem.

A referida reportagem cita um treinamento relevante, dado aos docentes, promovido pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc). Os professores têm participado de uma formação piloto acerca do uso de IA na escola. A iniciativa foi implementada em 2024 e tem como objetivo qualificar os professores de 40 escolas da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) para utilizar a tecnologia de forma crítica e alinhada com princípios pedagógicos. Isso inclui encontros presenciais e acompanhamento depois das aulas.

Essa formação faz parte dos eixos do Plano de Educação Digital, que está sendo elaborado pelo Ceará e que deve ficar pronto até o fim de 2025. A ideia desse treinamento é dar segurança ao professor no uso das ferramentas e discutir dilemas éticos, desafios e a demanda de adaptar os recursos disponíveis à estrutura da escola. A formação deve ser expandida para toda a rede.

É uma experiência interessante, por mais que seja, por ora, destinada a uma pequena parcela dos docentes e restrita a uma esfera da educação. Na iniciativa privada, há exemplos de formações semelhantes, mas certamente ainda não atinge a todos os professores. É preciso rever questões estruturais, como o acesso à internet de qualidade nas escolas e a disponibilidade de equipamentos que dialoguem com as novas tecnologias, além da alfabetização e do letramento digital de alunos e professores.

As vantagens do uso da IA na educação são variadas - desde a melhor coleta e processamento dos dados, passando pelo aprimoramento de aprendizagem e chegando à preparação para o futuro do trabalho. Alguns cuidados precisam ser tomados, principalmente quando se trata de garantir a inclusão digital, lidar com dilemas éticos e certificar a transparência no uso desses dados.

Não dá para ignorar esse assunto nem tratá-lo sem crítica. É possível, sim, fazer o uso pedagógico dessas ferramentas, mas, antes de tudo, deve-se desenvolver a formação dos professores de modo estratégico e atento.

 

 

Nenhum comentário: