Ampliação da Câmara desafia vontade popular
O Globo
Três em quatro brasileiros são contra projeto
que cria mais vagas de deputado. Senado precisa barrá-lo
Deveria servir de alerta aos congressistas o
resultado de pesquisa Datafolha mostrando que três em cada quatro brasileiros
(76%) são contra o aumento do número de deputados federais de 513 para 531,
aprovado pela Câmara no início do mês passado e em análise no Senado. De acordo
com o levantamento, apenas 20% se mostraram favoráveis.
Pela Constituição, cada uma das 27 unidades da Federação tem no mínimo oito e no máximo 70 deputados, dependendo do tamanho da população. Em agosto de 2023, ao julgar ação impetrada pelo governo do Pará, o Supremo Tribunal Federal fixou prazo, até 30 de junho deste ano, para que o Congresso redistribuísse as cadeiras com base na população apurada pelo último Censo — isso não acontecia desde 1993. O que era para ser um rearranjo das bancadas acabou se transformando em oportunidade para aumentá-las. A aritmética criativa dos congressistas resultou no acréscimo de 18 deputados, realidade que destoa de outros países. Os Estados Unidos têm o mesmo número de representantes (435) desde 1929. A Itália reduziu os seus de 630 para 400. A Alemanha, de 736 para 630. E por aí afora.
Se confirmado, o inchaço custará R$ 64,6
milhões anuais, segundo cálculo da própria Diretoria Geral da Câmara. O valor
leva em conta apenas custos diretos, como salários dos novos deputados,
estruturas de gabinete e outras despesas do mandato. Sem falar nas emendas
parlamentares. No ano passado, cada deputado teve direito a R$ 38 milhões
apenas em emendas individuais. Uma conta trivial de multiplicação mostra que,
mantido esse patamar, os custos chegariam perto de R$ 750 milhões. Em meio à
grave crise fiscal do país, aumentar despesas é um contrassenso. Tanto que a
Câmara tem cobrado acertadamente do governo medidas para equilibrar suas
contas.
O aumento também geraria efeito cascata nas
Assembleias Legislativas, uma vez que a Constituição vincula o número de
deputados estaduais ao tamanho das bancadas na Câmara. Levantamento
feito pelo GLOBO mostrou que a criação de 30 novas vagas nas
Assembleias teria impacto anual de quase R$ 75 milhões nos cofres estaduais —
apenas em custos diretos.
Pela proposta aprovada, a partir de 2027, os
estados que deveriam perder cadeiras ficariam como estão, enquanto aqueles cuja
população passou a ser proporcionalmente maior ganhariam deputados. Seus
defensores alegam que a simples redistribuição resultaria em perda de recursos
de emendas para alguns estados e em desequilíbrio federativo. É um argumento
sem sentido. Os recursos das emendas no Brasil já são exorbitantes e precisam
ser cortados — para todos os estados.
Atualizações periódicas de bancadas são
necessárias para equilibrar distorções da demografia. É natural que, ao longo
das décadas, determinados estados ganhem população e outros percam. O certo
seria recalibrar as bancadas. Por isso o Senado tem obrigação de barrar a
irresponsabilidade gestada na Câmara. O Brasil não precisa de mais
parlamentares, categoria que integra a elite do funcionalismo. Congressistas
deveriam olhar com atenção a pesquisa Datafolha. Insistir em ampliar a Câmara
para manter seus interesses paroquiais significa ir na contramão do que pensam
os brasileiros. Para quem vive sob constante escrutínio do eleitorado, não é
bom desafiar a vontade popular. A resposta poderá vir nas urnas.
Prefeituras dão exemplo com projetos de
adaptação às mudanças do clima
O Globo
Por todo o país, governos municipais põem em
prática ideias para proteger a população do aquecimento global
É preciso identificar e apoiar as iniciativas
municipais destinadas a proteger a população das mudanças
climáticas. Há projetos em andamento em diversas cidades brasileiras.
