domingo, 21 de outubro de 2012

Momento de decisão - Dora Kramer


O ministro Celso de Mello não se abala com ataques aos procedimentos do Su­premo Tribunal Federal no julgamento do mensalão nem se deixa impressionar pelos elogios. "Is­so tudo é passageiro", ameniza.

Permanente mesmo - o mais im­portante na opinião dele - é o "alto poder pedagógico" do processo, cuja essência não está na distinção entre técnica e política, mas em seu caráter moral. "A peça fundamental em exa­me é a ética de governos."

Obviamente o ministro repudia a versão de que o STF estaria atuando como um "tribunal de exceção", dis­tanciando-se do rigor legal para enve­redar pelo terreno da perseguição a um partido: "Os conceitos emitidos não es­tão distanciados da realidade constitu­cional. Ao contrário. A fidelidade à Constituição é que nos permite de­monstrar a transgressão". "

O juízo definitivo, considera, será da­do pela percepção do País a respeito do que vem sendo dito há quase três meses pelo Supremo. "Há um esforço do tribu­nal para que a coletividade saiba perfei­tamente por que os réus são condena­dos ou absolvidos."

Daí a utilidade e a necessidade de os ministros sustentarem seus votos em argumentos doutrinários e também em princípios como o defendido por ele no dia 1° de outubro na condena­ção de deputados por corrupção passiva: "Quem tem nas mãos o poder do Estado não pode exercer o poder em proveito próprio".

Celso de Mèllo acompanha todas as críticas, lê os sites mais desaforados, cita autores, reproduz trechos de memória. Descontado o desconforto com as que "beiram a irracionalidade" e as que "resvalam para a ofensa pessoal", celebra o "pluralismo de ideias" e aponta que aí reside a beleza da democracia.

"Ruim era o tempo em que injúrias a ministros do Supremo eram consideradas crimes de lesa-pátria", diz, exibindo como prova o artigo da Lei de Segurança Nacional ainda em vigor, mas neste aspecto letra morta. "Ainda bem", comemora.

O decano, desde 1989 na Corte, prepa­ra-se para dar por encerrada sua missão - "este é meu último outubro aqui" - antecipando uma aposentadoria que por idade ocorreria só em 2015, a conse­lho do médico por causa das sucessivas crises de hipertensão.

Não provocadas, mas agravadas pelo excesso de trabalho do propesso em curso, "uma exaustiva maratóna". O es­gotamento físico, contudo, é, na visão do ministro, largamente compensado pela oportunidade de estabelecer no­vos paradigmas no trato de crimes co­metidos a partir do controle do apare­lho de Estado.

"Não estamos julgando simples deli­tos de corrupção, estamos diante de uma ação corruptora destrutiva do fun­damento essencial da República, que é a separação dos Poderes e o equilíbrio en­tre eles."

A tentativa de subjugar o Legislativo às vontades do Executivo e ainda mediante a compra dessa submissão, na concepção de Celso de Mello, afron­ta a integridade do Estado de direito e põe em risco a garantia das liberda­des.

Como? O decano explica: "Se um dos Poderes concentra toda a força e, mais grave, constrói essa hegemonia por meio de iniciativa criminosa, o que se tem é uma aguda distorção ins­titucional decorrente da ilicitude e do modo imperial de governar".

A expectativa do ministro é que es­se julgamento funcione também co­mo um estímulo à restauração dos preceitos republicanos.

Torce para que a sociedade com­preenda o panorama que emerge de todo esse debate e se esforce para de­fender seu direito de contar com "ad­ministradores íntegros, parlamenta­res probos e juizes incorruptíveis".

Para Celso de Mello a mensagem do STF está dada: "A absoluta intolerância do Poder Judiciário em face de atos de corrupção".

Sobre o maior ou menor alcance que isso terá daqui em diante o me­lhor juiz é "o povo brasileiro" que, na opinião do ministro, vive "um momento de decisão".

Fonte: O Estado de S. Paulo

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