Findo o carnaval, o ano, afinal, teve início. E, ao governo, boas novas não trouxe. De certas notícias, já se sabia. Dos 5% de crescimento do PIB, prometidos com grande alarde, só foi possível entregar pouco mais da metade: 2,7%. E, ainda assim, a inflação por pouco não ultrapassa o teto de tolerância da meta. De outras, só agora se soube. A indústria de transformação mostrou crescimento próximo de zero em 2011. E, em janeiro, a produção industrial sofreu queda de 2,1%.
Tal conjunção de más notícias foi o que bastou para que se formasse em Brasília quadro propício a reações impensadas. A começar pela retórica bombástica - mais apropriada a operações militares ou de mobilização da defesa civil - que passou a pautar o discurso econômico do governo: "guerra cambial", "arsenal ilimitado" e "tsunami monetário". Em meio à coreografia guerreira, o que na verdade se vê é uma equipe econômica atarantada - pressionada pelo Planalto e assediada por lobbies de todo tipo - pronta a prometer, a torto e a direito, todo o ativismo que a situação vier a exigir. Não surpreende que, nesse ambiente, tenha ressurgido no País um festival de ideias estapafúrdias, que vão do fechamento da economia à taxação de exportações.
Mais do que nunca, o que a situação exige é reação serena da política econômica, pautada por análise objetiva dos fatos. Tudo indica que, na esteira dos estímulos à demanda já desencadeados, a economia deverá chegar ao quarto trimestre crescendo a uma taxa anualizada perfeitamente aceitável. Estímulos adicionais servirão apenas para tornar ainda mais árdua a tarefa de manter a inflação sob controle em 2013. Mas é improvável que, com a insegurança de que foi tomado, o governo consiga evitar o excesso de ativismo.
O que, sim, complica em muito a situação é a enorme dificuldade que vem enfrentando a indústria para absorver o choque de realidade a que vem sendo submetida, ao contemplar a real extensão de sua perda de competitividade. É claro que uma taxa de câmbio mais depreciada ajudaria. O problema, contudo, é que, ao longo dos anos, a indústria se habituou a desprezar outros fatores cruciais que vinham erodindo sua competitividade.
Não é de hoje que boa parte da indústria vem apostando na ideia de que tudo, ou quase tudo, poderia ser resolvido pelo lado do câmbio. Mesmo que não voltassem os "bons tempos" de uma taxa de câmbio típica de economia com séria restrição externa, o governo, se devidamente pressionado, poderia perfeitamente assegurar um câmbio bem mais depreciado. Viável era. Ou, pelo menos, era essa a fantasia. E, enquanto insistia em falar grosso contra a política cambial, grande parte da indústria se permitia falar bem mais fino contra o crescimento descontrolado de gastos correntes do governo, a carência de investimentos públicos e a elevação sem fim da carga tributária.
Só agora a indústria começa a se dar conta das dificuldades de manter a competitividade em uma economia cada vez mais sobretaxada, em que os três níveis de governo já extraem 36% do PIB em tributos e, nem de longe, conseguem desempenhar como deveriam os papéis que lhes cabem na oferta de serviços públicos e na expansão da infraestrutura. No setor serviços, o aumento persistente de Custo Brasil tem sido repassado aos preços sem maiores dificuldades. Na indústria, contudo, exposta à concorrência externa, o aumento de Custo Brasil vem, pouco a pouco, estrangulando a competitividade.
Dissipada a miragem da depreciação cambial fácil, parte da indústria agora se agarra à triste bandeira da escalada protecionista. O que, para o país, seria um colossal retrocesso. As dificuldades da indústria têm de ser superadas sem que a economia se torne ainda mais fechada do que já é. E, para isso, claro, vai ser preciso bem mais do que a nova aspersão de paliativos que o governo contempla. Mas, para viabilizar esforço de mais fôlego e menos imediatista nessa linha, é fundamental que a indústria mude o discurso e, pelo menos, passe a bater nas teclas certas.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.
FONTE: O GLOBO
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