No Sul, as fortes chuvas que atingiram a
Serra Gaúcha no ano passado levaram Caxias do Sul a participar do programa
Cidades Verdes e Resilientes, da C40 Cities, rede que congrega prefeitos de
todo o mundo e serve como canal de troca de experiências para adaptar as
cidades às mudanças do clima e contribuir para o corte de emissões. Em termos
proporcionais, Caxias foi a cidade que sofreu mais deslizamentos no estado,
segundo o secretário municipal de Meio Ambiente,
Ronaldo Boniatti (foram oito mortos e 220 famílias desalojadas). A Prefeitura
investiu mais de R$ 1 milhão num estudo geotécnico no bairro Galópolis, o mais
atingido. O trabalho serve de base para o Plano Municipal de Redução de Riscos
e subsidiará o Plano de Ação Climática. Entre as obras em andamento, estão a
ampliação dos piscinões de contenção da água de enxurradas e uma nova rede de
drenagem de 1,7 quilômetro, incluindo um túnel de 440 metros, com investimento
de R$ 58 milhões.
No outro extremo do país, no Semiárido do
Nordeste, Crato, no Ceará, enfrenta os problemas ambientais com uma combinação
de conservação, reflorestamento e participação comunitária. A cidade também
passou a controlar a especulação fundiária em áreas sensíveis. “Crato é
privilegiada por abrigar unidades de conservação como Floresta Nacional do
Araripe e Refúgio da Vida Silvestre do Soldadinho-do-Araripe”, afirma o
secretário municipal de Meio Ambiente, George Borges. No reflorestamento, a
Prefeitura usa espécies nativas, oriundas de um viveiro em que são produzidas
anualmente cerca de 100 mil mudas. A própria população faz o plantio. “Fomos
responsáveis até pelo fornecimento de mudas para a transposição do São
Francisco”, diz Borges. No planejamento urbano, Crato instituiu Zonas Especiais
de Interesse Social, com regras para a construção em áreas alagadiças e
encostas.
No Sudeste, a cidade de Aracruz, com apoio da
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), restaura áreas degradadas de
manguezais às margens dos rios Piraquê-Açu e Piraquê-Mirim. O projeto visa a
recuperar 200 hectares de mangue, dos mais de 700 atingidos por drenagem,
salinização e chuvas de granizo. A bióloga Mônica Tognella, coordenadora do
projeto desenvolvido pela Ufes, conta que cada pesquisador é responsável por
uma tarefa: “Temos gente trabalhando com a genética da planta para entender por
que todas morreram; professores fazendo estoque de carbono nas plantas; outros
no sedimento e na vazão dos rios”. A Secretaria de Meio Ambiente de Aracruz
contribui com a construção de pequenas barragens escavadas no chão para captar
a água das chuvas.
Não faltam, portanto, ideias e projetos à disposição dos governos municipais, que deveriam ter como prioridade apoiá-los. Afinal, são os prefeitos que lidam mais de perto com a população e suas necessidades.
Bolsonarismo avança com Bolsonaro em risco
Folha de S. Paulo
Inelegibilidade e possível prisão não reduzem
eleitorado do ex-presidente, o que mantém seu cacife para negociar sucessão
Na segunda metade da década passada, o
petismo atravessou uma crise avassaladora. A presidente Dilma
Rousseff foi deposta por impeachment,
e representantes do partido, inclusive o seu líder máximo, Luiz Inácio Lula da
Silva, foram processados, condenados, declarados inelegíveis e presos.
A ofensiva judicial e as suas repercussões
reputacionais, no entanto, não foram capazes de prejudicar a popularidade de
Lula a ponto de anular a sua competitividade eleitoral. Em 2018, mesmo preso, o
seu ungido, Fernando
Haddad, chegou ao segundo turno e recebeu 45% dos votos.
Quatro anos depois, reabilitado pela Justiça,
o próprio ex-presidente obteve o terceiro mandato numa disputa apertada.
