Dalmo de Abreu Dallari
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
VINTE ANOS de estabilidade política e econômica e avanços significativos no sentido da democratização da sociedade e da correção das injustiças sociais: essa é a realidade brasileira de hoje, e esse balanço positivo é devido, em grande parte, à Constituição de 1988.
Com efeito, graças aos princípios e normas que ela consagrou e aos instrumentos de ação política e jurídica nela estabelecidos é que tem sido assegurada, sem esforço, a continuidade da ordem constitucional democraticamente estabelecida no Brasil.
A par disso, vem crescendo continuamente a influência da Constituição na sociedade brasileira. Mudando seu tradicional ceticismo, as pessoas estão acreditando que têm direitos e que vale a pena lutar por eles.
Para a correta avaliação da Constituição e dos resultados obtidos a partir de sua vigência, é importante lembrar, antes de tudo, que ela foi o resultado de intensa mobilização social em favor da dignidade da pessoa humana.
A partir das reações contra as violências praticadas pela ditadura militar, alguns pontos foram ficando claros, e o potencial cívico adormecido do povo brasileiro foi sendo despertado.
Com efeito, ficou evidente a associação do uso da força com o objetivo de preservação de privilégios tradicionais, pois as vítimas das violências eram, em sua grande maioria, pessoas e organizações que propunham mudanças na ordem social, política e econômica brasileira visando a eliminação de injustiças tradicionais.
Assim surgiu a idéia de eliminar a ditadura e, concomitantemente, estabelecer uma ordem social mais justa por meio de uma Constituinte.
Um dado histórico de fundamental importância é que o povo continuou mobilizado mesmo depois de instalada a Constituinte, apresentando propostas e buscando contrabalançar o peso dos oligarcas ali presentes.
O resultado disso tudo foi a Constituição de 1988, que é, sem nenhuma dúvida, a mais democrática de todas as que o Brasil já teve, tanto pela participação do povo quanto por seu conteúdo, pois nela estão consagrados não só os tradicionais direitos individuais, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais.
Esse é, aliás, um dos pontos indicados pelos adversários da Constituição -geralmente pessoas apegadas aos antigos privilégios- como utópicos e fora da realidade.
Desmentindo essa crítica, basta olhar para a realidade brasileira de hoje para verificar que não só aumentou consideravelmente a porcentagem de brasileiros com acesso a direitos como educação e saúde, como tem aumentado a exigência de efetivação desses direitos por meio de ações judiciais ou de manifestações de organizações sociais. Isso demonstra que o povo passou a acreditar que tem direitos e começou a lutar por eles.
Quanto aos defeitos da Constituição, é importante assinalar que algumas das alegadas imperfeições são assim qualificadas por incompreensão ou por se referirem a pontos que os saudosos dos antigos privilégios consideram negativos.
O que importa é que a Constituição de 1988 é, efetivamente, na sua essência, a expressão da vontade do povo. É claro que alguns aperfeiçoamentos são necessários, como a modificação do processo eleitoral, para dar mais autenticidade à representação e impedir práticas de corrupção.
A par disso, há ainda um longo caminho a ser percorrido para eliminar injustiças gritantes, como a existência de crianças e jovens vítimas de pobreza, vivendo à margem da sociedade. Há, também, a necessidade de eliminar vícios tradicionais que são causas de desigualdade regional e social.
Mas a conclusão, pelos dados divulgados pela imprensa, assim como pelo que se verifica facilmente em grande parte do Brasil em termos de redução das discriminações e marginalizações, é que há bons motivos para comemoração, pois a Constituição foi um passo de grande importância no sentido de assegurar a existência de uma ordem baseada no direito, tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana e prevendo os meios para que, por vias pacíficas, as pessoas de boa vontade lutem para que os direitos fundamentais sejam direitos de todos, e não privilégios de alguns.
DALMO DE ABREU DALLARI, 76, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios Jurídicos do município de São Paulo (gestão Erundina).
