O tiro saiu pela culatra, e o partido da ética na política consagrou-se como
um exemplo de corrupção
Quando o escândalo do mensalão abalou a vida política do país e,
particularmente, o governo Lula e seu partido, alguns dos petistas mais
ingênuos choraram em plena Câmara dos Deputados, desapontados com o que era,
para eles, uma traição. Lula, assustado, declarou que havia sido traído, mas
logo acertou, com seus comparsas, um modo de safar-se do desastre.
Escolheram o pobre do Delúbio Soares para assumir sozinho a culpa da
falcatrua. Para convencê-lo, creio eu, asseguraram-lhe que nada lhe
aconteceria, porque o Supremo estava nas mãos deles. Delúbio acreditou nisso a
tal ponto que chegou a dizer, na ocasião, que o mensalão em breve se tornaria
piada de salão.
Certo disso, assumiu a responsabilidade por toda a tramoia, que envolveu
muitos milhões de reais na compra de deputados dos partidos que constituíam a
base parlamentar do governo.
Embora fosse ele apenas um tesoureiro, afirmou que sozinho articulara os empréstimos
fajutos, numa operação que envolvia do Banco do Brasil (Visanet), o Banco Rural
e o Banco de Minas Gerais, e sem nada dizer a ninguém: não disse a Lula, com
que privava nos churrascos dominicais, não disse a Genoino, presidente do PT,
nem a José Dirceu, o ministro político do governo.
Era ele, como se vê, um tesoureiro e tanto, como jamais houve igual. Claro,
tudo mentira, mas estava convencido da impunidade. A esta altura, condenado
pelo STF, deve maldizer a esperteza de seus comparsas. Mas os comparsas, por
sua vez, devem amaldiçoar o único que, pelo menos até agora, escapou ileso do
desastre -o Lula.
Pois bem, como o tiro saiu pela culatra e o partido da ética na política
consagrou-se como um exemplo de corrupção, Lula e sua turma já começaram a
inventar uma versão que, se não os limpará de todo, pelo menos vai lhes
permitir continuar mentindo com arrogância. O truque é velho, mas é o único que
resta em situações semelhantes: posar de vítima.
E se o cara se faz de vítima, tem o direito de se indignar, já que foi
injustiçado. Por isso mesmo, vimos José Genoino vir a público denunciar a
punição que sofreu, muito embora tenha sido condenado por nove dos dez
ministros do STF, quase por unanimidade.
A única hipótese seria, neste caso, que se trata de um complô dos ministros
contra os petistas. Mas mesmo essa não se sustenta, uma vez que dos dez membros
do Supremo, oito foram nomeados por Lula e Dilma.
Reação como a de Genoino era de se esperar, mesmo porque, alguns dias antes,
a direção do PT publicara aquele lamentável manifesto em que afirmava ser o
processo do mensalão um golpe semelhante aos que derrubaram Getúlio Vargas e
João Goulart. Também a nota posterior à condenação de José Dirceu repete a mesma
versão, segundo a qual os mensaleiros estão sendo condenados porque lutam por
um Brasil mais justo. O STF, como se sabe, é contra isso.
Não por acaso, Lula -que reside num apartamento duplex de cobertura e veste
ternos Armani- voltou a usar o mesmo vocabulário dos velhos tempos: "A
burguesia não pode voltar ao poder". Sim, não pode, porque agora quem nos
governa é a classe operária, aquela que já chegou ao paraíso.
Não tenho nenhum prazer em assistir a esse espetáculo degradante, quando
políticos de prestígio popular, que durante algum tempo encarnaram a defesa da
democracia e da justiça social em nosso país, são condenados por graves
atentados à ética e aos interesses da nação. As condenações ocorreram porque
não havia como o STF furtar-se às evidências: dinheiro público foi entregue ao
PT, mediante empréstimos fictícios, que tornaram possível a compra de deputados
para votarem com o governo. Tudo conforme a ética petista, antiburguesa.
Mas não tenhamos ilusões. Apesar de todo esse escândalo, apesar das
condenações pela mais alta corte de Justiça, o PT cresceu nas últimas eleições.
Tem agora mais prefeituras do que antes e talvez ganhe a de São Paulo. Nisso
certamente influiu sua capacidade de mascarar a verdade, mas não só. Com a
mesma falta de escrúpulos, tendo o poder nas mãos, manipula igualmente as
carências dos mais necessitados e dos ressentidos.
Não vai ser fácil acharmos o rumo certo.
Fonte: Folha de S. Paulo /Ilustrada
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