Um processo semelhante ocorre com Jair
Bolsonaro (PL).
Em 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou-o
inelegível por ter abusado do poder da Presidência enquanto era candidato à
reeleição. Agora o ex-mandatário responde a uma ação penal que pode
condená-lo à prisão por atentado à democracia.
Entretanto os reveses que Bolsonaro acumula
nos tribunais igualmente não parecem abalar o seu cacife popular.
A rodada mais recente de pesquisas do Datafolha mostra
o ex-presidente, apesar de inelegível, empatado com Lula na simulação de
segundo turno. Só o governador de São Paulo, Tarcísio
de Freitas (Republicanos),
iguala o desempenho de Jair Bolsonaro entre os possíveis adversários do petista
no ano que vem.
Além disso, a simpatia pelo bolsonarismo
atingiu o maior nível desde o final de 2022. Hoje, 35% dos eleitores consideram-se
próximos da corrente encabeçada pelo ex-presidente, alta de 4 pontos
percentuais em relação a abril. Já a inclinação ao petismo caiu outros 4 pontos
percentuais e chegou aos mesmos 35%.
Não espanta, nesse contexto, que o
senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), em entrevista à Folha, comece a dar
recados em nome do pai para os candidatos que desejem o apoio de Jair
no pleito de 2026. Prometer o indulto, caso ele seja condenado, será condição
para o endosso —e já é antecipado e cobrado, em termos temerários, um conflito
com o Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao menos quatro governadores são candidatos
em potencial a herdar os votos bolsonaristas: Tarcísio Freitas (Republicanos),
de São Paulo, Romeu Zema (Novo),
de Minas Gerais, Ronaldo
Caiado (União Brasil),
de Goiás, e Ratinho Júnior (PSD), do Paraná.
Nenhum deles reproduz, em sua conduta
política, o discurso antidemocrático e os conflitos institucionais que
caracterizam o pior do bolsonarismo. Ainda assim, tendem a assumir compromissos
com o ex-presidente em nome de sua viabilidade eleitoral.
Ao mesmo tempo, interessa à direita nacional
distanciar-se de tais cacoetes autoritários em busca de conquistar os eleitores
moderados que podem decidir o pleito. Essa é uma tarefa complexa a ser
conduzida até 2026.
Sob ataque de Trump, Fed tenta conter
inflação
Folha de S. Paulo
Órgão mantém taxa de juros elevada para
padrões dos EUA, dado cenário incerto incitado pelo presidente, que exige
cortes
O banco central americano (Fed) manteve
inalterada a taxa básica de juros entre 4,25% e 4,50% ao ano na quarta
(18). A decisão, esperada pelos mercados, reflete a abordagem cautelosa do
órgão diante de incertezas no ambiente econômico, impulsionadas pela política
comercial do presidente Donald Trump, particularmente
sobre as tarifas, que impactam a inflação.
A estimativa do Fed para a alta de preços em
2025 subiu para 3,1%, ante 2,8% em março. Ao mesmo tempo, caiu a de crescimento
neste ano, de 1,7% para 1,4%, enquanto o desemprego deve
subir ligeiramente para 4,5%, ante estimativa anterior de 4,4%.
Manteve-se a projeção mediana de dois cortes
na taxa de juros de 0,25 ponto percentual em 2025, um sinal de continuidade até
que haja maior clareza. Há, no entanto, crescente divisão interna no comitê de
política monetária da entidade quanto ao momento e à extensão de futuros
afrouxamentos. Dez membros apoiam ao menos dois cortes, enquanto nove visam um
ou nenhum.
Alguns deles, preocupados com a carestia
induzida por tarifas, defendem a restrição prolongada para evitar um salto nas
expectativas de inflação, especialmente porque as empresas relatam custos
crescentes. Outros, citando sinais de enfraquecimento do mercado de trabalho,
apoiam a antecipação dos cortes para impulsionar a atividade.
