sexta-feira, 16 de março de 2012

Antes aliada que mal acompanhada:: Maria Cristina Fernandes

Foi numa outra campanha municipal que o PT pavimentou o caminho para sua maior crise desde que apeou-se no poder. Foi o arremedo de solução encontrado ali para a coalizão de governo que agora faz água.

A história é conhecida. Para compensar a ausência do PMDB os petistas amealharam pequenas legendas para lhes dar sustentação.

Foi nesse momento que o pequeno PL ganhou o Ministério dos Transportes. Se a Esplanada reproduzisse o mapa do Brasil, a Pasta seria São Paulo. Concentra quase um terço dos investimentos da União, proporção equivalente ao que os paulistas produzem da riqueza nacional.

Corria o ano de 2004 e, feito o loteamento, era chegada a hora de os partidos renovarem a fonte de seu poder com as eleições municipais. Quanto mais prefeitos o partido faz, maiores as chances de aumentar suas bancadas parlamentares.

É o momento em que os partidos medem forças. Sempre foi assim. Até a gestão Fernando Henrique Cardoso os governos estaduais tinham mais liberdade para fomentar prefeitos aliados. Fechada a torneira do dinheiro fácil dos bancos estaduais, cresceu a dependência das prefeituras em relação aos cofres federais. À pauta de votação no Congresso some-se o tempo de TV como moeda de troca dos aliados.

No governo Luiz Inácio Lula da Silva o apetite da base ampliada pelos cofres federais detonou o combinado e marcou a entrada oficial do PMDB na coalizão. O partido avançaria até chegar à vice da presidente Dilma Rousseff, mas os antigos aliados petistas não desembarcariam.

A pretexto de não se fazer refém do PMDB, o governo manteve pequenas e médias legendas em sua órbita.

Formou-se um governo de superlativos. A coalizão mais ampla da história dá sustentação à gestão de maior volatilidade ministerial. Tudo isso é mantido pela mais alta popularidade que um presidente já desfrutou em seu primeiro ano de governo.

Essa popularidade é sustentada em grande parte pelas demonstrações públicas de uma presidente que não transige com o malfeito.

Um dos primeiros ministérios atingidos pela faxina foi o dos Transportes que permanecia nas mãos do PL, agora renomeado para PR.

O partido ruma para rivalizar com o PMDB como o partido que mais tempo encabeça os Transportes. O domínio pemedebista se deu no governo Fernando Henrique Cardoso. O partido fez da Pasta seu principal bastião de resistência à dominância pefelista na coalizão.

Foi de posse dos Transportes que o PR sobreviveu ao mensalão e chegou ao governo como uma legenda de médio porte. É a sexta bancada da Câmara e a quarta do Senado. Na equação montada por Lula e herdada por Dilma, o governo não apenas não se viu livre do pemedebismo como arrumou mais aprendizes da política como chantagem.

A presidente resolveu experimentar nos Transportes os limites de sua relação com o PR e com a própria base. Quando o senador Alfredo Nascimento (PR-AM) caiu, e o secretário-executivo de perfil técnico, mas filiado ao partido, assumiu, abriu-se uma brecha para limpar a Pasta de algumas nomeações políticas.

Algumas de suas autarquias foram profissionalizadas e tiveram contratos revistos. Muitos dos feudos do PR ainda resistem na Pasta mas a diretiva parece ser a de uma ocupação paulatina do gerenciamento por metas.

Amplie-se a dificuldade do partido de se adequar às diretrizes da presidente-gerente para o resto da base e está aí o tamanho da encrenca. Os aliados tanto entenderam o jogo dos Transportes que escolheram a recondução do diretor de uma agência reguladora da área para medir forças com a presidente.

É natural que a opinião pública fique ao lado de Dilma. Quem não ficaria depois de ouvir o que o líder do PR no Senado, Blairo Maggi (MT), disse à Raquel Ulhôa, do Valor, sobre o rompimento de sua bancada com o governo: "Não vou fazer o comunicado oficial da tribuna hoje. Vou fazer amanhã ou depois. Temos tempo. Mas a possibilidade é pequena. O partido não abre mão de voltar ao Ministério dos Transportes". Com um aliado desses, dá pra entender por que a presidente chora tanto em público.

A atual conjuntura do Judiciário também joga água no moinho de Dilma. O novo presidente do Supremo Tribunal Federal é um dos maiores entusiastas da Lei da Ficha Limpa, a corregedora do Conselho Nacional de Justiça mostrou que nem sempre a conciliação é a melhor saída e até o cerco da Justiça Eleitoral o parece estar mais estreito. É sintomático que o PT lidere uma iniciativa de 18 partidos contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de apenas conceder registro a candidato cujas contas de campanhas pregressas já tenham sido aprovadas.

Veio do novo líder do governo no Senado, Eduardo Barga (PMDB-AM) uma pista da saída institucional para o clima de insatisfação que domina a relação da presidente com sua base. Não é liberando emendas, disse, que se resolve essa crise, mas trazendo os partidos para participar da elaboração dos programas dos ministérios. Acertados os programas, as emendas seriam uma simples consequência.

Dito assim, fica até bonito. O gerenciamento é técnico, mas as metas são políticas e, por integrarem um governo de coalizão, pactuadas com os partidos. A questão é como se conciliam as vontades de 19 legendas politicamente tão distintas, num ano das disputas mais heterogêneas do calendário eleitoral, com as diretrizes de uma presidente obstinada pela boa gerência e, em cuja indiscutível trajetória política, falta um capítulo de experiência parlamentar.

Some-se a isso a crença do partido da presidente de que na eleição paulistana joga-se o destino da República.

Não é por culpa de Dilma que o pré-candidato petista Fernando Haddad ainda não fechou uma única aliança em São Paulo.

Mas Haddad só e a presidente tão mal acompanhada parecem trilhar a mesma dificuldade - a de encontrar os parceiros com os quais é possível traçar planos e firmar compromissos em nome de objetivos comuns. E não se diga que a laringe de Lula tem alguma coisa a ver com isso. Aos 32 anos de idade e há dez no Planalto, o PT já poderia ter aprendido.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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