Política social tornou-se um dos temas mais importantes, senão o mais importante, desde que Lula assumiu a Presidência em 2003. Aliás, quando Fernando Henrique começou a falar de sua sucessão, a partir de 2000, afirmou que o candidato do governo sairia da área social. José Serra foi o candidato depois de ter ocupado o Ministério da Saúde e ocupado a mídia com várias iniciativas, tais como campanhas de vacinação, quebra de patentes de remédios etc. A política de transferência de renda consagrada pelo Bolsa Família no governo Lula teve início com o Bolsa Escola no governo Fernando Henrique.
Lula e Fernando Henrique estavam pressionados pelo eleitorado. Política social de sucesso dá voto. O desempenho eleitoral de Serra em 2002, derrotado por mais de 20 pontos percentuais de margem por Lula, não pode ser atribuído à sua associação com a área da saúde, mas sim com o fato de o governo Fernando Henrique ter tido uma avaliação abaixo de 30% de "ótimo" e "bom" às vésperas da eleição. Lula investiu pesadamente na política social por várias razões: pressão social e da opinião pública, necessidade de renovar a agenda do país - depois de solucionado o problema da inflação, outros problemas apareceram - e também por conta de sua ideologia. Líderes e governos de esquerda, quando precisam escolher, conferem mais importância ao combate à desigualdade de renda do que à geração de eficiência econômica. Todos os governos fazem as duas coisas, a diferença está na prioridade atribuída a cada uma delas.
O resultado de política social, sejam iniciativas de transferência de renda, como o Bolsa Família, seja o aumento real do salário mínimo e, principalmente, a melhoria da escolaridade da população mais pobre, tudo isso resultou na redução da desigualdade de renda. Todos os dados comprovam isso: as Pnads do IBGE, as criteriosas análises do Ipea, estudos acadêmicos etc. A desigualdade diminuiu e isso é aprovado pela população: 57% consideram que é bom para o Brasil e para o povo brasileiro que a desigualdade entre ricos e pobres diminua. Somente 22% acham que isso não é bom nem é ruim, e 9% acham que a redução da desigualdade de renda não é algo bom para o país.
Tão importante como essa aprovação da maioria da população à redução da desigualdade é a percepção, também bastante ampla, de que a classe média vem crescendo. De fato, 49% dos brasileiros consideram que a classe média no Brasil está aumentando e com isso a desigualdade entre ricos e pobres está diminuindo, enquanto 38% acreditam que a desigualdade entre pobres e ricos não está diminuindo. O que a população quer, redução da desigualdade, vem sendo atendido.
Há a percepção de que a desigualdade diminuiu mais durante o governo Lula do que no governo Dilma: 56% dos brasileiros afirmam que a desigualdade diminuiu quando Lula foi presidente e a proporção é de 38% quando se pergunta se isso ocorreu no governo Dilma. Por outro lado, 24% acham que a desigualdade permaneceu inalterada no período Lula e 35% dizem o mesmo para o atual governo. Uma minoria dos brasileiros acha que a desigualdade aumentou. Isso vale tanto para os 16% que consideram que assim foi no governo Lula e os 22% que dizem que ocorreu no governo Dilma.
Estamos tratando aqui de percepções da sociedade e não de dados reais. Vários fatores levam a população a considerar que Lula foi mais efetivo no combate à desigualdade do que Dilma. Que fatores são esses? Impossível dizer com certeza. Podem-se levantar algumas hipóteses e uma delas tem a ver com a própria biografia de cada um deles. Lula foi o retirante nordestino que chegou ao poder para defender os mais pobres. Dilma tem a trajetória de uma pessoa de classe média. Assim, é mais fácil para o eleitorado associar a redução da distância entre ricos e pobres com Lula do que com Dilma. Outra hipótese tem a ver com os fatos de Lula ter governado por dois mandatos e no último ano de seu governo o crescimento econômico ter sido de 7,5%. A memória da população é de um período de bonança. O governo Lula é um retrato feliz na parede das casas da grande maioria dos brasileiros. É possível que a melhoria intensa e generalizada do bem-estar resulte na percepção de que a desigualdade foi reduzida de maneira mais efetiva.