A tensão aumenta ainda com as críticas
agressivas de Trump ao presidente do Fed, Jerome Powell —comportamento
semelhante ao do brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) em relação
ao ex-presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto.
Repetindo equivocadas crenças populistas,
além de ofensas como "perdedor" e "não é uma pessoa
inteligente", o republicano tem exigido cortes robustos de juros, alegando
que impulsionariam o crescimento e reduziriam os custos da dívida federal.
Na verdade, porém, não persistir no esforço
de controle da inflação elevaria o peso de domá-la posteriormente, na forma de
juros ainda mais altos e perda de bem-estar para a população.
Felizmente, em maio de 2025, a Suprema Corte
reafirmou a estrutura do Fed na burocracia federal, protegendo a instituição
dos ataques de Trump.
Por ora, Powell se equilibra e mantém o rumo. Em coletiva de imprensa, enfatizou uma abordagem orientada por dados, do tipo "esperar para ver". Assim, o cenário mais provável, mesmo com as investidas do presidente americano, parece ser o de juros menores ao longo deste ano no principal centro financeiro global.
A educação, entre a ambição e o realismo
O Estado de S. Paulo
Balanço educacional reafirma o fracasso do
País ao descumprir suas metas e emite o alerta para que o novo PNE não caia em
descrédito por prometer muito e entregar pouco
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (Pnad Contínua) Educação 2024, divulgada recentemente, escancarou a
defasagem brasileira no cumprimento das metas estabelecidas dez anos antes no
Plano Nacional de Educação (PNE) – e é tão útil tanto para revelar o nosso
atraso educacional quanto para emitir o devido alerta na construção das metas
para o próximo ciclo. Com um novo PNE em tramitação no Congresso, destinado a
ser um instrumento de planejamento e gestão educacional do novo decênio, observar
o passado e reconhecer os limites do presente significará encontrar o
equilíbrio adequado de que a educação básica precisa: a conjugação entre
viabilidade e ambição, adotando metas ao mesmo tempo desafiadoras e factíveis.
Caso contrário, o País começará a desacreditar o PNE como bússola orientadora
das políticas educacionais, por prometer muito e entregar pouco.
O IBGE e outros levantamentos confirmaram: só
quatro das 20 metas definidas em 2014 foram cumpridas, parcial ou
integralmente; as demais seguem longe de serem alcançadas. Segundo a
organização Todos Pela Educação, dos 53 indicadores monitorados, apenas quatro
alcançaram ou superaram a meta; 15 atingiram ao menos 90% do previsto; outros
14 ficaram entre 50% e 80%; e nove nem sequer atingiram 50%. Donde se conclui
que é urgente a adoção de um plano mais estruturado, com mecanismos mais
robustos de execução, monitoramento, correção de rota, metas mais bem definidas
e alinhadas à realidade educacional brasileira e inclusão de marcos
intermediários – ao longo de dez anos, as metas estabelecidas estavam lá, como
um adorno no horizonte, sem que o País se apressasse ou reagisse com o rigor
devido conforme se distanciavam na paisagem educacional.
Hoje se descobre, por exemplo, que a taxa de
pessoas analfabetas com 15 anos ou mais foi de 5,3% em 2024, o menor nível da
série histórica, mas o PNE de 2014 previa a erradicação do analfabetismo. No
entanto, 9,1 milhões de brasileiros nessa faixa etária não conseguem ler ou
escrever uma mensagem simples.
A Pnad mostrou ainda que, em 2024, a taxa de
escolarização das pessoas de 15 a 17 anos atingiu 93,4%, mas, apesar da melhora
em todas as regiões, nenhuma delas alcançou a universalização do atendimento
escolar para esse grupo etário, conforme uma das metas do PNE. A mesma
tendência se repetiu nas taxas médias de escolarização infantil: segundo outra
meta, deveríamos ter chegado a 2024 com pelo menos metade das crianças de zero
a 3 anos frequentando a creche. Mas nenhuma região conseguiu fazê-lo.