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
VINTE ANOS de estabilidade política e econômica e avanços significativos no sentido da democratização da sociedade e da correção das injustiças sociais: essa é a realidade brasileira de hoje, e esse balanço positivo é devido, em grande parte, à Constituição de 1988.
Com efeito, graças aos princípios e normas que ela consagrou e aos instrumentos de ação política e jurídica nela estabelecidos é que tem sido assegurada, sem esforço, a continuidade da ordem constitucional democraticamente estabelecida no Brasil.
A par disso, vem crescendo continuamente a influência da Constituição na sociedade brasileira. Mudando seu tradicional ceticismo, as pessoas estão acreditando que têm direitos e que vale a pena lutar por eles.
Para a correta avaliação da Constituição e dos resultados obtidos a partir de sua vigência, é importante lembrar, antes de tudo, que ela foi o resultado de intensa mobilização social em favor da dignidade da pessoa humana.
A partir das reações contra as violências praticadas pela ditadura militar, alguns pontos foram ficando claros, e o potencial cívico adormecido do povo brasileiro foi sendo despertado.
Com efeito, ficou evidente a associação do uso da força com o objetivo de preservação de privilégios tradicionais, pois as vítimas das violências eram, em sua grande maioria, pessoas e organizações que propunham mudanças na ordem social, política e econômica brasileira visando a eliminação de injustiças tradicionais.
Assim surgiu a idéia de eliminar a ditadura e, concomitantemente, estabelecer uma ordem social mais justa por meio de uma Constituinte.
Um dado histórico de fundamental importância é que o povo continuou mobilizado mesmo depois de instalada a Constituinte, apresentando propostas e buscando contrabalançar o peso dos oligarcas ali presentes.
O resultado disso tudo foi a Constituição de 1988, que é, sem nenhuma dúvida, a mais democrática de todas as que o Brasil já teve, tanto pela participação do povo quanto por seu conteúdo, pois nela estão consagrados não só os tradicionais direitos individuais, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais.
Esse é, aliás, um dos pontos indicados pelos adversários da Constituição -geralmente pessoas apegadas aos antigos privilégios- como utópicos e fora da realidade.
Desmentindo essa crítica, basta olhar para a realidade brasileira de hoje para verificar que não só aumentou consideravelmente a porcentagem de brasileiros com acesso a direitos como educação e saúde, como tem aumentado a exigência de efetivação desses direitos por meio de ações judiciais ou de manifestações de organizações sociais. Isso demonstra que o povo passou a acreditar que tem direitos e começou a lutar por eles.
Quanto aos defeitos da Constituição, é importante assinalar que algumas das alegadas imperfeições são assim qualificadas por incompreensão ou por se referirem a pontos que os saudosos dos antigos privilégios consideram negativos.
O que importa é que a Constituição de 1988 é, efetivamente, na sua essência, a expressão da vontade do povo. É claro que alguns aperfeiçoamentos são necessários, como a modificação do processo eleitoral, para dar mais autenticidade à representação e impedir práticas de corrupção.
A par disso, há ainda um longo caminho a ser percorrido para eliminar injustiças gritantes, como a existência de crianças e jovens vítimas de pobreza, vivendo à margem da sociedade. Há, também, a necessidade de eliminar vícios tradicionais que são causas de desigualdade regional e social.
Mas a conclusão, pelos dados divulgados pela imprensa, assim como pelo que se verifica facilmente em grande parte do Brasil em termos de redução das discriminações e marginalizações, é que há bons motivos para comemoração, pois a Constituição foi um passo de grande importância no sentido de assegurar a existência de uma ordem baseada no direito, tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana e prevendo os meios para que, por vias pacíficas, as pessoas de boa vontade lutem para que os direitos fundamentais sejam direitos de todos, e não privilégios de alguns.
DALMO DE ABREU DALLARI, 76, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios Jurídicos do município de São Paulo (gestão Erundina).
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