No Brasil, durante a ditadura militar, tornou-se famosa a concepção de que seria necessário primeiro fazer o bolo crescer, para só então dividi-lo. O crescimento econômico foi colocado em oposição à redistribuição de renda. Há, de fato, uma diferença, presente até hoje no discurso de políticos de centro-esquerda, quando comparado aos líderes da centro-direita. Lula e Dilma sempre enfatizam que não faz sentido crescer a qualquer custo, que é preciso crescer gerando renda em maior proporção para os pobres do que para os ricos, que é preciso crescer reduzindo a desigualdade. Essa ênfase nem sempre está presente nas aparições públicas dos líderes de centro-direita. A visão predominante aqui é a de que o crescimento econômico é a prioridade, mesmo que haja algum aumento da desigualdade. Aliás, essa diferença entre os dois lados do espectro político está devidamente documentada pela literatura acadêmica especializada.
Pensando nisso, o Instituto Análise perguntou o que os brasileiros preferem, se o crescimento econômico ou a redução da desigualdade. Quando os dois objetivos são confrontados diretamente, 50% preferem que a desigualdade de renda seja reduzida, ao passo que 38% dizem preferir mais crescimento econômico. Igualmente interessante é o que a população pensa quando se afirma que um objetivo pode ser obtido em detrimento do outro. Trata-se de uma forma de medir o que é prioritário para a população: 46% preferem gerar mais desenvolvimento econômico e mais crescimento, mesmo que isso aumente a desigualdade entre ricos e pobres, enquanto 37% preferem que o governo faça coisas para diminuir a desigualdade entre ricos e pobres, mesmo que isso diminua o crescimento econômico. Há uma divisão da sociedade, com leve preferência pelo crescimento econômico.
Haverá aqueles que dirão que as duas coisas, crescimento e redução da desigualdade, são compatíveis. Concordo inteiramente. O objetivo da pergunta foi tão somente avaliar qual é a prioridade para os brasileiros. O resultado para o país inteiro esconde uma diferença regional importante: nas regiões Sul e Sudeste, há uma leve vantagem da preferência pela redução da desigualdade e no Nordeste, Norte e Centro-Oeste prefere-se mais desenvolvimento econômico. Isso independe da classe social. A conclusão é simples e direta: os pobres das regiões menos desenvolvidas do Brasil querem mais oportunidades para melhorar.
Há aqui uma aparente contradição. O PT, Lula e Dilma são proporcionalmente mais votados no Nordeste do que no Sul e no Sudeste, em que pese a imagem que ambos têm de defensores dos pobres e de líderes comprometidos com a redução da pobreza e da desigualdade. Essa aparente contradição pode ser equacionada se imaginarmos que a imagem que ambos nutrem tem por finalidade mostrar aos mais pobres que há alguém ao lado deles. Para os mais pobres, é mais desejado o crescimento econômico - e os dois governos, de Lula e de Dilma, vêm entregando isso, na visão dessa parte da população.
Essa hipótese é confirmada quando vemos que 36% dos brasileiros consideram que somente o PT, Lula e Dilma fazem coisas para diminuir a desigualdade entre ricos e pobres, ao passo que 31% consideram que o PSDB, Aécio, Fernando Henrique e Serra também fazem coisas para diminuir a desigualdade, como reduziram a inflação quando estiveram no governo. A diferença de imagem é pequena e está dentro da margem de erro da maioria das pesquisas. A única região na qual o PT é claramente diferente do PSDB quanto a esse aspecto é o Nordeste: o PT leva grande vantagem como o partido que diminui a desigualdade. Obviamente, isso faz com que o PT seja mais aceito e bem visto no Nordeste do que o PSDB. E tem feito a diferença no resultado final das últimas três eleições.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro"
Fonte: Valor Econômico / Eu fim de semana
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