O plano atual passou por três gestões
federais e será concluído na quarta, todas com prioridades e entraves
distintos. Dilma Rousseff enfrentou seus incontáveis problemas de gestão.
Michel Temer teve pouco tempo para desfazer a terra arrasada do mandarinato
petista. Jair Bolsonaro, a seguir, resultou num MEC ausente. Para completar, a
pandemia provocou o fechamento das escolas por tempo demasiadamente longo e
ampliou as desigualdades educacionais. Com o ministro Camilo Santana, o
ministério passou a ter novamente um plano de voo, mas o avanço, no fim das
contas, está muito aquém do necessário. Ante um fracasso desse tamanho, cria-se
uma dívida educacional a ser paga no próximo decênio. Como alguns especialistas
apontam, o risco é de que o novo PNE carregue o fardo do descumprimento do
anterior e precise cuidar dos problemas não resolvidos, apenas repetindo metas
não cumpridas com novos prazos.
Não está escrito nas estrelas, porém, que só
resta ao novo plano corrigir falhas herdadas. Mas, para evitar seu descrédito,
é o momento de estabelecer metas realistas, menos universais e mais atentas às
diferenças educacionais. A proposta enviada pelo MEC ao Congresso é uma
virtuosa carta de intenções e aberta o suficiente para contar com ajustes e
aperfeiçoamentos dos parlamentares – que, a propósito, parecem estar fazendo
sua parte, com a apresentação de mais de 3 mil emendas. Não é um desafio
trivial achar o equilíbrio entre a ambição e a viabilidade, entre a audácia e o
realismo. Mas isso é não só possível, como imprescindível para evitar novos
atrasos nos próximos dez anos. Sem margem para mais fracassos.
Brasil larga bem na corrida da energia verde
O Estado de S. Paulo
O País está no primeiro escalão global da
transição energética, mas precisa superar desafios regulatórios, tecnológicos e
sociais para realizar todo o seu potencial sustentável
No recém-lançado relatório anual do Fórum
Econômico Mundial sobre transição energética, o Brasil figura na 15.ª posição
num ranking com 118 países, à frente dos países latino-americanos e de
potências como Reino Unido e Estados Unidos. Metade da matriz energética
brasileira provém de fontes renováveis – mais de três vezes a média global, em
torno de 14,3%. O País dispõe de abundantes recursos naturais, hidrelétricas de
grande porte, biomassa diversificada e um vasto potencial em hidrogênio verde e
biocombustíveis. Seu patrimônio ambiental, sobretudo a Amazônia, ainda que sob
pressão, agrega valor estratégico para o mercado de créditos de carbono e
serviços ambientais.
Apesar dessas vantagens, a transição
energética brasileira enfrenta desafios estruturais profundos. A expansão da
geração renovável esbarra em gargalos na infraestrutura de transmissão e
distribuição. Projetos bilionários aguardam conexão à rede elétrica, mas o
atraso em investimentos e o excesso de burocracia reduzem a eficiência do
sistema. A insegurança regulatória e as divergências entre órgãos públicos
minam a confiança dos investidores.
A regulamentação do mercado de carbono ainda
é inconsistente e permeada por interesses conflitantes, comprometendo a
eficiência dos créditos e a atração de investimentos para projetos
sustentáveis, especialmente no combate ao desmatamento, principal fonte
emissora no País. Um sistema transparente e rigoroso pode alavancar o papel do
Brasil como líder global na oferta de soluções ambientais e financeiras,
fortalecendo sua imagem internacional e gerando receita para o desenvolvimento
social e ambiental.
Ademais, a transição demanda mais que
simplesmente substituir fontes. Exige integração tecnológica, políticas
públicas coerentes e estabilidade regulatória que incentivem investimentos em
pesquisa, inovação e qualificação da mão de obra. Será necessário ampliar a
infraestrutura, incluindo a modernização das redes elétricas e o apoio a
soluções de armazenamento e digitalização, para garantir confiabilidade e
eficiência ante as oscilações das fontes renováveis.
O otimismo em relação ao potencial do Brasil
é justificado, mas deve ser acompanhado por realismo e pragmatismo. A transição
energética não é tarefa simples nem imediata. O País está diante de uma janela
histórica de oportunidades, mas isso só será possível com esforço concentrado,
governança forte e visão estratégica, capaz de conciliar crescimento econômico
com preservação ambiental e justiça social.
Um desafio central é a construção de uma
agenda que integre os diversos setores da economia, governos estaduais,
iniciativa privada e sociedade civil. A dispersão e sobreposição de políticas,
leis e regulamentos geram insegurança jurídica e dificultam o planejamento de
longo prazo.
Além disso, a capacitação técnica e a
qualificação da força de trabalho devem ser prioridades para que a transição
não acentue desigualdades, mas crie oportunidades de inclusão produtiva. O
Brasil possui um enorme capital humano que precisa ser mobilizado para atender
à demanda por profissionais especializados em energias renováveis, inovação
tecnológica e gestão ambiental.
A posição de destaque em rankings como o do
Fórum Econômico Mundial evidencia que o Brasil tem condições materiais para ser
protagonista da transição energética global. Mas a trajetória dependerá da
habilidade em superar desafios complexos: infraestrutura deficiente, conflitos
regulatórios, equilíbrio socioeconômico e governança ambiental eficaz. O
sucesso exigirá a combinação de políticas robustas, investimento privado
qualificado e a capacidade de construir consensos em torno de uma agenda clara
e coerente.
Avanços insuficientes
O Estado de S. Paulo
Número dos ‘nem-nem’ e de analfabetos no País
cai, mas segue sendo indecente
No ano passado, o porcentual de jovens de 15
a 29 anos que não trabalhavam, estudavam ou se qualificavam, os “nem-nem”, era
de 18,5%, abaixo dos 19,8% de 2023 e dos 22,4% de 2019, de acordo com a
Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad) Contínua recém-divulgada
pelo IBGE. Apesar da queda sequencial, o porcentual de “nem-nem” segue muito
elevado.
O problema é ainda maior entre as mulheres de
15 a 29 anos, uma vez que uma em cada quatro (24,7%) não trabalhava nem
estudava, o dobro do verificado entre os homens (12,5%). O trabalho doméstico e
a gravidez explicam a diferença nos porcentuais.
Além disso, de acordo com o IBGE, o índice de
analfabetismo em 2024, de 5,3%, foi o menor desde que a série histórica foi
iniciada, em 2016.
A queda no número de “nem-nem” e no de
analfabetos é obviamente positiva, mas quando se olha o quadro geral não há
muito a celebrar.
Instituído em 2014, o Plano Nacional de
Educação (PNE) estabeleceu como meta a erradicação completa do analfabetismo
até 2024. De acordo com o IBGE, porém, no ano passado nada menos que 9,1
milhões de brasileiros não sabiam ler nem escrever. Mais da metade dos
analfabetos (5,1 milhões) tinha 60 anos ou mais, ou seja, o analfabetismo ainda
está fortemente associado à idade avançada. O acesso à educação básica vem se
expandindo ao longo dos anos, porém o fato de que cada vez mais jovens saibam
ler e escrever também não encerra a questão.
Levantamento recente do Indicador de
Alfabetismo Funcional (Inaf) apontou que 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos
são analfabetos funcionais, o que significa que, mesmo sabendo ler e escrever,
são incapazes de interpretar textos ou fazer contas mais complexas. Entre
jovens de 15 a 29 anos, o analfabetismo funcional é de 16%, um índice elevado.
E, para coroar a tragédia que é a educação no País de um modo geral, o Inaf
apontou que mesmo entre brasileiros que concluíram o ensino superior 12% se
enquadram na definição de analfabetos funcionais.
A soma dos totalmente destituídos de educação
com os que, mesmo com diploma, não dominam o básico para operar num mundo cada
vez mais complexo e tecnológico evidencia o desafio imenso que o País tem
diante de si. Não é um desafio novo, e ele exige atenção focalizada, uma vez
que questões regionais, raciais e de gênero ainda determinam o acesso à escola
e o índice de evasão. Segundo dados de 2024 do IBGE, a maioria dos analfabetos
do País (55,6%) está no Nordeste, ante 22,5% no Sudeste, onde está o segundo maior
contingente de brasileiros nessa situação. Já entre os 8,7 milhões de jovens de
14 a 29 anos que abandonaram ou nunca frequentaram a escola, 72,5% eram pretos
ou pardos.
Também são alarmantes os dados sobre educação
na primeira infância, fase da vida essencial para o desenvolvimento humano:
apenas 39,8% das crianças entre zero e 3 anos estavam na escola ou na creche em
2024.
Mantido esse ritmo, em vez de formar cidadãos plenos, o Brasil seguirá condenando milhares, notadamente mulheres, pretos e pardos da Região Nordeste, a um futuro “sem-sem”: sem trabalho remunerado e sem educação.
Assim, o Brasil poderá não apenas consolidar sua posição atual, mas transformar-se em exemplo mundial de como é possível avançar na transição energética de forma equilibrada, inteligente e inclusiva, num caminho que respeite tanto o meio ambiente quanto as necessidades humanas, garantindo sustentabilidade integral – ambiental e social – para as próximas gerações.
Igualdade salarial ainda está distante
Correio Braziliense
Não bastasse a perpetuação dessa injustiça
social, a iniciativa de remunerar homens e mulheres em valores iguais tornou-se
um imbróglio no Judiciário
No próximo dia 3 de julho, a Lei de Igualdade
Salarial completa dois anos de vigência. Ao sancionar a norma, o presidente
Lula anunciou uma atuação firme para acabar com as desigualdades e injustiças
que ocorrem no mundo do trabalho em prejuízo às mulheres. "Não existe essa
de lei pegar ou não pegar. Na verdade, o que existe é governo que faz cumprir a
lei e governo que não faz cumprir a lei. E nosso governo vai fazer
cumprir", disse Lula, ao sancionar a Lei nº 14.611/2023.
À época, a então ministra das Mulheres, Cida
Gonçalves, deu um diagnóstico da realidade brasileira. "Em plena segunda
década do século 21, a mulher ainda recebe, em média, 22% a menos do que o
homem. E as mulheres negras recebem menos da metade do salário dos homens
brancos", observou.
De lá para cá, o quadro apresentou poucos
avanços. O 3º Relatório de Transparência Salarial e Desigualdade, divulgado em
abril, indicou o muro que separa homens e mulheres quanto se trata de
remuneração. O levantamento, feito a partir de informações cedidas por 53 mil
estabelecimentos privados com ao menos 100 empregados, concluiu que elas ganham
em média 20,9% a menos do que os trabalhadores do sexo masculino. A desvantagem
é ainda maior em relação às negras: o rendimento delas equivale a 47,5% do que ganham
homens brancos.
Não bastasse a perpetuação dessa injustiça
social, a iniciativa de remunerar homens e mulheres em valores iguais tornou-se
um imbróglio no Judiciário. Tramitam no Supremo Tribunal Federal duas Ações
Diretas de Inconstitucionalidade contra determinados trechos da Lei de
Igualdade Salarial. Argumentam, de um lado, que a atual legislação desconsidera
critérios de diferenciação salarial previstos em lei, como tempo no exercício
da função; de outro, obriga as empresas a divulgarem dados que podem ser
interpretados como política discriminatória ou comprometem os princípios
constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa.
No final de abril, a Procuradoria-Geral da
República atendeu parcialmente às reivindicações presentes nas ações que
tramitam no Supremo. Entendeu que é inconstitucional os Relatórios de
Transparência Salarial divulgarem valores e funções que permitam identificar o
empregado, ainda que ele esteja anônimo. Pontuou, ainda, que não cabe à Lei nº
14.611/2023 punir empresas que estipulam diferenças salariais a partir de um
programa de cargos e salários, em conformidade com a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT).
As ações relativas à Lei de Igualdade
Salarial estão sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Espera-se que os
alegados ajustes ocorram, de modo que o sentido maior da lei seja cumprido. A
desigualdade no Brasil resulta de um processo histórico, que levará gerações
para ser corrigido. Combater a iniquidade, valorizar a meritocracia e
estabelecer mecanismos contra a discriminação são princípios civilizatórios dos
quais o país não pode prescindir se quiser obter avanços sociais
relevantes.
Os desafios do uso da IA na educação
O Povo (CE)
O uso da Inteligência Artificial (IA) no
processo educacional parece inevitável. Não há como lutar contra o fenômeno,
cujas ferramentas vão muito além do ChatGPT. Não se discute se ela chegará às
escolas e demais instituições de ensino, mas como ela chegará, como será usada
e de que forma será incorporada ao cotidiano da educação.
Na semana que passou, O POVO publicou a
reportagem "IA na educação básica: como o Ceará lida com mais uma
revolução na sala de aula" (18/6/2025), assinada pela jornalista Alexia
Vieira, que mostra a corrida para a adoção de ferramentas de IA na educação no
Ceará. Com a evolução da tecnologia, cada vez mais rápida, as escolas, os
estudantes e os professores estão sendo impactados pelos desafios e promessas e
que fazem parte da incorporação desses recursos.
Um dos exemplos desse uso é o fato de os
estudantes usarem chatbots para solucionar dúvidas e programas de tutoria
personalizada para se aprofundar nos conteúdos. Os professores procuram a IA
para corrigir redações, planejar aulas, formular questões e criar atividades.
Além disso, os sistemas auxiliam na administração dos diários escolares, como
notas e faltas e mapeamento de dificuldades de aprendizagem.
A referida reportagem cita um treinamento
relevante, dado aos docentes, promovido pela Secretaria Estadual da Educação
(Seduc). Os professores têm participado de uma formação piloto acerca do uso de
IA na escola. A iniciativa foi implementada em 2024 e tem como objetivo
qualificar os professores de 40 escolas da Região Metropolitana de Fortaleza
(RMF) para utilizar a tecnologia de forma crítica e alinhada com princípios
pedagógicos. Isso inclui encontros presenciais e acompanhamento depois das
aulas.
Essa formação faz parte dos eixos do Plano de
Educação Digital, que está sendo elaborado pelo Ceará e que deve ficar pronto
até o fim de 2025. A ideia desse treinamento é dar segurança ao professor no
uso das ferramentas e discutir dilemas éticos, desafios e a demanda de adaptar
os recursos disponíveis à estrutura da escola. A formação deve ser expandida
para toda a rede.
É uma experiência interessante, por mais que
seja, por ora, destinada a uma pequena parcela dos docentes e restrita a uma
esfera da educação. Na iniciativa privada, há exemplos de formações
semelhantes, mas certamente ainda não atinge a todos os professores. É preciso
rever questões estruturais, como o acesso à internet de qualidade nas escolas e
a disponibilidade de equipamentos que dialoguem com as novas tecnologias, além
da alfabetização e do letramento digital de alunos e professores.
As vantagens do uso da IA na educação são
variadas - desde a melhor coleta e processamento dos dados, passando pelo
aprimoramento de aprendizagem e chegando à preparação para o futuro do
trabalho. Alguns cuidados precisam ser tomados, principalmente quando se trata
de garantir a inclusão digital, lidar com dilemas éticos e certificar a
transparência no uso desses dados.
Não dá para ignorar esse assunto nem tratá-lo
sem crítica. É possível, sim, fazer o uso pedagógico dessas ferramentas, mas,
antes de tudo, deve-se desenvolver a formação dos professores de modo
estratégico e atento.
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